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Desagravo à memória de Rosely Roth

quarta-feira, 28 de agosto de 2024 2 comentários

Míriam Martinho

Desde o falecimento de Rosely Roth, há 34 anos, busquei sempre preservar sua memória através das páginas do boletim e da revista Um Outro Olhar (UOO 12, 15 e 18), incluindo propor o dia do happening do Ferro’s Bar como dia do orgulho lésbico brasileiro também em sua homenagem, em novembro de 2000 (UOO 33), proposta encampada por outras ativistas em 2003. Posteriormente, mantive a lembrança de Rosely presente nas comemorações da data, no livreto sobre o dia do orgulho de 2009, no resgate, em 2019, de sua participação no programa de Hebe Camargo.

Por isso revolta ver hoje sua imagem sendo usada como token de narrativas ideológicas sobre uma suposta perseguição estatal dos militares a gays e lésbicas que teria existido até 1984 (sic), quando de fato, nessa época, estávamos todos lépidos e fagueiros nos comícios das Diretas Já. São fraudes grosseiras que não batem com a história do país, do movimento homossexual do ciclo libertário (78-84) nem com a própria trajetória da moça. Elas também atingem o GALF e o Chanacomchana, mas Rosely tem sido sua principal vítima porque não está mais aqui para se defender. Mas eu ainda estou.

Cumpre  salientar, por exemplo, que Rosely nunca teve qualquer parte na concepção, produção e edição do Chanacomchana. Ela não tinha formação nem vocação jornalísticas, muito menos em artes gráficas, mas foi uma das principais colaboradoras e sobretudo grande divulgadora do fanzine. Nesse caso, ela e o Chana fizeram uma dobradinha: ele permitiu sua visibilidade, e ela a dele. Um casamento feliz enquanto durou. De fato, os fraudadores atribuem a Rosely a criação do Chana para tentar invisibilizar e furtar a verdadeira produtora e editora da publicação que não aceita ver seu trabalho fraudado.

Vale lembrar também que Rosely não foi idealizadora de nenhum levante. Levante é a versão fake e brega do happening do Ferro’s Bar que surgiu na esteira da historieta da suposta perseguição estatal dos militares contra homossexuais. O problema é que o happening, que foi assertivo, mas pacífico e alegre, e terminou em negociação e celebração, não combina com a narrativa "luta armada" que criaram. Até os portugueses grosseiros do Ferro’s viraram agentes da ditadura em pleno 1983, pra se ter uma ideia da picaretagem.

Sobretudo, Rosely não foi nenhuma voz contra a ditadura militar porque se trata de algo cronologicamente impossível. Rosely era uma menina e uma adolescente durante o período ditatorial do regime. Quando os militares chegaram ao poder em 1964, Rosely tinha 5 anos de idade. Quando eles promulgaram o AI-5, o instrumento mais ditatorial do regime, em 68, Rosely tinha 9 anos. Quando eles revogaram o famigerado AI-5, em outubro de 1978, Rosely tinha 19 anos.

A partir de 1979, no governo da abertura do presidente Figueiredo, o Brasil entrou no período da redemocratização, com progressivo e rápido retorno às características do estado democrático de direito (anistia, plupartidarismo, eleições estaduais diretas em 1982, com eleição de governadores da oposição, campanha das Diretas Já, eleição de Tancredo Neves e a transição democrática). Lembrando que a redemocratização segue depois do fim do regime, passando pela aprovação da nova constituição em 1988, e terminando na primeira eleição direta para presidente, em 17 de novembro de 1989, com a vitória de Fernando Collor de Melo. 

E, no início da redemocratização do Brasil, de 1979 até o final de 1981, Rosely estava fazendo graduação em filosofia na PUC-SP e fundando o GALF comigo (outubro/81). Por outro lado, a oposição ao regime militar em seus estertores se dava pela via parlamentar, e Rosely era contra a dupla militância em movimentos e partidos. Esse posicionamento pode ser conferido no texto da Vanda Frias sobre o happening do Ferro’s e o da própria Rosely em Autonomia.

Concluindo, Rosely foi uma moça idealista e batalhadora que não merece ser usada como token por gente que vive de mentiras, roubos e fraudes e visa inclusive vantagens financeiras reescrevendo nossa história. Como se sabe, homenagens verdadeiras não se fazem com profanações das ideias, história e identidade da pessoa homenageada.

Empreendedorismo sapatão para comemorar o dia do orgulho lésbico

quarta-feira, 25 de agosto de 2021 0 comentários

Cerveja Sapatista: criada por uma mulher lésbica e premiada em uma indústria masculina. 
(Foto: Renata Fetzner)

Uma coisa interessante que as lésbicas das últimas gerações fizeram foi ressignificar positivamente a palavra sapatão, considerada pelas gerações passadas de lésbicas uma palavra só pejorativa, usada pela sociedade preconceituosa para agredir as mulheres que amam mulheres. Houve até quem quisesse tirar de circulação a marchinha Maria Sapatão do Chacrinha, que popularizou o termo. Pessoalmente, nunca vi nada demais na marchinha que inclusive diz :

"O sapatão está na moda
O mundo aplaudiu
É um barato
É um sucesso
Dentro e fora do Brasil"

Parece que o Chacrinha previu que as sapatas fariam sucesso (ver Origens do termo sapatão) inclusive no mundo do empreendedorismo. Sapadaria, Sapatista, Sapanavalha, Sapa Mística são os nomes dados aos negócios das lésbicas que a Hype entrevistou pelo Dia do Orgulho Lésbico deste ano. O texto que reproduzo abaixo é da jornalista Veronica Raner.

Míriam Martinho


Sapadaria, Sapatista, Sapanavalha, Sapa Mística. Os nomes de empreendimentos liderados por mulheres lésbicas não escondem o orgulho que existe por ser quem se é. Elas atuam nos mais variados ramos e usam seu talento — seja para entender os astros, fazer pães ou fermentar cervejas — também como uma forma e levantar a bandeira do Orgulho Lésbico todos os dias.

Neste 19 de agosto, Dia do Orgulho Lésbico, o Hypeness conta a história de 7 “mulheres sapas” que decidiram empreender na cara e na coragem, sem esquecer da militância.

O dia do Orgulho Lésbico é comemorado no dia 19 de agosto por conta de um fato ocorrido em 1983. Naquele ano, a ativista lésbica Rosely Roth e outras militantes ocupara o Ferro’s Bar, em São Paulo, para protestar contra agressões lesbofóbicas que vinham ocorrendo nas semanas anteriores. (De fato, invadimos o bar porque nos proibiram de vender o ChanacomChana lá)

Roberta Pierry já ganhou prêmios com a Cervejaria Sapatista

Roberta Pierry toca a Cervejaria Sapatista praticamente sozinha. Sem um espaço próprio para a produção de suas “geladas”, ela passa as receitas e o material para fábricas devidamente registradas e recebe o produto finalizado.

Entre os rótulos, cujos designs foram feitos por uma amiga, faz homenagens a mulheres importantes na luta feminista. A exemplo disso está a Maria da Penha, feita com polpa de butiá. A cerveja foi premiada com a medalha de bronze no Concurso Brasileiro de Cervejas, o maior do ramo no país. “Quando anunciaram que quem podia comemorar também era a Cervejaria Sapatista… Nossa! É sobre isso, sabe? Ser destaque naquele salão cheio de macho. Dar lugar e visibilidade é uma forma de quebrar preconceitos em vários lugares”, ressalta.

Roberta conta que sempre foi muito envolvida com movimentos sociais. “Acho que eu misturei um pouco de todos esses desejos, aprendizados e formas de se posicionar no mundo dentro do que é a Sapatista. O nome vem da minha identidade sapatão, de mulher sapatão, mas também carrega o trocadilho com o Movimento Zapatista.”

Para a empreendedora, o nome da marca também ajuda a quebrar estigmas sociais e a mostrar que ninguém, diferente da cerveja, ninguém precisa usar um rótulo.
Eu quis trazer essa pegada de mulher sapatão justamente para quebrar o estereótipo de que mulher precisa ser a mulher feminina. E também trazer mulheres para esse meio da cerveja. Você pode ser mulher do jeito que você quiser e você pode beber o que quiser.”
A carioca Alessandra Calado e suas criações: cuecas femininas.

Alessandra Calado criou marca de cuecas femininas a partir de uma necessidade pessoal

A carioca Alessandra Calado (@librtaoficial) conta que a Librta nasceu de uma necessidade pessoal. Por experiência própria, ela sempre teve muita dificuldade em comprar peças íntimas. As cuecas que usava nunca ficavam confortáveis o suficiente ou “eram muito feias”, como ela mesma diz.

Durante anos, ela pensou em colocar o negócio em prática: fazer suas próprias cuecas. Mas foi apenas durante a pandemia que o negócio saiu do papel. Hoje, a Librta é uma micro empresa que fabrica e comercializa cuecas para mulheres, feitas por mulheres. Inclusive, quem faz as embalagens dos produtos é a mãe de Alessandra, a quem ela chama carinhosamente de “gerente de tudo”.
Eu passei uma boa parte dessa caminhada estudando qual seria o tecido, se teria um forro, se não teria. Eu não sou desse ramo, sou formada em administração e tenho pós nessa área, mas tudo nasceu de uma paixão”, lembra.
Foi no curso de pós-graduação que Alessandra conheceu uma pessoa que trabalhava na indústria têxtil. Só então que a empreendedora começou a estudar tipos de tecido e a entender como fazer seus modelos de cueca.
A Librta me trouxe muito isso: pessoas que compraram o meu sonho”, diz.
Atualmente, as vendas da Librta são feitas por estoque, mas aos poucos a empresa vai passar a trabalhar por demanda.
A gente tem cinco coleções e estão vindo mais duas aí. Em um ano, a gente já atendeu quase todos os estados do Brasil.”

Catharina Fischer passou a investir em panificação durante a pandemia.

Catharina Fischer abriu a Sapadaria durante a pandemia

A pandemia também fez Catharina Fischer (@_sapadaria) a investir em um antigo sonho. Cozinheira há quase dez anos, ela já havia trabalhado em diversos restaurantes — inclusive fora do país, na Indonésia — mas nunca tinha se aventurado na panificação. Até que o isolamento a obrigou a ficar em casa e testar receitas de pães se tornou uma válvula de escape para o ócio dentro de casa. Foi assim que surgiu a Sapadaria.

Eu já comia muito pão porque minha avó panifica há mais de 40 anos, mas eu nunca tinha estudado para fazer. Até que eu e minha ex-namorada começamos e fazer pão juntas e surgiu a ideia de criar a Sapadaria”, diz.
Na medida em que as receitas foram dando certo, Catharina fez alterações na estrutura da própria casa para viabilizar a produção, mas logo sentiu a necessidade de ir para um outro espaço. Por estar habituada com cozinhas de restaurantes, sabia que poderia pensar em formas melhores de produzir suas fornadas.

Catharina calcula que faz entre 100 e 150 pães por mês. As vendas acontecem pelo Instagram, algo que ela pretende mudar em breve. No cardápio, há o pão tradicional, o pão multigrãos (sucesso de vendas), pão de azeitonas, além de focaccias, rolinhos de canela, coco, goiabada e ainda um brownie com receita criada por ela mesma.

Luanda e os avós, dona Joaninha e seu José Alberto Carignato.

Linguiça Carignato: receita de família feita a seis mãos

Luanda Carignato (@linguica.carignato) é formada em Letras, pela Universidade de São Paulo, e também atuou 12 anos na área de Tecnologia da Informação. Mas só encontrou realização profissional ao buscar dentro de sua casa a receita do sucesso. Literalmente. Veio dos avós, Joaninha e José Alberto Carignato, ambos com 85 anos, o passo a passo para fazer uma linguiça artesanal de primeira qualidade, em São Paulo.

Nasceu assim a Linguiça Carignato, negócio que Luanda toca com a ajuda dos avós. A família tinha o costume de fazer as tradicionais linguiças uma vez ao ano, quando todos se encontravam. Até o dia em que, durante a pandemia, Luanda procurou por linguiças artesanais em São Paulo e encontrou apenas dois lugares que entregavam.

No processo de produção da família, cada um tem a sua função. Às quartas-feiras, eles preparam almôndegas. Às quintas, é a vez do carro-chefe: as linguiças. De acordo com Luanda, elas não têm conservantes, o que é um diferencial no mercado. “A única coisa que tem é o sal de cura. O alho é fresco, a pimenta é fresca. O cheiro verde eu compro da feira”, explica.

Na hora de colocar a mão na massa, dona Joaninha é quem cuida do preparo dos ingredientes. Seu José Alberto se encarrega do corte do alho. Na hora de ensacar, também é ele quem ajuda Luanda a mexer na máquina.
Eles estão juntos no processo comigo. Eu vivo falando que a gente precisa contratar uma pessoa, mas eles acham um gasto desnecessário”, ri a empreendedora.
Ana Paula Munari e Victoria Gallo: inauguração de queijaria trouxe liberdade para o casal.


Ana Paula Munari e Victoria Gallo se ‘libertaram’ ao criar a Queijaria Vermú

“A queijaria saiu de um desespero”, desabafa Ana Paula Munari, de 29 anos, sobre a Vermú (@vermuqueijaria). Ela e a namorada Victoria Gallo (28) foram pegas de surpresa quando a demissão veio por conta da pandemia. As duas prestavam consultoria para uma outra queijaria quando se viram sem emprego, em um momento em que o trabalho que faziam estava sendo reconhecido até mesmo pela imprensa. “Nós fomos pegas de calça curta”, define Vic.

Se em um primeiro momento a demissão causou espanto e incerteza, logo tudo se transformou em afeto e apoio. Ana e Vic criaram laços tão fortes com os fornecedores da queijaria em que trabalhavam, que quando eles souberam das demissões, correram para incentivar que o casal montasse o próprio negócio.

Eles começaram a procurar a gente no Instagram”, contam. Movidas pelas palavras de força, o casal decidiu começar do zero. Elas abriram a queijaria dentro do apartamento onde moram, na Vila Buarque, em Higienópolis. Lá, equiparam um quarto com freezer, geladeira e uma parte que funciona como um estúdio para fazer fotos de divulgação.
Todos os fornecedores deram prazo para a gente pagar em 45 dias. Eles apostaram de verdade no nosso trabalho, não é todo mundo que faz isso. São empresas e parceiros que não fazem isso com qualquer pessoa e a gente entendeu que o que a gente vende vai muito além do produto, são as relações que a gente constrói e isso a gente leva para onde for”, observa Vic.
Atualmente, a Vermú trabalha com mais de 30 tipos de queijos de São Paulo, do interior de Minas Gerais e do Paraná. Muitos deles frutos do trabalho de produtoras mulheres.Ana reflete que a abertura da Vermú foi também um passo de liberdade. Na loja anterior, ela e Vic não podiam deixar às claras que eram um casal. Segundo Ana, o público da queijaria em que elas trabalhavam era “mais conservador”.
A gente sentia um pouco de medo (de se assumir) porque o negócio não era nosso. E aí a gente decidiu que não ia mais se esconder atrás disso. E também que há clientes que a gente não quer atender. Quem não quiser comprar com a gente, tudo bem.”

Poder trabalhar e ser quem você é, fazer o que você gosta, sem ter que se esconder, é a melhor parte”, completa Vic. “Hoje nós não somos a Ana e a Vic, somos a AnaeVic, entendeu? É como se a gente fosse uma pessoa só mesmo, as pessoas associaram a Vermú ao casal”, brinca Ana.

A diretora e astróloga Maria Fernanda Batalha.

Maria Fernanda Batalha mergulhou na astrologia por meio do codinome Sapa Mística

A avó da astróloga Maria Fernanda Batalha (@sapa_mistica), conhecida como Sapa Mística, contava às netas que havia andado em uma nave espacial. O misticismo e a crença nos astros sempre estiveram no sangue da família. Tanto que, aos 15 anos, Sapa Mística foi levada pela mãe para fazer seu primeiro mapa astral oficial.
Ali eu já me interessei e comecei a estudar”, conta. “Minha mãe e minha avó tinham um monte de livro e eu fui pesquisando. sempre tive esse atravessamento da astrologia na minha vida. Ela é uma das nossas formas de ler o mundo”, explica a paulistana de 33 anos.
Aos poucos, o talento herdado da família foi se enraizando na vida de Maria Fernanda, que também é dramaturga e diretora e usa as redes sociais para divulgar o seu trabalho de forma bastante esclarecedora. Além dos mapas astrais, ela também faz leitura de oráculo. 
São ferramentas de autoconhecimento profundo, que revelam coisas que a gente não sabe que estão acontecendo. Eu não acredito que uma leitura de oráculo ou de mapa astral te dê uma sentença de vida. É uma tendência. Importante é a gente trabalhar com as escolhas”, observa.
Recentemente, ela trocou o nome de sua conta no Instagram e incorporou de vez sua alcunha profissional. A intenção foi direcionar o conteúdo ao mesmo tempo em que colocaria em voga a questão da visibilidade lésbica.
Existe um apagamento da letra L. As pessoas não dão muita bola, se perguntam ‘o que é isso de empreendedorismo lésbico?’ Eu acho de extrema importância que a gente leve isso à frente porque às vezes a gente está produzindo conteúdo que vem dessa vivência, mas que são para todas as pessoas. Se eu pude a vida inteira me identificar com conteúdo hétero na televisão, porque as pessoas não podem se identificar com a minha”, reflete.
A minha clientela no Rio era 90% LGBT

Sapa Navalha: da Lapa, no Rio, para Itacaré, na Bahia

“O fruto não cai muito longe da árvore.” O ditado popular vem muito a calhar para falar de Sapa Navalha (@sapanavalha), professora de teatro e cabeleireira de Florianópolis, radicada por muito tempo no Rio de Janeiro e que hoje vive em Itacaré, na Bahia.
Minha avó e minhas tias eram cabeleireiras, meu avô barbeiro, então eu cresci muito dentro do salão. Adorava ficar vendo quando era criança”, conta. Apesar da ligação próxima com a profissão, Navalha, como gosta de ser chamada, acabou optando por fazer a graduação em artes cênicas.

Ela dava aulas em uma escola estadual em Florianópolis, mas decidiu se mudar para a cidade maravilhosa quando o contrato acabou. Sua fama de cabeleireira logo correu a cidade maravilhosa.

Na época eu estava no grupo Maracatu Baque Mulher e sempre depois dos ensaios eu ficava cortando o cabelo das mulheres. Eu comecei a cortar o cabelo na rua, na Lapa, nos bares…”, relembra sobre a trajetória.
Eu não tinha a pretensão de ser cabeleireira profissional, eu fazia mais para gastar uma onda na Lapa. Saía para beber e cortava o cabelo das pessoas”, se diverte.
Com a pandemia, ela decidiu mais uma vez se reinventar. Passou a fazer telecortes — cortes de cabelo feitos por chamada de vídeo, auxiliando a pessoa que desejar cortar os fios — e se mudou para Itacaré. Lá, Navalha conta que seus clientes são cerca de 90% heterossexuais, algo que não acontecia no Rio de Janeiro. 
A minha clientela no Rio era 90% LGBT”, conta.
Em Itacaré, ela sente a resistência das pessoas de falarem o nome da marca “porque elas acham que podem estar ofendendo”.
Eles querem saber logo o meu nome e aí só me chamam de Julia”, conta. “E aí eu tenho que explicar que não estão me ofendendo, pelo contrário, é um lugar de afirmação mesmo”.
Clipping De queijos a cuecas femininas: 7 negócios de mulheres lésbicas para comemorar o Dia do Orgulho, Hypeness, 19/08/2021

Tributo a Rosely Roth, pioneira da visibilidade lesbiana no Brasil

quarta-feira, 28 de agosto de 2019 2 comentários

Rosely Roth (GALF-BR) com integrantes do GALF peruano no III EFLC (Acervo Um Outro Olhar)

Rosely Roth
(21/08/59- 28/08/1990)


Rosely Roth nasceu de família judia, em 21 de agosto de 1959, tendo cursado escolas judaicas e não-judaicas durante a infância e a adolescência e, posteriormente, formado-se em Filosofia (1981) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde também pós-graduava-se em Antropologia (85/86) com os trabalhos Vivências Lésbicas - Investigação acerca das vivências e dos estilos de vida das mulheres lésbicas a partir da análise dos bares freqüentados predominante por elas e Mulheres e Sexualidades.

Iniciou seu contato com o movimento de mulheres, no primeiro semestre de 1981, quando começou a participar simultaneamente dos grupos Lésbico-Feminista/LF (1979-1981) e SOS Mulher (1980-1983).

Em outubro de 1981, fundou comigo o Grupo Ação Lésbica-Feminista/GALF (1981-1990), um grupo a princípio de continuidade do grupo lésbico-feminista (cujo coletivo original se dispersara), mas que viria, no decorrer de sua existência, a desenvolver características próprias tanto em termos políticos quanto de atividades.

A partir de 1982, deixou de atuar no coletivo SOS Mulher, vindo a dedicar-se exclusivamente ao Grupo Ação Lésbica-Feminista (GALF) do qual foi figura de destaque seja por seus artigos, nas duas publicações da entidade – os boletins ChanacomChana (12/82 a 05/87) e Um Outro Olhar (até 1990) - e pela organização de debates, com outros grupos dos Movimentos Feminista, Homossexual e Negro, além de com parlamentares da época, seja por sua participação em atividades externas (manifestações, encontros, simpósios, congressos) ou por sua presença constante, publicamente lésbica, na mídia brasileira.

Entre as inúmeras atividades que realizou, por seu impacto político, destacam-se: 1) a organização da manifestação de protesto de 19/08/83, junto aos proprietários do Ferro’s Bar (o mais antigo e tradicional bar lésbico do Brasil) que não permitiam a venda do boletim Chanacomchana em seu recinto, apesar de este ser sustentado fundamentalmente por lésbicas, e que reuniu ativistas do movimento homossexual e feminista, parlamentares e representantes da OAB, com bastante destaque na mídia, e 2) duas participações (25/05/85-20/04/86) em programas da apresentadora Hebe Camargo (uma das mais populares do Brasil), em cadeia nacional, falando aberta e tranquilamente sobre lesbianidade, com grande repercussão na imprensa e junto à própria comunidade lésbica e gay.

Rosely Roth foi pioneira no que se convencionou chamar de “política da visibilidade” em uma época (década de 80) em que, com raras exceções, ninguém mais o fazia, aliando aparições públicas, geralmente marcantes, a uma fundamentação teórica que lhe permitiu ir além do ramerrão vitimista e reformista que muitas vezes caracteriza o discurso e as atividades dos grupos sociais discriminados. 

Na década de 90, a visibilidade ganhou as páginas dos jornais, os programas de TV e até as ruas, em manifestações de orgulho cada vez maiores e com várias pessoas dando as caras, mas até hoje, não surgiu quem superasse em excelência, Rosely Roth como a ativista lésbica do Brasil. Em sua homenagem, republico, anualmente, um seu texto muito significativo, chamado AUTONOMIA (dos movimentos sociais)  bem como o texto informativo sobre a manifestação do Ferro's Bar que ela liderou.  Reproduzo tambémmatéria da Folha de São Paulo que relata a polêmica surgida quando da primeira participação de Rosely no programa da apresentadora Hebe Camargo.

Fonte: Revista Um Outro Olhar, n. 33, Ano 14, Outubro-Dezembro de 2001. Fonte matéria abaixo: Folha de São Paulo, 01/06/1985


19 de Agosto: Primeira Manifestação lesbiana contra a discriminação no Brasil

sexta-feira, 17 de agosto de 2018 4 comentários

 Roseli: "Nós sustentamos este bar e temos direito de vender nosso jornal"

O dia 19 de agosto de 1983 marca a data da primeira manifestação protagonizada por lésbicas contra a discriminação, em nosso país, e lançada, em 2003, como dia do orgulho das lésbicas brasileiras.

Para lembrar a data e a história da organização lésbica no Brasil, listamos dois artigos da época, um escrito pelo jornalista Carlos Brickmann e publicado na Folha de São Paulo em 21 de agosto de 1983; o outro pela jornalista Vanda Frias e publicado no boletim Chanacomchana, n. 4, agosto/setembro de 1983. Ambos descrevem o evento e um pouco da história do Ferro's Bar que, por décadas foi o point de encontro das lésbicas não só paulistanas como de todo o Brasil. 

Ao fim da postagem, o vídeo que também resume a história da famosa invasão e links para outras publicações relativas.

A noite em que as lésbicas invadiram seu próprio bar

CARLOS BRICKMANN

São 22hl5, sexta-feira. Faz frio na rua Martinho Prado. Na calçada, um grupo de moças aguarda pacientemente o momento de entrar em ação. Rosely, a líder, anuncia que chegou a advogada. Está tudo pronto: a um sinal, as lésbicas invadem o Ferro's Bar.

Houve alguma resistência, logo vencida. O porteiro, assim que começou a invasão, fechou as portas e segurou-as com o corpo. Dentro do bar, tumulto total: gritos de "entra, entra", tentativas inúteis de parlamentar com o porteiro, um discurso da vereadora Irede Cardoso que, doente, saiu de casa só para apoiar a manifestação. Alguém força a passagem, o porteiro empurra violentamente dois rapazes, enfia a mão no rosto da militante Vanda. De repente, cessa a resistência: alguém tirou o boné do porteiro e o atirou no meio das mesas. Enquanto, desesperado, o porteiro sai atrás do boné, completa-se a invasão.

Estranho, muito estranho: se o Ferro' s Bar é há mais de vinte anos o ponto de encontro preferido das lésbicas da cidade, por que elas precisaram invadi-lo?

O grande desquite

O Ferro's Bar é um dos melhores exemplos de má decoração que existem em São Paulo. Chão amarelo não muito limpo, de cacos de cerâmica; paredes com azulejos azuis até à metade e terríveis pinturas multicoloridas na parte superior; enfeites de gesso creme que certamente conheceram melhores tempos; e colunas revestidas em baixo de fórmica branca, no meio de fórmica azul, no alto de pastilhas espelhadas. Isso é compensado pela comida, boa — embora um pouco oleosa — e relativamente barata. Em outras épocas, foi reduto de jornalistas, escritores e prostitutas; depois, de homossexuais masculinos; finalmente de lésbicas.

Uma relação tumultuada, sempre. No início da década de 70, julgando-se maltratadas, as lésbicas se mudaram para um bar na Galeria Metrópole. Os donos do Ferro's lhes pediram que voltassem, prometendo melhor tratamento; foram atendidos. Alguns anos depois, num incidente meio nebuloso, uma jovem levou uma garrafada; há poucos dias, um rapaz dirigiu algumas grosserias a uma moça, que reagiu, apanhou e teve de tomar seis pontos no rosto (e, segundo as frequentadoras, os garçons do bar impediram que alguém interrompesse a surra).

A gota d’água viria no dia 23 de julho. As militantes do Grupo Ação Lésbica Feminista entraram no bar para vender seu jornal, que tem o sugestivo título de "Chana com Chana" — o leitor tem liberdade para imaginar o que quer dizer. No momento em que faziam o discurso de apresentação do jornal, foram postas para fora do bar. "O dono proibiu nossa entrada', informa Rosely. "Não proibi nada, nem a venda do jornal", rebate Aníbal, um dos sócios do Ferro's. "Só não quero tumulto. Ou então daqui a pouco vem gente querendo vender colchão aqui dentro. Não dá, não é?"

Não era bem verdade; tanto a entrada das moças estava proibida que na noite da invasão o porteiro fechou-lhes a porta na cara. O fato, porém, é que colocá-las fora do bar por pouco não custou o rompimento definitivo do velho casamento entre as lésbicas e o Ferro's.

Final feliz

Roseli é uma morena bonita, alta, de 23 anos e grande capacidade de mobilização. Embora o movimento rejeite lideranças, ela encabeçou o protesto: "Nós sustentamos esse bar e temos o direito de vender nosso boletim", afirmou. "Se eles não recuarem, vamos boicotar o Ferros!".

Foi tudo muito bem organizado: houve convites a Irede Cardoso, ao deputado Eduardo Matarazzo Suplicy (que lamentou não poder ir, pois estava de viagem marcada), à advogada Zulayê Cobra Ribeiro, da OAB, garantindo a cobertura de quem participasse do protesto; e contatos com grupos de homossexuais masculinos, entidades feministas, ativistas de direitos civis, todo esse pessoal que dá a vida para comparecer a um protesto e contribui para engrossar a manifestação.

Juntar todo o grupo à porta do Ferro's levou mais de uma hora. Dentro, o clima era de tensão: nas mesas, lésbicas discutiam a validade ou não do protesto, o risco de se envolverem em confusões que as prejudicariam no emprego ou revelariam a verdade às famílias; no balcão, o proprietário dizia esperar com ansiedade o momento da invasão. "É propaganda, é bom, o nome do meu bar vai sair na "Folha". 

E mais tarde as moças vão cair em si e ver que estavam erradas". Mas o porteiro se mantinha alerta, pronto para fechar as portas no momento propício — manobra que só falhou porque lhe tiraram o boné. 

Depois da invasão, o "happening": Rosely discursando em cima da me­sa, grupos de lésbicas menos assumi­das saindo de rosto coberto, medrosas de eventuais fotografias, a vereadora Irede Cardoso funcionando como me­diadora. Um pouco atrás, o porteiro, já de boné, tentava sem êxito puxar briga com uma lésbica que o chamara de palhaço (não sabe do que escapou: a moça é boa de briga e trabalha na polícia). Gritaria geral, enquanto Ire­de parlamenta com o proprietário e Rosely. Irede pede silêncio, fala alto, acaba sendo atendida: "O dono do bar está dizendo que foi tudo um mal en­tendido, que ele ama as lésbicas, quer que venham aqui e vendam seu bole­tim em paz. Quer que conversem com o outro sócio, também, para acabar com todos os mal-entendidos. Ele re­conhece que vive de vocês. E viva a democracia!"

Rosely ainda quer discutir, exige que o dono repita sua rendição em voz alta, Irede a acalma, ela discursa: "Ele só voltou atrás por causa de nos­sa força, de nossa união. A democra­cia neste bar só depende de nós!" 

O clima já está relaxado, os garçons voltam a circular de mesa em mesa com cerveja bem gelada. E Aníbal, o proprietário, completa: "Podem ven­der o jornal. Mas para mim é de graça, tá?"

Fonte: Folha de São Paulo, por Carlos Brickmann, 21/08/1983.

Democracia também para lésbicas: uma luta no Ferro’s Bar

Vanda Frias

O dia 19 de agosto é muito especial para o Grupo de Ação Lésbica-Feminista(GALF) e para as lésbicas que frequentam o Ferro’s — antigo e velho bar situado quase no Bexiga, bairro dos mais badalados da noite de Sampa. 

O frio que baixa na cidade não impede que o "happening” político organizado pelo GALF seja um sucesso. Por volta das nove da noite, as militantes do grupo e mais alguns companheiros do Outra Coisa Ação Homossexualista, formado por homens, continuam a distribuir na frente do famoso bar um panfleto denunciando as agressões que o GALF vinha sofrendo há meses, quando tentava vender seu boletim ChanacomChana dentro do Ferro’s. Um pouco mais tarde,começam a "invadir" o bar figuras um tanto estranhas para suas fiéis frequentadoras: mulheres "diferentes", rapazes de barba e lindos paletós de couro (desses que a gente costuma ver nas manifestações tradicionais da esquerda), bichas finérrimas. 

Dentro, a maior confusão. Como sempre acontece no Ferro’s, há poucas mesas para suas frequentadoras, que são obrigadas a se espremer nos estreitos espaços livres, à espera de que a sorte lhes premie com um lugar. Num dia especial, então,os garçons são obrigados a fazer verdadeiros malabarismos para chegar com suas bandejas sãs e salvas até a mesa que fez o pedido. 

Mas não e só isso. O atarracado porteiro -- sempre tão agressivo com as militantes do GALF — segura firme a porta fechada para garantir que nenhuma dessas “perigosas” mulheres invada tão imaculado recinto. À medida que se aproxima o histórico momento, a força estranha que já havia invadido o bar explode aos gritos de: "entra", “entra", "entra”. Numa das mesas, a vereadora Irede Cardoso (do PT) discursa aos berros sobre a luta pelas liberdades democráticas inclusive para as lésbicas. 

Chega a hora: entre os flashes dos fotógrafos, as militantes do GALF - e outras pessoas que ainda estão pra fora — forçam a porta do bar, que o porteiro, agora ajudado por outros defensores da “paz e da ordem”, segura como pode. 

O inesperado — ou mais uma artimanha de um dos alegres rapazes da banda —precipita tudo. O boné do porteiro é arrancado e jogado longe. Enquanto ele busca tão importante signo de seu poder, duas mulheres puxam-no para o lado oposto. Aproveitando-se desse inusitado embate, as lésbicas do GALF entram. Uma delas, Rosely, sobe imediatamente sobre uma cadeira e começa a denunciaras atitudes autoritárias do bar.

LÉSBICAS EM BUSCA DE UMA ENTRADA 

O que Rosely denuncia começara há quase dois meses. Todos os sábados,quando íamos vender o boletim ChanacomChana no Ferro’s éramos agredidas pelo porteiro — com ameaças ou com puxões de braço para que nos retirássemos. Até que no dia 23 de julho último, a barra pesou mais: um dos donos do bar, seu segurança e seu porteiro tentaram concretizar a expulsão,através de agressões físicas. Enquanto nos puxavam para o lado de fora, parte das lésbicas — que compram o boletim e conversam com as moçoilas do GALF - nos segurava lá dentro. Belo corpo-a-corpo: dos que tem a força da ordem e da lei contra as que ganharam no dia-a-dia uma força física e interior para poder viver numa sociedade onde a regra é ser heterossexual. Quem foge desse padrão é pervertida (o), louca (o), imatura (o) sexualmente e definitivamente não merece compartilhar das benesses desse paraíso terrestre. 

Alegando que nós estávamos fazendo "arruaça” dentro de tão comportado ambiente, o dono chamou a policia. Os policiais chegaram, ouviram as argumentações do dono, as nossas, as das lésbicas não militantes que nos apóiam. E estranhamente um deles respondeu que, como deviam ser imparciais, pois os direitos são para todos os brasileiros, não tomariam qualquer atitude contra nós. Puxaram o carro e pudemos jantar em meio às outras lésbicas, como sempre fazemos. Há também dias — ainda raríssimos — que são da caça e não do caçador. 

Foi uma vitória. Depois dela muitas discussões no GALF. Já estávamos cheias de sermos agredidas injustamente e pensávamos que o incidente podia se repetir mais vezes, talvez com mais apoio da polícia. Não queríamos ficar na defensiva.Precisávamos reconquistar nosso direito de vender o ChanacomChana no Ferro’s.Não só vendê-lo mas conversar com as lésbicas dos mais distintos estratos sociais e vivências pessoais. Não somos e não queremos ser elite ou vanguarda. A militância política de esquerda sempre foi reprimida. Mas sempre compensada pela certeza de se estar lutando por um mundo melhor e de se estar fazendo história. Mas as(os) militantes da esquerda não enfrentam, no seu dia-a-dia, as dificuldades das lésbicas e das feministas mesmo quando heterossexuais.São olhadas com certo deboche e feridas com agressões verbais por estarem numa luta menor, num combate não-prioritário. Boa parte da esquerda ainda nos olha dessa forma. Mas não poderia ser de outro jeito numa sociedade falocrata, onde as mulheres nunca tiveram direitos, só deveres-- e quantos. É lógico que -quando algumas buscam resgatar seu passado, para que o presente e o futuro sejam diferentes, sejam vistas como as feiticeiras queimadas na Idade Média por estarem à frente de seu tempo. 

Processo semelhante acontece com os negros em sociedades racistas como a brasileira. Ou com os índios, que eram muitas nações nesse Brasil antes da invasão do branco colonizador. E que foram— e ainda são — gradualmente confinados em regiões desabitadas (guetos?). Nessa terra de Vera Cruz que já foi só deles. 

São as chamadas "minorias", mais uma palavra que esconde o verdadeiro nome:grupos oprimidos. Nós do GALF queremos ajudar a romper com essa historia. Por isso, resolvemos reconquistar o Ferro’s com a ajuda de homens homossexuais, mulheres feministas, ativistas dos direitos civis e militantes ou políticos dos partidos de oposição mais identificados com as lutas das minorias.

Por sermos um grupo autônomo, o GALF é aberto às lésbicas dos mais diferentes horizontes políticos. Ao contrário de alguns outros grupos feministas, o GALF não aceita a chamada dupla militância: isto é, batalhar dentro de um grupo e, ao mesmo tempo, dentro de um partido político. Pensamos que a dupla militância foi um dos principais fatores de enfraquecimento dos grupos feministas nos últimos anos particularmente com as eleições de 1982. Isso não impede que busquemos ótimas relações com os partidos de oposição— PMDB, PT e PDT — pois nossas lutas se cruzam em alguns pontos essenciais, como é o caso da luta pelas liberdades democráticas. Por isso, fizemos questão de convidar, para o happening político do Ferro’s, a deputada Ruth Escobar (PMDB), a vereadora Irede Cardoso (PT), o deputado federal Eduardo Suplicy (PT) e a bancada do PT na Assembléia Legislativa através de carta endereçada ao líder de sua bancada, Marco Aurélio Ribeiro. Como apoio na área legal, convidamos a advogada Zulaiê Cobra Ribeiro (representante da Ordem dos Advogados do Brasil e da Comissão de Direitos Humanos).

Batalhamos na organização do "happening” do 19 de agosto durante quase um mês, enquanto distribuíamos no gueto um panfleto denunciando a atitude do Ferro’s, que não é isolada. Com a reconquista do Ferro’s, buscávamos também lutar pelo legítimo direito de circular livremente em todos os locais.

RESGATE DE UMA HISTÓRIA 

Ao contrário de outras ocasiões, quando nos sentíamos acossadas, nós - as militantes do GALF — tomamos a ofensiva naquela sexta-feira. Rosely fez discursos em várias cadeiras. É bom deixar claro que ela não é e não quer ser líder do grupo, pois lutamos contra a hierarquia e o poder; algumas militantes do grupo ainda lutam contra o medo de se exporem publicamente. A interiorização do medo e da repressão é um dos motivos que impedem o grupo de crescer quantitativamente. Porque qualitativamente ele vem avançando desde seu surgimento, em 1979. 

Os discursos de Rosely se intercalam com gritos de parte das lésbicas e de nossas(os) companheiras(os) de luta para que o dono apareça. A ordem dentro dobar é sempre garantida pelos garçons, pelo porteiro e pelo segurança, em trocado salário mensal e da sobrevivência. Dos lucros, ele e seu sócio sabem fazer bom proveito. Por fim, a voz do dono. Cercado por jornalistas, lésbicas não-militantes ou do GALF e pela vereadora Irede, o dono é obrigado a discutir suas atitudes — uma prática democrática a qual parece não estar muito acostumado. Afinal, vivemos no Brasil. 

As militantes do GALF conversam com o dono e conseguem que ele declare diante delas, da imprensa e de outras companheiras (os), que o grupo poderá divulgar seu boletim dentro do bar sustentado pelas lésbicas. Findo o episódio, Irede dá um viva a democracia. 

Qual democracia? Para nós, do GALF, sua definição transparece na complementação que Rosely faz à Irede: “ele só voltou atrás por causa da nossa força, da nossa união. A democracia neste bar só depende de nós”. Por acreditar nessa democracia, sem lideranças, sem vanguardas e sem elites, é que continuamos a lutar para que todas as lésbicas se expressem e lutem por seus direitos. À maneira de cada uma. Acreditando em nossa autonomia individual, mesmo que participando dos mais diversos grupos. A repercussão do “happening” político do Ferro’s abriu espaços sociais para o GALF em dois sentidos. Entre as lésbicas, muitas vieram participar do grupo. As que ainda não querem militar já leem nosso boletim com outros olhos e discutem mais conosco. Sabemos que a libertação individual é um processo a longo prazo.Sabemos, também, que, na história, a militância sempre foi um gesto de muito poucos e dentro de espaços delimitados - por exemplo, os partidos políticos. 

Neste final de século XX, grupos e pessoas dos mais diversos países querem modificar isso. A militância pela democracia não se restringe aos trabalhadores, seus sindicatos e seus partidos políticos, mas se estende ao cotidiano: às ruas, aos bares, às escolas, ao trabalho, às camas, aos jardins, aos mercados. Em suma, ao dia-a-dia mais "corriqueiro e banal" de todas(os) cidadãs(ãos). É assim que esperamos ir construindo a verdadeira democracia e o verdadeiro socialismo. Sem todas as hierarquias e poderes que sufocam há milhares de anos, desde a pré-história, a existência, a alegria e o prazer dos seres humanos. Nessa luta em constante movimento e transformação, as lésbicas têm um papel importante a desempenhar. Desde Safo - poetisa grega que fez alguns dos mais lindos versos de amor pelas mulheres e que, vivendo na ilha de Lesbos deu origem a palavra com qual orgulhosamente nos denominamos - as lésbicas não tiveram voz e foram oprimidas. O resgate dessa história, dos versos perdidos em livros malditos, dos beijos que nunca puderam ser dados à luz do dia, do amor que nunca pode ser declarado à amiga com medo de perdê-la para sempre. Tudo isso e muito mais faz hoje nossa alegria de viver e de lutar. GRUPO AÇÃO LÉSBICA-FEMINISTA (GALF), CX. POSTAL 62.618, CEP 01000, SP 

*Nomes das integrantes do GALF que participaram da manifestação: Célia Miliauskas, Elisete Ribeiro, Luiza Granado, Míriam Martinho, Rosely Roth e Vanda Frias. (Nunca houve nenhuma Marisa Fernandes no Grupo Ação Lésbica Feminista ou que tivesse participado deste evento)

Fonte: Boletim ChanacomChana 4, 1983, p. 1-4


Heroes, David Bowie
Intérprete - Wallflowers

I, I wish you could swim
Like the dolphins, like dolphins can swim
Though nothing, nothing will keep us together
We can beat them
Forever and ever
We can be heroes
Just for one day

Eu, eu gostaria que você pudesse nadar
Como os golfinhos, como os golfinhos conseguem nadar
Embora nada, nada venha a nos manter juntas(os)

Nós podemos derrotá-los
continuamente
Nós podemos ser heróis,
mesmo só por um dia

Oh I, I will be king
And you, you will be queen
Though nothing, nothing will drive them away
We can be heroes
Just for one day
We can be, yes!
It's just for one day

Eu, eu serei rei
E você, você será rainha
Embora nada, nada possa afastá-los

Nós podemos ser heróis, só por um dia
Nós podemos derrotá-los
Sim, nós podemos ser heróis
mesmo só por um dia

I, I remember
Standing by the wall
The guns, they shot above our heads
And we kissed, as though nothing could fall
And the shame was on the other side
Oh, we can beat them, forever and ever
Then we could be heroes
Just for one day

Eu, eu me lembro
Em pé próximo ao muro
As armas, eles atiraram por sobre nossas cabeças

E nós nos beijamos como se nada pudesse nos atingir

E a vergonha não era nossa.

Nós podemos derrotá-los continuamente
Então podemos ser heróis
Mesmo só por um dia

We can be heroes
We can be heroes
We can be heroes
We can be heroes,
 just for one day

Nós podemos ser heróis
Nós podemos ser heróis nós podemos ser heróis
Só por um dia

Ver também:
Tributo a Rosely Roth, pioneira da visibilidade lesbiana no Brasil 
Agosto com orgulho: Repercussão do 19 de agosto na Imprensa
Agosto com orgulho: os primórdios da organização lésbica no Brasil

Tributo a Rosely Roth, pioneira da visibilidade lésbica no Brasil

terça-feira, 28 de agosto de 2012 1 comentários

Rosely Roth (21/08/59- 28/08/1990)

Por Míriam Martinho

Rosely Roth nasceu de família judia, em 21 de agosto de 1959, tendo cursado escolas judaicas e não-judaicas durante a infância e a adolescência e, posteriormente, formado-se em Filosofia (1981) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde também pós-graduava-se em Antropologia (85/86) com os trabalhos Vivências Lésbicas - Investigação acerca das vivências e dos estilos de vida das mulheres lésbicas a partir da análise dos bares freqüentados predominante por elas e Mulheres e Sexualidades.

Iniciou seu contato com o movimento de mulheres, no primeiro semestre de 1981, quando começou a participar simultaneamente dos grupos Lésbico-Feminista/LF (1979-1981), este a partir de 1981,  e SOS Mulher (1980-1983). Em outubro de 1981, fundou, com Miriam Martinho, o Grupo Ação Lésbica-Feminista/GALF (1981-1990), um grupo a princípio de continuidade do grupo lésbico-feminista, cujo coletivo original se dispersara, mas que viria, no decorrer de sua existência, a desenvolver características próprias tanto em termos políticos quanto de atividades.

A partir de 1982, deixou de atuar no coletivo SOS Mulher, vindo a dedicar-se exclusivamente ao Grupo Ação Lésbica-Feminista (GALF) do qual foi figura de destaque seja por seus artigos, nas duas publicações da entidade – os boletins ChanacomChana (12/82 a 05/87) e Um Outro Olhar (12/87 a 1995) - e pela organização de debates, com outros grupos dos Movimentos Feminista, Homossexual e Negro, além de com parlamentares da época, seja por sua participação em atividades externas (manifestações, encontros, simpósios, congressos) ou por sua presença constante, publicamente lésbica, na mídia brasileira.

Entre as inúmeras atividades que realizou, por seu impacto político, destacam-se:
1) a organização de uma manifestação de protesto (19/08/83), junto aos proprietários do Ferro’s Bar (o mais antigo e tradicional bar lésbico do Brasil) que não permitiam a venda do boletim Chanacomchana em seu recinto, apesar de este ser sustentado fundamentalmente por lésbicas, e que reuniu ativistas do movimento homossexual e feminista, parlamentares e representantes da OAB, com bastante destaque na mídia, e

2) duas participações (25/05/85-20/04/86) em programas da apresentadora Hebe Camargo (uma das mais populares do Brasil), em cadeia nacional, falando aberta e tranqüilamente sobre lesbianidade, com grande repercussão na imprensa e junto à própria comunidade lésbica e gay.
Rosely Roth foi pioneira no que se convencionou chamar de “política da visibilidade” em uma época (década de 80) em que, com raras exceções, ninguém mais o fazia, aliando aparições públicas, geralmente marcantes, a uma fundamentação teórica que lhe permitiu ir além do ramerrão vitimista e reformista que muitas vezes caracteriza o discurso e as atividades dos grupos sociais discriminados. As profundas crises emocionais que a levaram ao suicídio, em agosto de 1990, em nada empanam o brilho de sua trajetória política que se destacou pela coragem, pelo dinamismo e pela coerência discursiva. 

Na década de 90, a visibilidade ganhou as páginas dos jornais, os programas de TV e até as ruas, em manifestações de orgulho cada vez maiores e com várias pessoas dando as caras, mas até hoje, não surgiu quem superasse em excelência, Rosely Roth como a ativista lésbica do Brasil. O trabalho da Rede de Informação Um Outro Olhar, em suas atuações pela saúde e os direitos humanos das mulheres (em particular das lésbicas) e das minorias sexuais é dedicado à sua memória. Da mesma forma, em sua homenagem, decidimos marcar o dia 19 de agosto, dia da manifestação no Ferro’s Bar, chamada pelos ativistas da época de nosso pequeno Stonewall Inn, como Dia do Orgulho Lésbico Brasileiro. Assim também, prestamos nosso tributo ao Ferro’s, fechado no começo de setembro (2000) que, por 38 anos, foi palco de tantas histórias de amor, de tantas histórias políticas e culturais das lésbicas não só paulistanas como de todo o país.

Fonte: Revista Um Outro Olhar, n. 33, Ano 14, Outubro-Dezembro de 2001. Foto: Rosely em reunião lésbica durante o III Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe


Ver também:


Agosto com orgulho: Repercussão do 19 de agosto na Imprensa

segunda-feira, 27 de agosto de 2012 0 comentários

"Invasão" do Ferro's Bar pelo GALF em 19/08/1983

O dia 19 de agosto, Dia do Orgulho das Lesbianas do Brasil, foi amplamente divulgado pela grande e pequena imprensa, quando de seu lançamento, possibilitando uma visibilidade para a questão lésbica nunca vista anteriormente em nosso país.

Abaixo, reproduzimos algumas das matérias que tiveram versões on-line.

Ver também:
Orgulho Lésbico: o happening do Ferro's Bar 
Agosto com orgulho: os primórdios da organização lésbica no Brasil

Índice das matérias

  1. ONGs lançam "dia do orgulho lésbico" em SP
  2. Data de comemoração foi inspirada em protesto
  3. Bar das lésbicas entra na história
  4. Intolerância religiosa - Revista da Folha
  5. Ministério pode adotar atendimento diferenciado para as mulheres lésbicas
  6. Mulheres que amam mulheres participam da Parada
  7. O orgulho lésbico comemorado dia a dia
  8. Muito além de Claras e Rafaelas
  9. Dia Nacional do Orgulho Lésbico
Grande Imprensa

CIDADANIA
A iluminadora Neusa Maria de Jesus e a economista Luiza Granado, coordenadoras de ONGs que defendem os direitos das lésbicas.
Marlene Bergamo/Folha Imagem
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Pesquisa mostra que 60% das homossexuais não se assumem quando vão ao ginecologista por temer discriminação  
  
Cerca de 60% das lésbicas não revelam ao seu ginecologista sua orientação sexual. São tratadas por seus médicos como mulheres que fazem sexo com homens, porque essa é a regra estabelecida. Os médicos perguntam sobre contraceptivos, sugerem preservativos ou pílulas, e as mulheres fazem de conta que concordam.

Esconder a "orientação" sexual tem seus motivos. Cerca de 60% das mulheres que revelaram ser lésbicas dizem que sofreram algum tipo de discriminação. Uma entrevistada afirmou que a médica pediu a presença de sua enfermeira, com medo de ser assediada. Vários médicos sugeriram que a paciente procurasse ajuda de um psiquiatra, outros se "interessaram" em saber como era a relação com suas parceiras.

Esse quadro de preconceito e desinformação médica aparece em pesquisa feita com 150 mulheres de 17 a 57 anos pela Rede de Informação Um Outro Olhar, ONG que tem uma publicação própria, com o mesmo nome. As entrevistadas eram leitoras da revista. Do grupo de mulheres ouvidas, 32% são mães e 23% fizeram pelo menos um aborto. A primeira pesquisa foi concluída três anos atrás. Uma mais ampla está em andamento.

O cenário revelado nessa pesquisa é uma das razões para o lançamento, nesta quarta-feira, dia 11, do Dia Nacional do Orgulho Lésbico. A data será comemorada no dia 19 de agosto, dia em que, 20 anos atrás, o Grupo de Ação Lésbica Feminista (Galf) invadiu o Ferros Bar. O local era o ponto de encontro das lésbicas de São Paulo, mas os proprietários decidiram proibir a venda ali do boletim da associação, o "ChanacomChana". A invasão do bar, que contou com o apoio de políticos e advogados, marcou uma espécie de "revolução" lésbica, que está sendo retomada agora.

"Assumir a identidade de lésbica é difícil na família, no trabalho, na igreja. É difícil também quando se trata de saúde", diz a economista Luiza Granado, 42, coordenadora da Rede de Informação Um Outro Olhar. Uma das líderes do movimento disse que não revela sua orientação sexual aos médicos com medo de que eles não cuidarão de sua saúde.

Não deveria ser assim. Pelos cálculos que elas mesmas fazem, 10% das mulheres são lésbicas ou bissexuais. Na região metropolitana de São Paulo, há 15 milhões de habitantes. Considerando-se que as mulheres são metade da população, seriam 750 mil mulheres fazendo parte desse grupo.

Em São Paulo, os grupos organizados não chegam a cinco. Na Parada Gay deste ano, que acontece no próximo dia 22, quando desfilarão 30 carros alegóricos, apenas três são de lésbicas. No ano passado, motociclistas do grupo Mulheres que Amam Mulheres abriram a parada. "O primeiro grupo de mulheres desfilou há três anos, numa picape. Agora já somos três trios elétricos, mas ainda é quase nada", diz Luiza Granado.

A iluminadora de teatro Neusa Maria de Jesus, 45, da Coordenadoria Especial de Lésbicas (CEL), da Associação da Parada GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros), diz que a criação de um dia do "orgulho lésbico" é uma identificação para as mulheres. "Nós queríamos um dia específico para nós", afirma. Luiza Granado diz que a nova data será incluída no calendário de eventos da cidade.

Um Outro Olhar, tel. 0/xx/11/3735-1035, Associação da Parada Gay de São Paulo, tel. 0/xx/11/3362-2361

Data de comemoração foi inspirada em protesto
DA REPORTAGEM LOCAL
O Ferro's Bar, na região central da cidade, permaneceu por décadas como ponto de referência para a comunidade lésbica, quando os proprietários do bar não permitiam a venda no seu interior de uma publicação lésbica da época.

Em um dos incidentes, a bar chegou a chamar a polícia. Como reação, integrantes do Galf convocaram políticos, militantes homossexuais e invadiram o local. O ato foi acompanhado pela mídia. Os fatos aconteceram em 19 de agosto de 1983 e a data agora, 20 anos depois, está se transformando no Dia Nacional do Orgulho Lésbico.

Na época, o jornal "Lampião da Esquina", considerada a primeira publicação homossexual do Brasil, chamou a invasão do Ferros Bar de "nosso pequeno Stonewall Inn", referência à resistência da comunidade homossexual americana à repressão policial. A data, 28 de junho, transformou-se no Dia do Orgulho LGBT, hoje comemorado em todo o mundo.

Luiza Granado disse que a semana do "19 de agosto" será comemorada por um ciclo de palestras e uma série de atividades em São Paulo e outras cidades.

Folha de S. Paulo - 25.06.03

Bar das lésbicas entra na história

Gilberto Dimenstein
Colunista da Folha
Na geografia da marginalidade paulistana, há um lugar reservado para o Ferro's Bar, bar do centro da cidade que, durante muito tempo, foi o principal ponto de encontro das lésbicas. Não raro, mulheres movidas a ciúmes e álcool produziam, naquele ambiente enfumaçado e de comida duvidosa, madrugadas memoráveis de pancadaria. De manhã, porém, tudo deveria estar arrumado para receber a clientela familiar. Até que viesse a noite e as mulheres ocupassem, com seus olhares caçadores, as mesas.

Encravado numa região de cantinas italianas freqüentadas por artistas e boêmios, o bar desapareceu, mas está prestes a virar história. Depois de participarem da organização da Parada Gay, realizada no domingo passado, movimentos de defesa de lésbicas preparam seu próprio dia de orgulho, que será comemorado no próximo 19 de agosto. "Há questões específicas, que devem ser discutidas", diz Miriam Martinho, coordenadora do grupo Um Outro Olhar.

O marco é a resistência no Ferro's Bar, onde, em 19 de agosto de 1983, foi lançado um manifesto pelos direitos das lésbicas. Dias antes do manifesto, o dono do estabelecimento chamou a polícia e proibiu as mulheres de vender ali uma publicação chamada "ChanacomChana", considerada um atentado aos bons costumes. "A proibição era um absurdo. Éramos, afinal, as principais clientes", comenta Miriam.

Desafiaram a proibição, forçaram a entrada e leram, em meio a aplausos e assovios, o manifesto. O ambiente, recorda-se Miriam, estava tenso. Muita gente tinha pavor de ser identificada, havia imprensa registrando o protesto. Desde aquele dia, o Ferro's ganhou uma clientela lésbica mais intelectualizada e politizada. E mais rica. Mas não resistiu.

Embora permaneça a discriminação, os tempos mudaram para os homossexuais da cidade de São Paulo, como mostraram os números da passeata de domingo. Excesso de bebidas, uso demasiado de drogas e prática de sexo inseguro, comportamentos tão louvados no passado pela marginalidade, são hoje condenados pelos padrões do politicamente correto. A entidade Um Outro Olhar, coordenada por Miriam, é um exemplo: sua missão é cuidar da saúde das lésbicas, a maioria delas, segundo descobriram, nem sequer fala com os médicos sobre suas preferências sexuais.

O Ferro's, onde agora funciona o bar Xingu, ganhou concorrência de lugares nos bairros de elite, com uma cozinha mais confiável e garçons respeitosos, acompanhando o movimento de abandono do centro -eram tempos em que apenas um bar atendia à clientela de mulheres homossexuais e, se alguém dissesse que 800 mil pessoas iriam a uma parada gay na aristocrática av. Paulista, seria tido por maluco.

E-mail - gdimen@uol.com.br

Intolerância religiosa - Revista da Folha

[por Vange Leonel]22.jun.1633 Galileu Galilei, temendo morrer, ajoelha-se perante um tribunal eclesiástico e renega suas convicções para escapar da morte. Seu pecado foi ter afirmado que a Terra se movia em torno do Sol e não o contrário, como pregava a Igreja. Galileu foi condenado somente à prisão domiciliar.

31.out.1992 O papa João Paulo 2º encerra os trabalhos da comissão que admite o erro cometido por seus antecessores e reabilita Galileu.
24.ago.1572 O rei Carlos 2º, da França, com a anuência do papa Gregório 13, inicia a matança de protestantes (os huguenotes). Cerca de 70 mil "hereges" são mortos. A perseguição aos seguidores de outras religiões já estava se tornando praxe: um século antes, Tomás de Torquemada, que dirigia o Tribunal de Inquisição da Espanha, havia condenado 10.220 judeus à fogueira e outros 100 mil à prisão e ao exílio, confiscando seus bens.

13.mar.2000 No documento "Purificação da Memória", João Paulo 2º pede perdão a Deus e aos homens "pelo uso da violência que alguns cometeram a serviço da verdade e pelas atitudes de desconfiança e hostilidade assumidas contra os seguidores de outras religiões". Deixa claro, porém, que o erro não foi cometido pela Igreja, mas pelos filhos que a integravam.

30.mai.1431 Joana D'Arc é condenada por um tribunal eclesiástico e queimada na fogueira como apóstata, herege e bruxa.

16.mai.1920 Joana D'Arc é santificada pelo papa Benedito 15.

31.jul.2003 O papa João Paulo 2º lança uma campanha mundial contra a legalização das uniões homossexuais.

Eu me pergunto: já que a campanha foi lançada por alguns de seus filhos, quanto tempo vai demorar para a Igreja pedir perdão por mais esta perseguição?

Dia 19 de agosto é o Dia Nacional do Orgulho Lésbico, marcando 20 anos de nosso "Stonewall", quando um grupo de lésbicas foi retirado de um bar, à força, pela polícia.

e-mail: vangeleonel@uol.com.br

FOLHA DE SÃO PAULO
19/08/03
COTIDIANO
SAÚDE
O Dia Nacional do Orgulho Lésbico, comemorado hoje pela primeira vez no país, começa com uma perspectiva importante: o Ministério da Saúde está acenando com uma política pública de atendimento diferenciado para a mulher lésbica.

"Assim como há atenção para homem e mulher, a lésbica precisa de cuidado diferenciado", diz Luiza Granado, 42, da Rede de Informação Um Outro Olhar.

Segundo uma pesquisa da ONG, 60% das lésbicas disseram não revelar aos ginecologistas sua orientação sexual. Um número igualmente grande delas também não informava sua prática sexual ao terapeuta.

O Dia Nacional do Orgulho Lésbico começa hoje com a história do movimento, um sarau literário e a benção da Wicca, deusa que dá força à mulher.

No dia 23, às 16h, haverá a oficina Um Toque de Orgulho, estratégias de auto-aceitação, com a psicóloga Graciela Barbero. No dia 30, às 19h30, um debate com as especialistas Sílvia Pimentel, sobre direitos na união lésbica, a teóloga Yury Puello e Iza Paula Hamouche, do Ministério da Saúde. Os eventos serão na Ação Educativa, r. Gen. Jardim, 660, centro de São Paulo.

O dia 19 lembra a data, 20 anos atrás, em que o Grupo de Ação Lésbica Feminista invadiu o Ferros Bar em protesto pela proibição da venda, no local, do boletim da associação. (AURELIANO BIANCARELLI, DA REPORTAGEM LOCAL)  

PEQUENA IMPRENSA (FEMINISTA E LGBT)
Boletim das Católicas pelo Direito de Decidir - 24/06/03

Mulheres que amam mulheres participam da Parada

O que mais emocionou Luiza Granado, coordenadora da Rede de Informação Um Outro Olhar, foi olhar para baixo do trio elétrico e ver os policiais militares fazendo a escolta dos carros, entre as Avenidas do Estado (local onde ficam estacionados os trios elétricos) e Paulista (início de percurso da Parada Gay). “Eles não nos prendem mais como há 20 anos, agora nos protegem”, afirma Luiza. A coordenadora da ONG lésbica, que atua na capital paulista, se referia ao dia 19 de agosto de 1983 quando policiais e pessoas do movimento lésbico entraram em confronto no Ferro’s Bar, local de encontro GLS no centro de São Paulo.

“As coisas mudaram nesse tempo, nós fomos à luta”, afirma Luiza. Quase 20 anos depois, as mulheres que amam mulheres estavam lá na Avenida Paulista na Parada do Orgulho Gay participando de uma festa juntamente com quase um milhão de pessoas.

Mas, o movimento lésbico ainda é tímido, ele contou apenas com apenas três dos 21 trios. De acordo com Luiza, as mulheres ainda são muito escondidas, tímidas. “Elas têm medo do preconceito, medo da imprensa.”

Para reverter esse quadro, a coordenadora destaca a importância de Instituições e ONGs lésbicas, que promovem seminários, palestras para conscientizar as pessoas a respeito do tema. “Precisamos discutir, saber quem somos nós”.

Em 19 de agosto será comemorado o “dia do orgulho lésbico” e a Rede Um Outro Olhar vai promover uma série de atividades na cidade de São Paulo.

Mais informações pelo telefone 11 3735 1035 ou e-mail uoo@umoutroolhar.com.br

Entrevista - Site Resolvido GLBT

O orgulho lésbico comemorado dia a dia

06/10/2003 Este é o principal recado com que a ativista Míriam Martinho, encerrou entrevista concedida ao Resolvido, na qual destacou a importância dos eventos homossexuais que, este ano, tomaram as agendas, não só da própria comunidade GLBT brasileira, como da mídia nacional. Referência obrigatória quando o tema são as lutas pelos direitos homossexuais no Brasil, a tradutora e editora da revista Um Outro Olhar coleciona atuações no movimento lésbico desde 1979, quando integrou o pioneiro grupo homossexual SOMOS-SP.

De lá para cá, Míriam Martinho fundou três organizações de mulheres homossexuais nas décadas de 70,80 e 90 - o Grupo Lésbico-Feminista, a Ação Lésbica-Feminista e a atual Rede de Informação Um Outro Olhar - organizou eventos nacionais sobre o tema e representou o Brasil em encontros e paradas na Europa e América Latina. Nesta entrevista ao Resolvido, ela ressaltou a crescente visibilidade que as questões sobre a homossexualidade das mulheres vêm adquirindo nos dias atuais, mas alertou para a necessidade de "canalizar melhor as reinvidicações" pelos direitos lésbicos. Leia a íntegra abaixo:

Resolvido - Agosto deste ano, foi o mês escolhido para celebrar o Orgulho Lésbico. Em sua avaliação, os objetivos destas comemorações foram alcançados?

Miriam Martinho - O dia 19 de agosto - Dia Nacional do Orgulho Lésbico colocou as lésbicas na pauta da grande, da média e da pequena imprensa (incluindo a mídia LGBT). Nunca se teve tanta visibilidade. As comemorações que incluíram o próprio dia 19, o dia 23 e o dia 30 de agosto foram bem sucedidas, embora modestas, porque tivemos apenas um mês para organizar tudo. Houve um consenso entre quem organizou e quem participou sobre a importância de eventos como esse. Foi um marco político, inclusive trazendo a reboque uma outra data de celebração lésbica que mofava no calendário do descaso há sete anos.

Resolvido - Em junho o movimento GLBT ganhou muita visibilidade no Brasil, com a Parada do Orgulho Gay, onde aparentemente os homossexuais masculinos eram maioria. Como anda em sua avaliação o movimento ativista voltado às mulheres homossexuais?

Miriam Martinho - Bom, a Parada não é um evento da militância LGBT e sim um evento da população LGBT. A maioria das pessoas que vai a esse evento não é ativista, mas se sente atraída por ele. Muita gente diz que a Parada é apenas um Carnaval fora de hora, mas eu não vejo assim. É uma das maiores manifestações populares que temos e, apesar do caráter festivo, tem um aspecto político sim que precisa apenas ser melhor canalizado para as reivindicações dos direitos homossexuais. Para as mulheres, têm sido particularmente positiva, pois permite os primeiros passos na arte de assumir-se sem maiores traumas. Aliás, a presença feminina tem sido cada vez maior.

Resolvido - Estes eventos colaboram de fato para eliminar discriminação no dia a dia dos homossexuais? Existe, mesmo entre a comunidade GLBT, quem questione ou classifique tais acontecimentos como oba-oba para a mídia - no cotidiano quem participa dos eventos volta pra dentro do armário e continua enfrentando dificuldades. O que voce diria sobre esta visão?

Miriam Martinho - Bom, o Dia Internacional do Orgulho LGBT, o dia 28 de junho, e o Dia Nacional do Orgulho Lésbico, o dia 19 de agosto, aparentados em essência, por seu caráter de luta contra o preconceito e sua repercussão na mídia, têm um poder simbólico que vai além das páginas dos jornais. Na verdade, a mídia funciona como multiplicadora dessas histórias de luta que são importantes como alento, inclusive no embate cotidiano que as mulheres lésbicas têm que travar contra o preconceito e a discriminação. Estamos na era da informação: considerar a visibilidade dos eventos comemorativos LGBT como simples oba-oba é cegueira política. Agora, evidentemente, são as mulheres que têm que ir à luta, sob a inspiração desses eventos. Eles sozinhos não vão produzir milagres.

Resolvido - Quais são hoje os principais pontos na batalha pelo fim da discriminação das lésbicas brasileiras?

Miriam Martinho - Interessa às lésbicas tanto as reivindicações de igualdade de direitos entre os sexos, entre homens e mulheres, quanto as reivindicações de igualdade entre héteros e homossexuais (união estável, adoção e custódia de crianças, pensões, direito à inseminação artificial). De bem específico, poderíamos citar as questões relativas à saúde lésbica, onde há a necessidade de um treinamento dos agentes de saúde (médicos, enfermeiras, hospitais...) para um atendimento minimamente satisfatório dessa população.

Resolvido - Como está a interação entre o movimento lésbico e o movimento feminista por conquistas para as mulheres em geral?

Miriam Martinho - O Movimento Feminista continua existindo sim, em todo o mundo, apenas se tornou mais institucionalizado, mais formal. Sua relação com a questão lésbica sempre foi espinhosa e mesmo contraditória, mas hoje em dia está bem melhor. Hoje o Movimento Feminista politiza a questão lésbica publicamente, tem dado mais espaço para as lésbicas em suas plataformas e publicações, mas ainda há bastante o que fazer.

Resolvido - Lesbianismo abordado em novelas das oito; Vaticano condenando homossexualidade; Estados Unidos (onde homossexuais obtiveram suas maiores conquistas) governado por conservadores. Um passo à frente, outro para trás? É isso mesmo?

Miriam Martinho - Quanto maior a visibilidade da questão homossexual na imprensa, quanto maiores os avanços dos direitos homossexuais em geral, mais os setores conservadores se sentem alarmados e partem para ofensivas mais pesadas. O documento do Vaticano é um exemplo disso, mas é bom lembrar que nem mesmo na própria Igreja Católica ele é consensual. Muitos católicos o consideram um absurdo. Então, creio que essa guerra de valores vai continuar e pode mesmo se acirrar, porém, mesmo com revezes, com idas e vindas, acredito que devem continuar ocorrendo vitórias pelos direitos LGBT. Gostaria de dizer a suas leitoras e seus leitores que nós agora temos um dia específico para comemorar o nosso orgulho, que é o dia 19 de agosto, mas que todos os dias são dias para se sentir orgulho de ser quem se é, de amar outra mulher.

MUITO ALÉM DE CLARAS E RAFAELAS

Oi Gente,
Hoje é 19 de agosto, DIA NACIONAL DO ORGULHO LÉSBICO.

Não dava pra deixar passar essa data em branco.
O dia, aqui na Serra, tá meio frio, mas o céu está lindo, há sol e eu vi Marte imperando na madrugada. Será que tudo isso é pra comemorar o dia de hoje?

Não sei, pode ser. Mas, estou fazendo a minha comemoração de forma especial: envio pras meninas do meu catálogo essa foto que tem muito a ver com esse dia.
A foto é de uma mulher (Cássia Eller) que tem muito peito pra mostrar – em todos os sentidos!

Ela sintetiza pra mim todas as outras mulheres, que estão muito além de Claras e Rafaelas; que não moram no Leblon, mas muitas vezes escondem-se nas quebradas das periferias das cidades e até do país.

São tantas outras mulheres que pegam ônibus, trem, andam a pé, brigam, choram, amam, criam seus filhos, são expulsas de casa, trabalham, fazem biscates, bebem e cheiram, apanham, batem, sofrem, amam.
A todas as mulheres que – por milhões de motivos – não podem dizer que amam outras mulheres; a todas essas mulheres que dizem em alto e bom som que amam outras mulheres; a todas essas mulheres que são mães; a todas essas mulheres que são filhas; a todas essas mulheres que AMAM OUTRAS MULHERES este é o NOSSO DIA, como todos os outros também são.

Um beijo, Graca

Graça - Rio de Janeiro – Brasil (Graça Portela faz o clipping Planeta Arco-Íris)       

Dia Nacional do Orgulho Lésbico15/08/03 GLSPLANET.COM

Entrevista com Míriam Martinho, uma das pioneiras do manifesto do Ferro´s Bar, que aconteceu no dia 19 de agosto, há 20 anos, data que inspirou a criação do Dia Nacional do Orgulho Lésbico.

- Você estava lá na manifestação contra a discriminação do Ferro´s bar. Como tudo aconteceu?
Míriam Martinho: O Ferro's foi durante décadas um ponto de encontro das mulheres lésbicas de todo o pais, não só de São Paulo. Todo mundo que vinha visitar a paulicéia desvairada, passava por lá. Apesar de sustentado pelas lésbicas, contudo, os donos do bar faziam restrições em relação às demonstrações de afeto entre as mulheres, por mais simples que fossem, e não queriam que vendêssemos o boletim do grupo, ao qual eu pertencia na época, o Grupo Ação Lésbica Feminista, no interior do estabelecimento. Outras coisas, contudo, eram vendidas livremente.

Quando tentávamos vender o boletim, vinha sempre alguém nos "convidar" para sair. Como insistíssemos, o clima foi ficando mais pesado. Primeiro, foi um segurança e um dos donos do bar que nos mandaram sair, já ameaçando partir para a agressão física. Houve empurra-empurra, puxões... Depois, a polícia foi chamada, e, numa primeira vez, apenas conversou conosco, aceitou nossos argumentos, e nos deixou em paz. Da segunda vez, acho que insuflados pelos donos do bar, não foram tão diplomáticos: nos escoltaram até à rua como se fôssemos criminosas. Então, organizamos uma manifestação em frente ao Ferro's, em articulação com outros grupos, abrimos a porta do bar, que estava guardada por um segurança, após muita conversa, fizemos um discurso contra o preconceito e a discriminação, já dentro do recinto, e obtivemos a promessa dos donos de não mais nos reprimirem. Foi uma grande vitória sobretudo para a época.

- Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, Dia Nacional do Orgulho Lésbico, você não acha que seria melhor unir as datas para ampliar o movimento?
Míriam Martinho: Primeiro vamos aclarar as denominações. O 19 de agosto é o Dia Nacional do Orgulho Lésbico em comemoração aos 20 anos da manifestação do Ferro's bar. O dia da visibilidade a que você se refere nunca foi chamado de nacional antes de termos lançado o dia nacional do orgulho lésbico. Parece que a gente lançou moda. Segundo, acho que datas nascem sobretudo de coerência política e ideológica. A primeira manifestação de visibilidade lésbica ocorrida no Brasil, e visibilidade significa dar-se a conhecer à sociedade heterossexual em algum nível, foi a manifestação do dia 19 de agosto. Foi uma manifestação de coragem, orgulho e visibilidade semelhante a de Stonewall, guardadas às devidas proporções. Portanto, o 19 de agosto congrega tanto o orgulho quanto à visibilidade das lésbicas. É uma data histórica.

- Na época, "partidos de fora" como as feministas e os grupos gays aderiram ao movimento. Hoje ainda existe esta divisão entre lésbicas, gays e feministas?
Míriam Martinho: Bem, a organização lésbica brasileira nasceu no bojo do Movimento LGBT (na época chamado apenas de Homossexual) e depois é que entrou em contato com o Movimento Feminista. O Movimento Feminista, ao contrário do que ocorre hoje, era totalmente refratário à politização da questão lésbica na década de 80.

O apoio de feministas à manifestação do Ferro's foi uma exceção à regra. Os gays apoiaram a manifestação do 19 de agosto como já haviam apoiado outras atividades lésbicas daquele período. Nós inclusive dividíamos uma sede com um grupo gay muito legal. Hoje, acho que os gays são mais voltados para suas questões, e as feministas estão mais abertas à questão lésbica.

Mas não creio que exista uma divisão propriamente. Acho que feministas e gays estão em movimentos que não abordam só a questão lésbica, mas várias questões. Então, cabe às lésbicas ampliarem seus espaços dentro desses movimentos ou conseguirem "caixas de ressonância" para suas reivindicações dentro dos mesmos.

- Como uma das pioneiras do movimento lésbico em Sampa como vê hoje a evolução da sociedade brasileira em relação à lésbica?
Míriam Martinho: Bom, apenas nos situando, sou uma das fundadoras do movimento lésbico no Brasil. De fato, sou carioca de nascimento, paulistana de coração e filha de nordestinos. Bairrismos, portanto, não são comigo. Iniciei minha militância em 1979, quando entrei no Somos (a primeira organização homossexual do país) e fui a única ativista a permanecer trabalhando ininterruptamente com a questão daquela época até hoje. Quanto à sociedade brasileira, esta vem se tornando mais aberta em relação à questão homossexual em geral, e isso se reflete numa maior tolerância quanto às relações entre mulheres também, embora ainda de forma incipiente. O casal de adolescentes da novela das 8:00 da Globo reflete bem isso. Observa-se uma tendência a mantê-las juntas (por enquanto não foram implodidas, como as parceiras de Torre de Babel), mas ainda não se tem certeza se haverá final feliz. As últimas declarações do Vaticano, tão anacrônicas, podem se refletir negativamente no trato da questão homossexual no Brasil, pois somos um país católico, mas não acredito em retrocesso, pois a tendência é de aceitação dos direitos homossexuais em todo o mundo.

- Em que o Dia da Lésbica pode acrescentar às conquistas, mesmo sendo um dia somente no ano?
Míriam Martinho: Bom, o dia nacional do orgulho lésbico é emblemático da situação que a maioria das lésbicas enfrenta em seu cotidiano ainda hoje, onde sustentamos tantas coisas e até pessoas e temos direito a tão pouco ou nada. E o 19 de agosto também é um símbolo da solução para esse problema. Naquela data, enfrentamos os nossos medos, não deixamos mais que nos humilhassem e nos explorassem, exigimos nossos direitos e saímos vitoriosas. O 19 de agosto, portanto, é uma inspiração para todos os dias do ano, pois constantemente enfrentamos situações que nos exigem coragem e ousadia contra o preconceito e a discriminação.

- O que você acha que falta às lésbicas para poderem se impor na sociedade?
Míriam Martinho: Exatamente orgulho. Não há porque envergonhar-se de amar outra mulher. Construímos esta nação como todas as demais pessoas, e temos direito aos direitos mínimos de cidadania que todos têm. Direito a amar, a constituir uma família, um patrimônio, a ter filhos e ter tudo isso garantido como as pessoas heterossexuais têm. Agora, ninguém dá nada de mão beijada: é preciso auto-aceitar-se e ir à luta.

- O que acha da visibilidade lésbica nas matérias divulgadas nos veículos de comunicação?
Míriam Martinho: Vem crescendo continuamente, e isso é bom porque permite uma identificação das mulheres lésbicas com personagens positivas, muitas vezes mulheres como elas que, com naturalidade, falam de suas vidas com outras mulheres, também identificação com artistas e mesmo personagens fictícias que servem como exemplos a seguir. O poder dos símbolos é muito grande. Felizmente, cada vez mais a grande imprensa aborda as questões lésbicas de forma positiva, ficando mais por conta da imprensa marrom a manutenção do enfoque baixaria. De qualquer forma, é preciso estar de olho na imprensa e não permitir abusos

As comemorações do Dia Nacional do Orgulho Lésbico começam dia 19, terça-feira,com palestras, sarau musical e coquetel em São Paulo. Participem

Local: Ação Educativa, Rua General Jardim, 660

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