Sumário Perfil Míriam Martinho Histórico do lançamento do dia do orgulho e apresentação do material deste resgate. Memória 19/08/83: Panfleto “Pra você que frequenta o Ferro’s” Memória 19/08/83: texto Democracia também para lésbicas: uma luta no Ferro’s Bar A Manifestação do Ferro’s em fotos: nota de esclarecimento. Memória 19/08/83: A Manifestação do Ferro’s em fotos. Memória 19/08/83: A noite em que as lésbicas invadiram seu próprio bar. Memória 19/08/83: Panfleto A democracia depende de nós Memória 19/08/83: Moção nº 248/83, apoio da Câmara Municipal de São Paulo Rosely Roth - (21/08/59.-28/08/90) Onde foi parar o Movimento Lésbico Internacional? O surgimento das teorias de gênero e a homossexualidade virando atração por gêneros Movimento Lésbico Internacional parou nas teorias de gênero, mas não se deu por vencido. Onde foi parar o Movimento Lésbico no Brasil (breve histórico). Lançamento do Dia do Orgulho Lésbico e da Caminhada Lésbica em texto e fotos 2003: Um divisor de águas para pior: as matrioskas da cooptação. Movimento Lésbico internacional não se deu por vencido. E o do Brasil? |
Imagens de
Míriam Martinho nos três grupos dos quais foi cofundadora: Grupo
Lésbico-Feminista (LF), |
Míriam Martinho
*Nota: A Um Outro Olhar encerrou suas atividades presenciais em 2009, mas foi mantida virtualmente através de sua página na Internet e da digitalização da documentação de seu acervo.
Figura 3: Neusa Maria e Luiza Granado |
Desde agosto de 2003, o dia 19 de
agosto foi lembrado com diferentes tipos de atividades sociais, culturais e
políticas. Em 2009, tendo em vista também o marco de 30 anos do início da
organização lésbica no Brasil (1979- 2009), decidi celebrar o dia com um relato
que resgatava, com fotos e registros originais de época, aquele momento, e um
vídeo sobre o evento. Para tal, reproduzi:
2. A matéria posterior à manifestação, elaborada pela jornalista Vanda Frias, integrante do GALF, que faz um bom resumo de todo o acontecido;
3. Outro panfleto do GALF também distribuído no Ferro’s em agradecimento a todas as pessoas que colaboraram com o sucesso da manifestação.
4. A moção de repúdio aos donos do bar, pelas ações discriminatórias, e de apoio às integrantes do GALF, feita pela Câmara Municipal de São Paulo em 19 de março de 1984.
5. Fotos do evento, algumas doadas pelo fotógrafo Ovídio Vieira da Folha de São Paulo ao GALF, outras liberadas pela FSP para o livreto.
6. Resgatei também um pequeno histórico da trajetória de Rosely Roth e de suas atividades em prol dos direitos das lésbicas brasileiras.
Nesta edição, publico também a
matéria do jornalista Carlos Brickman sobre a manifestação e resgato fotos e resumos dos eventos realizados para marcar a passagem do dia 19 além de
uma atualização sobre a trajetória do movimento de lésbicas nacional e
internacional até os dias de hoje.
Míriam Martinho
São Paulo, 19 de junho de 2022
Por Vanda Frias O dia 19 de agosto é muito especial para o Grupo Ação Lésbica-Feminista (GALF) e para as lésbicas que frequentam o Ferro’s — antigo e velho bar situado quase no Bexiga, bairro dos mais badalados da noite de Sampa. O frio que baixa na cidade não impede que o "happening” político organizado pelo GALF seja um sucesso. Por volta das nove da noite, as militantes do grupo e mais alguns companheiros do Outra Coisa Ação Homossexualista, formado por homens, continuam a distribuir na frente do famoso bar um panfleto denunciando as agressões que o GALF vinha sofrendo há meses, quando tentava vender seu boletim ChanacomChana dentro do Ferro’s. Um pouco mais tarde, começam a "invadir" o bar figuras um tanto estranhas para suas fiéis frequentadoras: mulheres "diferentes", rapazes de barba e lindos paletós de couro (desses que a gente costuma ver nas manifestações tradicionais da esquerda), bichas finérrimas. Dentro, a maior confusão. Como sempre acontece no Ferro’s, há poucas mesas para suas frequentadoras, que são obrigadas a se espremer nos estreitos espaços livres, à espera de que a sorte lhes premie com um lugar. Num dia especial, então, os garçons são obrigados a fazer verdadeiros malabarismos para chegar com suas bandejas sãs e salvas até a mesa que fez o pedido. Mas não e só isso. O atarracado porteiro - sempre tão agressivo com as militantes do GALF -segura firme a porta fechada para garantir que nenhuma dessas “perigosas” mulheres invada tão imaculado recinto. À medida que se aproxima o histórico momento, a força estranha que já havia invadido o bar explode aos gritos de: "entra", “entra", "entra”. Numa das mesas, a vereadora Irede Cardoso (do PT) discursa aos berros sobre a luta pelas liberdades democráticas inclusive para as lésbicas. Chega a hora: entre os flashes dos fotógrafos, as militantes do GALF - e outras pessoas que ainda estão para fora — forçam a porta do bar, que o porteiro, agora ajudado por outros defensores da “paz e da ordem”, segura como pode. O inesperado — ou mais uma artimanha de um dos alegres rapazes da banda — precipita tudo. O boné do porteiro é arrancado e jogado longe. Enquanto ele busca tão importante signo de seu poder, duas mulheres puxam-no para o lado oposto. Aproveitando-se desse inusitado embate, as lésbicas do GALF entram. Uma delas, Rosely, sobe imediatamente sobre uma cadeira e começa a denunciar as atitudes autoritárias do bar. LÉSBICAS EM BUSCA DE UMA ENTRADA O que Rosely denuncia começara há quase dois meses. Todos os sábados, quando íamos vender o boletim ChanacomChana no Ferro’s éramos agredidas pelo porteiro — com ameaças ou com puxões de braço para que nos retirássemos. Até que no dia 23 de julho último, a barra pesou mais: um dos donos do bar, seu segurança e seu porteiro tentaram concretizar a expulsão, através de agressões físicas. Enquanto nos puxavam para o lado de fora, parte das lésbicas — que compram o boletim e conversam com as moçoilas do GALF - nos segurava lá dentro. Belo corpo-a-corpo: dos que tem a força da ordem e da lei contra as que ganharam no dia a dia uma força física e interior para poder viver numa sociedade onde a regra é ser heterossexual. Quem foge desse padrão é pervertida (o), louca (o), imatura (o) sexualmente e definitivamente não merece compartilhar das benesses desse paraíso terrestre. Alegando que nós estávamos fazendo "arruaça” dentro de tão comportado ambiente, o dono chamou a polícia. Os policiais chegaram, ouviram as argumentações do dono, as nossas, as das lésbicas não militantes que nos apoiam. E estranhamente um deles respondeu que, como deviam ser imparciais, pois os direitos são para todos os brasileiros, não tomariam qualquer atitude contra nós. Puxaram o carro e pudemos jantar em meio às outras lésbicas, como sempre fazemos. Há também dias — ainda raríssimos — que são da caça e não do caçador. Foi uma vitória. Depois dela muitas discussões no GALF. Já estávamos cheias de sermos agredidas injustamente e pensávamos que o incidente podia se repetir mais vezes, talvez com mais apoio da polícia. Não queríamos ficar na defensiva. Precisávamos reconquistar nosso direito de vender o ChanacomChana no Ferro’s. Não só vendê-lo, mas conversar com as lésbicas dos mais distintos estratos sociais e vivências pessoais. Não somos e não queremos ser elite ou vanguarda. A militância política de esquerda sempre foi reprimida. Mas sempre compensada pela certeza de se estar lutando por um mundo melhor e de se estar fazendo história. Mas as (os) militantes da esquerda não enfrentam, no seu dia a dia, as dificuldades das lésbicas e das feministas mesmo quando heterossexuais. São olhadas com certo deboche e feridas com agressões verbais por estarem numa luta menor, num combate não-prioritário. Boa parte da esquerda ainda nos olha dessa forma. Mas não poderia ser de outro jeito numa sociedade falocrata, onde as mulheres nunca tiveram direitos, só deveres-- e quantos. É lógico que, quando algumas buscam resgatar seu passado, para que o presente e o futuro sejam diferentes, sejam vistas como as feiticeiras queimadas na Idade Média por estarem à frente de seu tempo. Processo semelhante acontece com os negros em sociedades racistas como a Brasileira. Ou com os índios, que eram muitas nações nesse Brasil antes da invasão do branco colonizador. E que foram— e ainda são — gradualmente confinados em regiões desabitadas (guetos?). Nessa terra de Vera Cruz que já foi só deles. São as chamadas "minorias", mais uma palavra que esconde o verdadeiro nome: grupos oprimidos. Nós do GALF queremos ajudar a romper com essa história. Por isso, resolvemos reconquistar o Ferro’s com a ajuda de homens homossexuais, mulheres feministas, ativistas dos direitos civis e militantes ou políticos dos partidos de oposição mais identificados com as lutas das minorias.
Por sermos um grupo autônomo, o GALF é aberto às lésbicas dos mais diferentes horizontes políticos. Ao contrário de alguns outros grupos feministas, o GALF não aceita a chamada dupla militância: isto é, batalhar dentro de um grupo e, ao mesmo tempo, dentro de um partido político. Pensamos que a dupla militância foi um dos principais fatores de enfraquecimento dos grupos feministas dos últimos anos particularmente com as eleições de 1982. Isso não impede que busquemos ótimas relações com os partidos de oposição — PMDB, PT e PDT — pois nossas lutas se cruzam em alguns pontos essenciais, como é o caso da luta pelas liberdades democráticas. Por isso, fizemos questão de convidar, para o happening político do Ferro’s, a deputada Ruth Escobar (PMDB), a vereadora Irede Cardoso (PT), o deputado federal Eduardo Suplicy (PT) e a bancada do PT na Assembleia Legislativa através de carta endereçada ao líder de sua bancada, Marco Aurélio Ribeiro. Como apoio na área legal, convidamos a advogada Zulaiê Cobra Ribeiro (representante da Ordem dos Advogados do Brasil e da Comissão de Direitos Humanos). Batalhamos na organização do "happening” do 19 de agosto durante quase um mês, enquanto distribuíamos no gueto um panfleto denunciando a atitude do Ferro’s, que não é isolada. Com a reconquista do Ferro’s, buscávamos também lutar pelo legítimo direito de circular livremente em todos os locais. RESGATE DE UMA HISTÓRIA Ao contrário de outras ocasiões, quando nos sentíamos acossadas, nós - as militantes do GALF — tomamos a ofensiva naquela sexta-feira. Rosely fez discursos em várias cadeiras. É bom deixar claro que ela não é e não quer ser líder do grupo, pois lutamos contra a hierarquia e o poder; algumas militantes do grupo ainda lutam contra o medo de se exporem publicamente. A interiorização do medo e da repressão é um dos motivos que impedem o grupo de crescer quantitativamente. Porque qualitativamente ele vem avançando desde seu surgimento, em 1979. Os discursos de Rosely se intercalam com gritos de parte das lésbicas e de nossas(os) companheiras(os) de luta para que o dono apareça. A ordem dentro do bar é sempre garantida pelos garçons, pelo porteiro e pelo segurança, em troca do salário mensal e da sobrevivência. Dos lucros, ele e seu sócio sabem fazer bom proveito. Por fim, a voz do dono. Cercado por jornalistas, lésbicas não-militantes ou do GALF e pela vereadora Irede, o dono é obrigado a discutir suas atitudes — uma prática democrática a qual parece não estar muito acostumado. Afinal, vivemos no Brasil. As militantes do GALF conversam com o dono e conseguem que ele declare diante delas, da imprensa e de outras companheiras (os), que o grupo poderá divulgar seu boletim dentro do bar sustentado pelas lésbicas. Findo o episódio, Irede dá um viva a democracia. Qual democracia? Para nós, do GALF, sua definição transparece na complementação que Rosely faz à Irede: “ele só voltou atrás por causa da nossa força, da nossa união. A democracia neste bar só depende de nós”. Por acreditar nessa democracia, sem lideranças, sem vanguardas e sem elites, é que continuamos a lutar para que todas as lésbicas se expressem e lutem por seus direitos. À maneira de cada uma. Acreditando em nossa autonomia individual, mesmo que participando dos mais diversos grupos. A repercussão do “happening” político do Ferro’s abriu espaços sociais para o GALF em dois sentidos. Entre as lésbicas, muitas vieram participar do grupo. As que ainda não querem militar já leem nosso boletim com outros olhos e discutem mais conosco. Sabemos que a libertação individual é um processo a longo prazo. Sabemos, também, que, na história, a militância sempre foi um gesto de muito poucos e dentro de espaços delimitados - por exemplo, os partidos políticos. Neste final de século XX, grupos e pessoas dos mais diversos países querem modificar isso. A militância pela democracia não se restringe aos trabalhadores, seus sindicatos e seus partidos políticos, mas se estende ao cotidiano: às ruas, aos bares, às escolas, ao trabalho, às camas, aos jardins, aos mercados. Em suma, ao dia a dia mais "corriqueiro e banal" de todas(os) cidadãs(ãos). É assim que esperamos ir construindo a verdadeira democracia e o verdadeiro socialismo. Sem todas as hierarquias e poderes que sufocam há milhares de anos, desde a pré-história, a existência, a alegria e o prazer dos seres humanos. Nessa luta em constante movimento e transformação, as lésbicas têm um papel importante a desempenhar. Desde Safo - poetisa grega que fez alguns dos mais lindos versos de amor pelas mulheres e que, vivendo na ilha de Lesbos deu origem a palavra com qual orgulhosamente nos denominamos - as lésbicas não tiveram voz e foram oprimidas. O resgate dessa história, dos versos perdidos em livros malditos, dos beijos que nunca puderam ser dados à luz do dia, do amor que nunca pode ser declarado à amiga com medo de perdê-la para sempre. Tudo isso e muito mais faz hoje nossa alegria de viver e de lutar. Fonte: publicado originalmente no boletim ChanacomChana 4, setembro de 1983, p. 1-4.
Algumas das fotos abaixo foram doadas pelo fotógrafo Ovídio Vieira ao GALF e depois integradas ao Acervo da Um Outro Olhar. Outras foram obtidas junto à Folha Imagem. Obrigatório citar os créditos das fotos e seu link para este trabalho. |
Míriam Martinho e Rosely Roth barradas pelo porteiro. GALF e Outra Coisa conversam com frequentadoras do Ferro's |
Início da "invasão". Na segunda foto, identifica-se a feminista Regina Stella de presilha no cabelo. |
por Carlos Brickman
Rosely Roth no início da manifestação. À esquerda da foto, a feminista Míriam Botassi. |
Panfleto distribuído no Ferro's após o dia 19 |
Moção de repúdio da vereadora Irede Cardoso contra os donos do Ferro's |
Rosely Roth (à
direita) entrevistando Cassandra Rios e Irede Cardoso no Ferro’s. Acima Ubiratan
da Costa e Silva |
Carta do Grupo Deusa Terra indicando Rosely ao prêmio Felipa de Sousa |
Rosely Roth – Notícias Populares,
|
Textos para o fanzine ChanacomChana
ChanacomChana (CCC) 2: A Queda Para o Alto. Resenha do livro de Sandra Mara Herzer, p. 4, 1983
CCC 3: Depoimento Pessoal, p. 8, 1983
CCC 4: Autonomia, p. 5, 1983
CCC 5: Desarmamento Nuclear, p.9, 1984
CCC 7: Família, p.4, 1985
CCC 8: Lésbicas X Censura, p. 7, 1985
CCC 9: Homossexualidade na Constituinte, p. 16, 1985
CCC 10: Homossexualidade nas Leis, p. 8, 1986
CCC 11: VIII Encontro Nacional Feminista, p. 1. 1986
CCC 12: Balanço das Eleições, p.16.
OUTRO OLHAR 1: VERA, pág. 1. 1987
Texto de reflexão para GALF: O Lesbianismo enquanto Postura Política (1985)
Trabalhos não publicados
A constituição da identidade de um grupo de mulheres lésbicas-feministas.
A identidade da mulher.
Papéis de gênero e a questão das identidades.
Contribuições de Lévi-Strauss e de Pierre Castres para se pensar a questão dos papéis de gênero. Vivências lésbicas (tese sobre vivências lésbicas em bares e boates)
Entrevistas e textos para jornais
O Sexo do Brasil, resenha do livro História e Sexualidade no Brasil, para o jornal Mulherio, n.30, julho de 1987.
Entrevista ao Pasquim, Lesbianismo é um estilo de vida mais criativo (27.11.85).
Entrevista à Club dos Homens, n.17.
Depoimento: Desenrusta-se! Para Big Men Internacional (1984).
Adotar filhos, desafio para os homossexuais. Folha de São Paulo (02/6/85).
Homossexuais disfarçam na hora de adotar. Notícias Populares (4/06/85).
Lesbianismo na TV: polêmica aumenta. Folha de São Paulo, 01/06/86.
Depoimento, para o Jornal da Tarde, sobre a expulsão do GALF, efetuada pelo grupo Centro Informação Mulher (CIM), da sede que ambos os grupos dividiam no bairro da luz, São Paulo. 24/12/84.
Só Tabu. Folha da Tarde, 1987.
Televisão
Dois programas da apresentadora de TV, Hebe Camargo, sobre homossexualidade feminina em 25/05/85 e 29/04/86; Em Julgamento, Bandeirantes, Homossexualismo É Doença? (s.d.); Programa Blota Júnior, TV Bandeirantes, Homossexualidade X Constituinte (03/86)
Onde foi parar o Movimento Lésbico Internacional?
Gay Liberation Front- NCY LGBT Historic Sites Project |
Produzido pelo DOB de 1956 a 1972 |
Entretanto, excessos críticos dessas
correntes quanto ao heterossexo e ao sexo lésbico que incluísse uma suposta
reprodução das relações heteropatriarcais levou ao surgimento de acirrado
debate nos EUA sobre a sexualidade feminina, durante a década de 80, que ficou
conhecido como “Sex
Wars” (Guerras Sexuais). Reclamando que essas correntes faziam um patrulhamento
da própria sexualidade lésbica, sobre a qual recaísse suspeitas de reproduzir
as relações heteropatriarcais, lésbicas que vieram a ser chamadas de “pró-sexo”
(feministas hétero e bissexuais também fizeram parte dessa turma), como as
sadomasoquistas e as butch-femme (par bofinho-lady), passaram a
reivindicar que era possível ser feminista e gostar de sexo, entendendo que a
sexualidade era o terreno do lúdico, da fantasia, não cabendo projeções
literais da realidade da dominação homem-mulher no território das brincadeiras
sexuais. No fim dessas guerras sexuais, quem as observava com mais
distanciamento, porém, percebeu que os supostos lados opostos estavam usando
argumentos muito parecidos um contra o outro e, no fundo, ambos desejavam
estabelecer receitas de como as mulheres deveriam se relacionar erótica e afetivamente.
Com o término das chamadas
guerras sexuais, a partir da década de noventa, as lésbicas iniciam uma nova
fase de aparente autonomia em relação ao feminismo, voltando a interagir
mais com os gays, no movimento homossexual (agora já o da sopa de letrinhas
GLBT), bem como com outras minorias sexuais. Surgem inúmeras identidades
representativas das diversas subculturas da população de mulheres homoafetivas.
Essa multiplicidade de identidades (lipstick
lesbians, gay, sapatas, butch-femme, dykes, queer, entre outras)
será peça-chave na visibilização das lésbicas perante a sociedade somada ao
avanço dos direitos homossexuais em geral e o interesse da mídia do período pela
lesbianidade.
Dessa crescente visibilidade dos
anos 90 que inclusive adentra a primeira década do século XXI, surgem as
dyke marches (em 1993), também nos EUA, que se espalharam não só
local como internacionalmente, sites específicos, filmes, o seriado Xena: A
Princesa Guerreira (set. 95- jun. 2001), com seu famoso subtexto lésbico,
publicações e editoras lésbicas (revistas, livros), outros seriados lésbicos, a
série The L Word (jan. 2004 – mar. 2009), lutas na justiça por
assumir direitos parentais, a maternidade conjunta dos filhos, por
reprodução assistida, os estudos lésbicos nas universidades, etc. Sobre estes,
nas universidades dos países desenvolvidos dos anos 90, à parte dos estudos feministas,
LGBT e queer, emergem inúmeras teses e livros analisando as vivências lésbicas,
de distintas perspectivas ideológicas, em seus diferentes aspectos sociais,
étnicos, históricos e políticos. Aqui, no Brasil, esses estudos estavam apenas
começando a se delinear.
O surgimento das teorias de gênero e
a homossexualidade virando atração por gêneros
Compreendemos orientação
sexual como uma referência à capacidade de cada pessoa de ter uma profunda
atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do
mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e
sexuais com essas pessoas.
Aqui vale fazer uma breve linha do tempo do termo
gênero até se chegar aos Princípios de Yogyakarta. Em termos contemporâneos, “gênero”
foi um termo emprestado da gramática pelo psicólogo e sexólogo neozelandês John
Money, em meados dos anos 50, a fim de caracterizar comportamentos que
considerava mais apropriados para pessoas do sexo feminino ou masculino. Ele
trabalhava com intersexuais. Posteriormente, Robert Stoller, um
psiquiatra americano, empresta o termo “gênero” de Money e cunha a expressão “identidade
de gênero” que aparece em seu livro Sex
and Gender (Sexo e Gênero) de1968. Stoller pesquisava sobre
homossexualidade, transexualidade e intersexualidade.
Em termos de movimentos sociais, atribui-se o termo transgênero ao crossdresser Virginia Prince em 1969, embora alguns o considerem apenas seu popularizador, a paternidade da palavra cabendo de fato ao psiquiatra John F. Olivan em 1965. Como transgêneros, Prince definia membros de um movimento de homens heterossexuais que se travestiam, nos anos 60 e 70, em oposição aos transexuais. Prince criou a revista Transvestia (1960) e várias organizações para crossdressers, como a Foundation for Full Personality Expression (FPE), também nos anos 60 e 70. Aliás, gays e transexuais não eram admitidos nessa organização. Prince também publicou livros sobre crossdressing, como The Transvestite and His Wife (O travesti e sua esposa,1967) and How To Be a Woman Though Male (Como ser uma mulher embora macho, 1971).[2]
Também na década de 70, no
exterior, feministas passaram a usar o termo gênero em oposição à sexo, sendo
“gênero” uma série de convenções sociais sobre o que é ser homem e mulher,
aglutinados nos estereótipos feminino e masculino, e sexo, nossa realidade biológica,
material. No Brasil, ainda na década de
80, continuávamos falando de sexo e papéis sexuais. Só a partir da década de
90, começa-se a usar o termo gênero, papéis de gênero, mas dentro da
perspectiva já apontada de gênero como construção social e sexo como realidade
biológica. A partir da década de 90, a teoria queer vai adotar o termo gênero aí já no sentido de performance que dá
suposta existência a uma abstração. Gênero se torna real na medida em que é representado.
Também aparecem as ideias de sexo como construção social e de palavras capazes
de mudar e definir a realidade que rotulam. Apesar da posição aparentemente
construtivista, teóricos queer acabaram contribuindo para a renaturalização dos
estereótipos de gênero.
Por fim, as pessoas que redigiram a primeira carta de
direitos de gênero, em 1990, foram dois crossdressers, casados, com filhos, Joann
Roberts e Phyllis Frye.[3]
O documento foi chamado primeiramente de Bill of Gender Rights, depois
de International Bill of Gender Rights (Carta Internacional de direitos
de Gênero). Frye, um advogado casado com uma mulher, por três décadas, fundou
também, em 1992, a International Conference on Transgender Law and
Employment Policy (Conferência Internacional sobre Direito Transgênero e
Política de Emprego). Essa carta, por sua vez, vai influenciar a introdução da
expressão “identidade de gênero”, já misturada com a questão da orientação
sexual, nos Princípios de Yogyakarta, como já citado.
O problema dessa definição de
orientação sexual, como aparece nos Princípios de Yogyakarta, como “atração afetiva
ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de
um gênero” é que, para começar, se trata de algo paradoxal. Orientação
sexual - como o nome já diz - é para qual sexo nosso desejo se dirige, não para
qual gênero. Entre pessoas homossexuais, gays e lésbicas, gênero aparece como no máximo preferência sexual, um termo meio
em desuso hoje em dia, mas que significa o que se prefere fazer na cama com
aquele tipo de pessoa por quem se tem tesão. Há lésbicas que preferem mulheres
que fazem o gênero mais feminino, outras preferem as que fazem o gênero mais
masculino, outras preferem as que fazem o gênero andrógino, outras nem dão
importância a modelitos e agem na base do que vier eu traço desde que venha num
corpo do sexo feminino. Gays também têm preferências sexuais por homens que
fazem vários diferentes gêneros desde que também venham num corpo do sexo
masculino (são famosas as várias subculturas gays: bombados, ursos, pocs...).
Porque a homossexualidade é uma variante da sexualidade humana não uma performance
de gênero.
Por isso, a crescente
substituição da palavra sexo por gênero, que cresce neste século XXI em
particular, vai criar inevitáveis problemas para os movimentos cuja luta sempre
foi baseada em sexo, não em gênero, como o movimento feminista e o de gays e
lésbicas. A opressão das mulheres é baseada em seu sexo não em representações
de gênero. Mulheres sempre tiveram suas vidas definidas e limitadas por serem
do sexo feminino, não do gênero feminino. Ao contrário, o gênero feminino,
aquele conjunto de convenções sociais sobre ser mulher que a sociedade
patriarcal impõe às mulheres, é exatamente um dos principais instrumentos de adestramento
para a submissão das mulheres e para seu controle social.
[1] WILTON, TAMSIN. Disobeying “mother feminism” – A
history of divisions. In: Lesbian Studies, Setting An Agenda.
Kentucky (USA): ROUTLEDGE, 1995, p. 95
[2] Jeffreys, Sheila. Gender Hurts: A Feminist Analysis of
the Politics of Transgenderism (p. 26). Taylor and Francis. Edição do Kindle.
[3] Jeffreys, Sheila. Gender Hurts: A Feminist Analysis of
the Politics of Transgenderism (p. 143). Taylor
and Francis. Edição do Kindle.
No caso do movimento de gays e lésbicas, sua luta sempre foi pelo direito à livre expressão das relações erótico-afetivas entre pessoas de mesmo sexo, não do mesmo gênero, pela livre orientação sexual, pelo fim da limitação da sexualidade humana ao heterossexo para fins reprodutivos. Em outras palavras, sempre foi contra a heterossexualidade obrigatória, importante componente dos estereótipos de gênero.
Na prática, essa substituição de
sexo por gênero resultou, para as mulheres, na invasão de seus espaços
exclusivos (banheiros, vestiários, centros de acolhimento de mulheres
violentadas, esportes, aplicativos de encontros etc.) por homens que se reivindicam
mulheres, pois reproduzem o estereótipo de gênero feminino. Resultou também na constante
invisibilização das mulheres da linguagem, reduzidas a “pessoas com vagina”,
“pessoas com útero”, “pessoas que menstruam”, “pessoas que dão à luz”, “pessoas
que amamentam”. Enquanto os ideólogos da identidade de gênero, em particular o
movimento transgênero, querem a fórceps que todos aceitem suas ditas identidades
de gênero, negam e usurpam a identidade sexual da maior parte da população
humana. A escritora J. K. Rowling,
autora da saga Harry Potter, entrou na mira dos transativistas por ter
ironizado a expressão “pessoas que menstruam”. Disse ela em um tuíte: “-Tenho certeza de que havia uma
palavra para essas pessoas. Me ajudem: mulhen, mulund, mumud?” Mulheres (e
homens também) que têm discordado das premissas dos ideólogos de gênero
acabaram por perder até empregos por acusação de transfobia, havendo atualmente
um início
de reversão desse quadro.
Para gays e lésbicas, a
substituição de sexo por gênero resultou em acusações de transfobia pelo
simples fato de serem homossexuais e recusarem se relacionar com pessoas do
sexo oposto. Não transar com pessoas do sexo oposto significaria que o gay ou a
lésbica é genitalista, como se nossos genitais não fossem parte indissociável
de nossos corpos e pepecas e bilaus pudessem ser guardados na gaveta dos
armários de acordo com as conveniências. Significa que, inclusive no movimento
que gays e lésbicas criaram para combater a heterossexualidade obrigatória, uma
nova espécie
de cura gay travestida de progressismo vem rolando quase sem disputa.
As lésbicas têm sido particularmente vitimadas por essa cultura transgenerista.
Primeiro porque as que se identificam com o combo de convenções do gênero
masculino vêm sendo convencidas de que de fato são homens trans e não simplesmente
mulheres masculinas, fanchas, sapatonas, caminhoneiras. Jovens lésbicas têm
sido submetidas a bloqueadores de puberdade e sofrido mastectomias e
histerectomias em idade tão precoce quanto 13 anos. Outras lésbicas vêm sendo
induzidas a se relacionarem com pessoas do sexo masculino pois estas seriam “de
fato” mulheres por reproduzirem o estereótipo de gênero feminino. Lésbicas que
não querem se relacionar com o sexo oposto ao seu são rotuladas de
genitalistas, como já dito, bucetistas, “racistas
sexuais”, e naturalmente transfóbicas por não
considerarem seres humanos do sexo masculino que se reivindicam mulheres como
potenciais parcerias sexuais.
Então, o Movimento Lésbico
internacional parou nas teorias de gênero, mas não se deu por vencido.
Allison Bailey processou a sociedade de advogados Garden Court e o grupo Stonewall que a acusaram de transfobia por ser crítica de gênero. |
Também gays e lésbicas, saturados de ver sua orientação sexual desrespeitada, passaram a se organizar em grupos LGB, como as “LGB Alliance” (Aliança LGB), destinadas a promover os direitos de lésbicas, gay e bissexuais com base em orientação sexual não em gênero. Por fim, como essas teorias interferem, a bem da verdade, na vida de todos, surgiu também o movimento crítico de gênero (gender critical movement) que abrange mulheres e homens de todas as orientações sexuais e identidades (inclusive trans críticos do transativismo), de idades e perspectivas políticas diferenciadas que acreditam em biologia e se opõem à medicalização de crianças e ao apagamento de mulheres e de gays e lésbicas. Embora incipientes, essas movimentações já começam a dar frutos como, por exemplo, em alguns locais, a proibição da participação masculina em esportes femininos. As entidades internacionais de esportes como natação e rúgbi decidiram limitar a participação de trans em jogos de mulheres. Também mulheres críticas de gênero como Maya Forstater e Alisson Bailey, cofundadora da LGB Alliance UK, ganharam os processos contra seus empregadores que as discriminaram por suas ideias. E a clínica para transição de gênero de crianças e adolescentes, Tavistock, foi fechada por ser considerada insegura para as pacientes.
Mesmo no âmbito acadêmico, aí
dentro do contexto mais amplo de crítica ao que se chama atualmente de esquerda
identitária e às suas polícias do pensamento e políticas do cancelamento, vozes
divergentes começaram a se insurgir contra as demandas dos outrora libertários,
hoje autoritários movimentos sociais. Cito, como exemplo, o ensaio
recém-lançado da historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco, intitulado Eu
Soberano – Um Ensaio sobre as Derivas Identitárias, onde a autora
questiona a política do cancelamento, o revisionismo histórico e o vitimismo do
ativismo atual. Sobre gênero, ela afirma em entrevista ao Estadão:
“...outra
motivação para o ensaio é mostrar que houve passos para trás com várias dessas
derivas identitárias. A questão do gênero foi revolucionária ao introduzir a
noção de que ele é uma construção social e psíquica e não apenas uma diferença
anatômica de sexo, mas houve uma guinada no sentido contrário quando se
passou a negar o sexo em detrimento do gênero. Ambos, sexo e gênero, são
necessários.”
[1] No
original: O comunismo é uma espécie de alfaiate que quando a
roupa não fica boa faz alterações no cliente
Em suma, ficou claro para feministas (de verdade) e ativistas gays e lésbicas conscientes de que a existência por si só de mulheres e pessoas homossexuais é considerada transfóbica, concluindo-se, portanto, que só deixando de existir, ao menos no terreno da linguagem, essa população escaparia de semelhante rótulo. Só que deixar de existir no terreno da linguagem implica deixar de existir como sujeito de direitos, perder as conquistas legais que lhe permitiram ter uma vidinha um pouco melhor. Daí que, a não ser por algum desejo de morte, não há como não se opor a essas teorias de gênero nos termos hoje colocados. Outrossim, é perfeitamente possível respeitar o desejo de pessoas adultas, maiores e vacinadas de passar a vida representando os estereótipos de gênero atribuídos ao sexo oposto ao seu, se assim o desejarem. Conservadores também têm seu direito ao sol, desde que não queiram impor seus dogmas sobre os outros. Por dever de reciprocidade, portanto, essas pessoas precisam também respeitar as identidades baseadas em sexo que fundamentam a psicologia da maioria da humanidade. Se querem respeito por identidades de gênero têm que respeitar as identidades sexuais, as autoidentificações dos outros, os espaços dos outros, o que não vem acontecendo. Cada maluco com sua mania desde que cada um no seu quadrado.
Onde foi parar o Movimento Lésbico no Brasil?
A organização lésbica no Brasil
seguiu uma trajetória análoga a dos grupos no exterior: primeiro as lésbicas se
insurgiram contra a homofobia junto com os homens homossexuais em 1979, com o
coletivo do grupo
lésbico-feminista (maio de 1979 – jun. de 1981). Depois buscaram encontrar
no movimento feminista espaço para suas questões também como mulheres, deparando-se,
contudo, com ferrenho heterossexismo. Rapidamente, o coletivo do grupo
lésbico-feminista é absorvido pelo feminismo de então que pregava a
invisibilidade lésbica, migrando em boa parte para o grupo SOS Mulher, ironicamente
destinado a combater a violência contra as mulheres. Segundo integrante deste
grupo, ele tinha o propósito explícito de dissolver as categorias homossexual e
heterossexual, por serem limitadoras das potencialidades dos indivíduos, da
fluidez da sexualidade humana, reduzindo a lesbianidade à opção sexual. Em
outras palavras, despolitizando-a. Quer dizer, tudo bem que as pessoas soubessem
que havia lésbicas no MF desde que não lutassem por seus direitos.
Ativistas lésbicas em congresso feminista protestando contra a invisibilidade lésbica. NYC LGBT Historic Sites Project |
O
segundo coletivo lésbico da década de 80, o Grupo Ação Lésbica Feminista (out.
1981- mar. 1990), que nasce dos escombros do anterior, nunca engoliu essa
política de invisibilidade, reagindo mais como suas colegas gringas, e
promoveu, em abril de 1982, no Sindicato dos Jornalistas, em São Paulo, um happening
com máscaras. Entrou com três de suas integrantes mascaradas, no auditório onde
o grupo SOS Mulher discutia violência contra a mulher, leu e distribuiu o panfleto
sobre
violência, de minha autoria (texto integral aqui), que termina dizendo:
Queremos propor que o movimento feminista não reproduza o
discurso politiqueiro machista das lutas gerais contra as lutas específicas e
que todas as questões referentes a todas as mulheres sejam igualmente
prioritárias.
Igualmente prioritárias mesmo porque a mulher homossexual
também é negra, a mulher homossexual também é dona-de-casa, a mulher homossexual
também é prostituta, a mulher homossexual também é operária, a mulher
homossexual também está na periferia e calar a respeito dessas múltiplas
opressões também nos torna cúmplices da violência".
O GALF, contudo, não conseguiu alterar a política de invisibilização lésbica do MF durante a década de 80 porque era um grupo pequeno e sem apoio das feministas homossexuais que, em sua maioria, entraram no armário feminista simplesmente. Aliás, algumas ex-LF viraram cães de guarda da despolitização. Umas poucas feministas até achavam que era sim importante se falar de “lesbianismo” no movimento, mas elas próprias não tinham coragem para tal e ficavam puxando as integrantes do GALF pela camiseta para abordar aquela questão difícil. Brincar de lésbica radical só em Paris (très chic). Em geral, todas eram contrárias a interações com os gays porque seriam “sexistas, machistas, misóginos”, opinião que mudaria na década de 90 alimentada pelo combustível dos financiamentos governamentais para os grupos de gays e lésbicas que começaram a surgir em particular a partir de 1995.
Por outro lado, o Movimento Homossexual que começara alvissareiro em seus primeiros anos (79-80), inicia um recesso já em meados de 81 e vai declinando até 1985. Exatamente quando termina a ditadura militar, o refluxo do movimento atinge o pico e os grupos de gays e lésbicas passam a poder ser contados nos dedos de uma mão. A discussão bizantina sobre a identidade homossexual como questionável (porque categorizava os seres humanos em hétero, homo, bi e, portanto, cerceava a sexualidade humana) vai se juntar à chegada da AIDS para deixar o movimento esvaziado e desprestigiado, o que significava também com pouco poder de pressão para maiores conquistas. Mesmo assim elas existiram.
O GALF passou a década de 80 como
cavaleiro solitário da luta pela visibilidade lésbica, já que foram poucas e
muito efêmeras as tentativas de formação de grupos e publicações lésbicas da
década.[1]
Manteve-se graças à publicação dos boletins ChanacomChana e Um Outro Olhar, que
permitiam o intercâmbio com lésbicas de todo o país e do estrangeiro, e aos
contatos com o exterior onde um movimento lésbico começava a florescer. Sem
interlocutores no Brasil, por causa do heterocentrismo do MF e da pauta
estritamente reformista do MHB sobrevivente que limitava as discussões, o GALF
vai acompanhar os debates internacionais sobre a questão lésbica, o que lhe
garantiu estar décadas à frente de seu tempo em nosso país. Questões abordadas
no CCC e UOO só começaram a entrar nas discussões dos movimentos feminista e de
gays e lésbicas na primeira década do século XXI, praticamente três décadas
depois de sua existência.
O GALF terminou em função do
esgotamento de seu ciclo de ativismo junto ao Movimento Feminista. Ficou claro
para suas integrantes o quanto era contraproducente levar as lésbicas para o
feminismo e, ao mesmo tempo incentivá-las a sair do armário, quando o próprio
Movimento Feminista impunha a despolitização das vivências lésbicas
empurrando-as para o terreno do privado, da chamada “opção sexual”. Nada
incomum, no período de existência do GALF e até na década de noventa, encontrar
grupos feministas formados majoritariamente por lésbicas, mas exclusivamente
referentes às questões das mulheres heterossexuais e a resolução dos problemas
dessas mulheres em seus relacionamentos com homens. Não havia mais por que manter um grupo lésbico-feminista nesse contexto.
Em seu tempo de vida, o GALF foi
pioneiro na visibilidade lésbica no Brasil seja pela minha produção dos
boletins ChanacomChana e Um Outro Olhar seja por manifestações públicas como a
da “invasão” do Ferro’s Bar, organizada por suas integrantes em agosto de 1983,
seja pelas aparições na mídia escrita e
televisiva onde Rosely Roth se destacou de forma pioneira.
Anos 90
[1] Grupo Lésbico Feminista (LF), Grupo Ação Lésbica Feminista (GALF), Grupo Terra Maria Opção Lésbica (SP), Imaricumás (RJ), Grupo Libertário Homossexual (BA), Grupo Terceira Dimensão (RS), Grupo Gaúcho de Lésbicas Feministas (RJ). Publicações: Chanacomchana tabloide (LF); Boletim Chanacomchana e Um Outro Olhar (GALF), Imaricumás (Iamaricumás); Amazonas (Grupo Libertário Homossexual); Xerereca (Rita Colaço).
[2] As ativistas lésbicas que organizaram o VII EBLHO foram Luiza Granado e Míriam Martinho (pela Um Outro Olhar), Célia Miliauskas e Cristina Matsubara (pelo Deusa Terra) e Monica Pita (independente).
Passeata após o VII Encontro de Gays e Lésbicas em 1995 - ABGLT |
Em 1995, durante o VIII Encontro
de Gays e Lésbicas, ocorrido em Curitiba, a Um Outro Olhar se tornou sócia-fundadora
da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT-1995), comigo
assumindo o cargo de secretária-geral. Apesar de tumultuado por picuinhas
políticas, o encontro terminou com uma colorida passeata pelas ruas de Curitiba
no que foi a primeira manifestação de rua do movimento desde o início dos anos
80. Ver relato em Revista
Um Outro Olhar, 22, p.10.
Em 1997, a Um Outro Olhar também
realizou o IX Encontro de Gays, Lésbicas e Travestis, no centro de São
Paulo, um evento financiado pelo Ministério da Saúde e a Secretaria de Estado
da Saúde de SP, mas também bastante tumultuado por petistas e grupos ligados a
ABGLT que queriam tomar o poder de um encontro onde não havia poder a ser
tomado. O Encontro ficou, por isso, com duas caras: uma solar com mesas,
painéis, oficinas, grupos de discussão muito interessantes que contrastavam com
uma outra sombria do circo armado pelo ativismo sem noção. De qualquer forma, o
evento trouxe, para São Paulo, a
primeira passeata de rua de gays e lésbicas desde 13 de junho de 1980, sendo
embrião da primeira parada GLT realizada alguns meses depois. Para ler o
relatório do encontro, clique aqui.
Mais informações sobre o evento, clique aqui.
Na década de 90, também outros
grupos e publicações lésbicas surgiram e dois agrupamentos de feministas
homossexuais igualmente se interessaram pela causa de gays e lésbicas: o Coletivo
de Feministas Lésbicas (a partir de set. 1993), e o CEDOICOM/COLERJ em 1995,
mudando sua política de não trabalhar com gays. Com a feminista Miriam Botassi,
do CIM, o CFL tentou realizar o IV Encontro de Lésbicas Feministas da América
Latina e do Caribe sem sucesso. Ver, na
revista Um Outro Olhar, 22, p. 11-12, um histórico do evento.
Em 1996, o grupo feminista CEDOICOM/COLERJ
realizou o I Seminário Nacional de Lésbicas do qual o único registro parece ter
ocorrido na revista
Um Outro Olhar n. 25, p. 5. Entre as resoluções, a aprovação do dia 29 de
agosto como Dia Nacional da Visibilidade Lésbica e moção contra a utilização
da ala feminina de hospitais por travestis. Segundo Yone Lindgren, que me
enviou informações sobre o encontro, também foi constatado que em nenhum
momento as feministas reconheciam o espaço das lésbicas, sua ausência tendo
sido notada no seminário para o qual haviam sido convidadas e disseram não
poder comparecer.
Na revista Um Outro Olhar também
registrei os dois SENALES posteriores, a saber, II SENALE (1997), Salvador/BA (UOO
27 p. 16-18), III SENALE (1998), Betim/MG (UOO
29, p. 11-12;14). Luiza Granado e Angela Gonçalves da Rede também
participaram do IV SENALE (2001), Aquiráz/CE, mas disseram não ter havido nada
significativo para registrar. De qualquer forma, deste SENALE saiu a decisão de
realizar o V SENALE em São Paulo, ao qual a Rede de Informação Um Outro Olhar
se comprometeu a apoiar na forma de divulgação ao menos. Nos meses posteriores,
contudo, até a realização do evento, a Rede não recebeu qualquer notícia ou
informação a respeito de sua organização, razão pela qual decidiu não participar
do encontro (a falta de informação foi exatamente para evitar essa participação).
Ainda no final da década de 90, o CEDICOM/COLERJ
também organizou no Rio o V Encontro de Lésbicas-Feministas
Latino-americanas e do Caribe, experiência relatada por Luiza Granado, da
Rede, e Yone Lindgren, do Movimento D’Ellas, na revista Um
Outro Olhar 31, p 26-39
Anos 2000
Reunião dos grupos lésbicos com a CN-DTS/AIDS, sobre saúde lésbica, em março de 2001 |
Em março de 2001 (12-13), os
grupos lésbicos existentes no início dos anos 2000, reuniram-se com a CN-DST-AIDS
para discutir a prevenção a doenças sexualmente transmissíveis entre lésbicas. Num
raro encontro tranquilo, reuniram-se representantes dos seguintes grupos: Movimento D'Ellas, Um Outro Olhar, Grupo
Lésbico da Bahia (GLB), Coletivo de Lésbicas-Feministas (CFL), Associação
Lésbica de Minas (ALÉM), Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro e Movimento de
Lésbicas de Campinas (MOLECA). Também na foto 3 representantes de grupos mistos
(Nuances, Arco-Íris e Estruturação). Redigi um breve relato do encontro no
boletim Ousar Viver, n. 14, que pode ser lido aqui.
Em junho de 2002, durante
a Conferência Nacional das Mulheres
Brasileiras, no embalo das paradas do orgulho que começaram a bombar no
Brasil, o Movimento Feminista finalmente assumiu politicamente a questão
lésbica na citada conferência 23 anos após o surgimento do Grupo Lésbico-Feminista,
primeiro coletivo lésbico brasileiro. Mesmo assim, embora a comissão
organizadora do congresso tivesse em destaque um casal de mulheres, Jacira Melo
e Marisa Sanematsu[1],
não havia referência ao papel das lésbicas na luta das mulheres, ao contrário
das mulheres negras e indígenas, na plataforma da conferência. Quem me chamou a
atenção para ausência das lésbicas no preâmbulo do citado documento foi a
ativista lésbica Vânia Galliciano que fora integrante do grupo Dignidade.
Confirmando, então, que a menção às lésbicas aparecia apenas junto à questão
geral de combate ao preconceito a gays, lésbicas, travestis e transexuais, pedi
destaque para a contribuição das lésbicas na luta das mulheres pelo direito ao
próprio corpo, pela livre orientação sexual e por outras tantas questões
correlatas onde sempre estivemos inseridas. Esse destaque foi inserido no
preâmbulo da Plataforma Feminista após as referências às mulheres negras e
indígenas. (Revista Um Outro Olhar 37, p. 17)
Registrei esse evento histórico
na revista
Um Outro Olhar número 37, p. 14-19. Nesta edição da Um Outro Olhar, também entrevistei
duas feministas homossexuais participantes do evento, Neusa Cardoso de Melo (NCM),
então Secretária Adjunta da Rede Feminista de Saúde, e Jacira Melo (JM),
da Articulação Brasileira de Mulheres, e uma das organizadoras da citada
conferência. Suas falas evidenciam que as feministas homossexuais estavam
começando, após 23 anos de existência da organização lésbica no Brasil, a
abordar a questão lésbica no Movimento Feminista.
Reproduzo texto de Neusa Cardoso de
Melo sobre o assunto:
NCM: Recentemente foi lançado o Jornal
da Rede Saúde n° 24 que tem como tema central, os direitos sexuais, onde a questão
da mulher lésbica é intensamente abordada. Entretanto, acredito ser correto
afirmar, que o movimento feminista de um modo geral tem ignorado este tema.
Contudo, com o aumento da visibilidade da mulher lésbica e da atuação de seus
movimentos este espaço vem se ampliando. Prova disto é a plataforma, retirada
na Conferência de Mulheres Brasileiras, onde as demandas das mulheres lésbicas entram
em situado de igualdade com as das outras mulheres. Entretanto, até o último
Jornal, a própria Rede Saúde se mantinha distante deste tema, o que pode ser
constatado na leitura dos "Dossiês" da Rede, onde a saúde da mulher lésbica
não é colocada (RUOO
37, p. 14).
NCM: Acredito que o movimento de
mulheres tem uma dívida histórica com as mulheres lésbicas. Tenho a convicção
de que a Rede Feminista de Saúde , por congregar tantas mulheres, é um espaço
privilegiado para o resgate desta dívida. Sempre fomos uma parcela expressiva
do movimento de mulheres, contudo, parece que ainda temos uma atitude um tanto
envergonhada. É preciso superarmos esta etapa e encontrarmos o orgulho
para colocarmos nossas questões e para que a nossa cidadania plena seja
conquistada. Neste aspecto, a visibilidade é fundamental. Por isso, é
fundamental a participação de todas as mulheres lésbicas filiadas à Rede. Da
minha parte, todas as possibilidades que eu tiver usarei para isso. Se não tiver
procurarei construi-las. Um abraço a todas (RUOO,
p. 15).
JM: Veja,
a CNMB acontece em um momento de autocrítica do feminismo com relação à luta
das mulheres lésbicas. O Jornal da Rede Feminista de Saúde dedicado ao tema dos
Direitos Sexuais - no qual respondo pela coordenação editorial - traz um
balanço crítico sobre o feminismo e o seu déficit de reflexão teórico-política
sobre os direitos sexuais, em especial os direitos das lésbicas. Nas
entrevistas e artigos, há a percepção crítica de que o feminismo não enfrenta adequadamente a questão lésbica, que não tem construído um
discurso político de defesa do lesbianismo. (RUOO,
p. 19)
Ao contrário de Neusa, Jacira,
contudo, não se vê como protagonista da mudança da invisibilidade lésbica no MF,
dizendo que:
Nesse sentido,
as organizações de lésbicas têm algo a aprender com as mulheres negras. Há mais
de uma década o movimento feminista tem convivido com a exigência, formulada
pelo movimento de mulheres negras, para que a luta contra o racismo faça parte
da agenda política do movimento feminista. A cada manifestação, seminário,
reunião esta cobrança vem sendo formulada e sustentada com reflexões criativas
e cortantes (RUOO,
p. 19).
2003 – Lançamento do Dia do Orgulho Lésbico e da Caminhada Lésbica
Fora a quinta edição do SENALE, São Paulo acolheu duas novidades lésbicas em 2003: o lançamento do dia do Orgulho Lésbico, resgatando a primeira manifestação lésbica do país, ocorrida em 19 de agosto de 1983, em seus 20 anos de existência, e a I Caminhada Lésbica de São Paulo na Av. Paulista. O Dia Nacional do Orgulho Lésbico foi lançado em debate prévio à Parada do Orgulho GLBT em 11/06/2003 pelos grupos Rede de Informação Um Outro Olhar e a Coordenadoria Especial de Lésbicas (CEL) da Associação da Parada do Orgulho GLBT. A primeira caminhada lésbica intitulada “Caminhada de Lésbicas e Simpatizantes da Cidade de São Paulo” foi organizada pelos grupos lésbicos Umas e Outras (SP) e Mo.Le.Ca (o Movimento Lésbico de Campinas) e realizada no dia 21 de junho.
Assim como, em agosto de 1983, a Folha
de São Paulo registrou a manifestação do Ferro’s, 20 anos depois voltou a
divulgar o lançamento do Dia do Orgulho Lésbico e a anunciar a festa
comemorativa da efeméride na sede da Ação Educativa no centro de São Paulo.
No próprio dia 19, foi realizada
uma manifestação artística com benção da Wicca, leitura de poesias,
exibição de vídeos e coquetel. No dia 23, a psicanalista Graciela Barbeiro organizou
a oficina Um Toque de Orgulho e no dia 30, tivemos um debate com representantes
respectivamente das Católicas pelo Direito a Decidir, do Ministério da Saúde e
do CLADEM, discutindo o que já havia sido conquistado ou estava para se
conquistar para as lésbicas na área da religião, da saúde e dos direitos
legais.
Integrantes da UOO e da CEL, Rita Moreira declamando poesias, plateia do lançamento do dia do orgulho, e debate Católicas pelo Direito a Decidir e do CLADEM - 2003 |
Peça A Cicatriz é a Flor e oficina sobre saúde lésbica para agentes de
saúde de São Paulo - 2004 |
Cantora Ana Lúcia e então vereador Carlos Giannazi autor do projeto do Dia Estadual do Orgulho Lésbico - 2004 |
Feira Mística, exposição de arte "As Deusas" da artista plástica Edilene Mora, oficinas sobre direitos e saúde - 2005 |
Oficinas de consciência corporal com psicólogas do Grupo Soll, Matilde, Fabiana e Célia, saúde e sexualidade lésbicas, com Míriam Martinho, e dança com Giovane Salmeron- 2006 |
Oficina de dança no Espaço GLS de Dança de Salão da bailarina Carla Lazazzera - 2007 |
Maratona de Uniões Estáveis - 2008 |
Encontro de confraternização pelo dia do orgulho na pousada
Porto X em Atibaia -Neste encontro também foi lançado o vídeo do dia do Orgulho- 2009 |
A Matrioska, ou matriosca, é uma boneca de madeira típica da Rússia, embora a
origem seja japonesa, acompanhada de
cópias de vários tamanhos menores com uma se encaixando dentro da outra. Ela é
associada à fertilidade feminina, a valores positivos, como amor e amizade, e à
espiritualidade. Mas eu vou pedir perdão à matriosca e usá-la para representar
algo negativo que é a cooptação e o aparelhamento.
Porque aquele ainda incipiente
movimento lésbico do início dos anos 2000 foi cooptado por várias forças alienígenas
a começar pelo movimento feminista, aquele mesmo que levou 23 anos para se
pronunciar oficialmente sobre as lésbicas, mas, de repente, virou paladino da
visibilidade lésbica. Todo o reconhecimento do não apoio do MF às lésbicas e a promessa
das feministas homossexuais de que iriam superar a vergonha e dar visibilidade à
sua questão dentro de seu próprio movimento se mostrou outra coisa. O discurso
de que o feminismo não enfrentava adequadamente a questão lésbica, que não havia construído um discurso político de
defesa do lesbianismo idem. Em vez de levar a questão dentro do movimento
feminista, elas decidiram trazer seu movimento para dentro do movimento lésbico
numa estratégia para lá de oportunista. Se ligar a uma data criada por um grupo
feminista que já havia caído de paraquedas no movimento lésbico em 1995 foi
muito conveniente. Aliás, acho que essas figuras fizeram curso de capacitação na
Aeronáutica porque cair de paraquedas em terreno alheio parece ser um hábito recorrente
da turma.
O fato é que, enquanto atacavam o
dia do orgulho lésbico, foram se infiltrando e assumindo o protagonismo de
eventos lésbicos desde então. Por exemplo, O VI SENALE, ocorrido em Recife,
em 2006, foi realizado pelo grupo feminista Curumin com apoio de outros
grupos feministas como DIVAS - Instituto em Defesa da Diversidade
Afetivo-Sexual, Centro das Mulheres do Cabo e Fórum de Mulheres de Pernambuco
(FMPE). O único grupo, nesse evento, que tinha a palavra lésbica no título foi
a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL). Também foi o último evento
exclusivamente lésbico. Depois, vieram também outras cooptações.
Os posteriores já passaram a se chamar de SENALESBI, adotando as
bissexuais, embora tenha havido mais protagonismo lésbico pelo menos nominal. No
VII, em Porto Velho (2010), nas conclusões, rolou recomendação de que o Estado
brasileiro se comprometesse formalmente com a adoção e implementação dos Princípios
de Yogyakarta (onde a homossexualidade vira atração por gênero) sobre a
Aplicação da Legislação Internacional de Direitos Humanos em relação à
Orientação Sexual e Identidade de Gênero. No VIII, em Porto Alegre (2014)
aparece resolução de garantir a participação de mulheres trans, travestis
lésbicas e bissexuais no SENALE com direito a voz e voto (Inserir o debate das
transexualidades, travestilidades, intersexualidades e do enfrentamento à
transfobia nas mesas, conferências e demais espaços do SENALE). No IX, em
Teresina, no Piauí, em 2016, já houve participação de uma travesti
bissexual. Na carta final do evento, tem de tudo:
críticas ao governo Temer, contra o capital, contra a reforma da previdência e
a trabalhista, contra o racismo, pelo estado laico, etc. Lésbicas só entram na
história num suposto pacto de lésbicas com bissexuais para organização
compartilhada dos espaços de seminários nacionais e/ou regionais que seriam o
espaço legítimo e autônomo de planejamento, articulação e deliberação dos
Movimentos de Lésbicas e Bissexuais no Brasil. No IX, de 2018,
na Bahia, mais discursos sobre a conjuntura política da época, defesa das
mulheres bissexuais e criação da rede feminista lesbitrans da Uneb como
efeito do SENALESBI.
Caminhada Lésbica 2 e 3: a segunda, sob frio e chuva, foi épica |
A caminhada lésbica (de São
Paulo) também foi um bom termômetro dos processos de cooptação e aparelhamento modelo
matrioska do mal. As primeiras edições fizeram jus ao nome de caminhadas lésbicas,
organizadas por lésbicas, com faixas e cartazes de demandas 100% lésbicas. Já na
terceira edição, porém, começaram a aparecer cartazes sobre a descriminação do
aborto. A partir da sétima edição em 2009, surgem as jornadas lésbicas-feministas
que vão até a décima-primeira edição. A décima segunda teve como organizadoras,
entre alguns grupos lésbicos, as entidades muy lésbicas Marcha Mundial de
Mulheres, Movimento Mulheres em Luta, União de Mulheres, Coletivo Ana
Montenegro. A 13ª edição da caminhada teve como tema “Nenhuma Mulher
Ficará para Trás: Todas contra o Racismo, Machismo, Bifobia, Lesbofobia e
Transfobia”. Na caminhada lésbica, as lésbicas quase ficaram para trás.
A 14ª edição foi mais lesbocentrada,
protestou contra o assassinato de Luana
Barbosa dos Reis que faleceu após ser espancada por três policiais militares na
cidade de Ribeirão Preto. Mas também foi a edição em que uma transgênera tomou
a palavra para dizer que: “Tem mulher que tem uma xoxota com um formato bem diferente
aqui e que a gente vai chupar também.”
Enfim, a boneca mater - a
organização lésbica – ainda está ali, contudo, olhando mais atentamente, vai se
constatar que está grávida de várias outras por sua vez grávidas de outras,
inclusive de uma boneca masculina. Feminismo, política partidária, esquerdismo
naftalina, racialismo e por fim o identitarismo de gênero. Há quem diga que
isso é a unidade na diversidade, daí a luta contra o “machismo, racismo e
homofobia” ter virado um clichê. De fato, não passa de uma mistura dos estereótipos “coração de mãe que sempre
cabe mais um” com “a casa da mãe Joana”, mostrando que mesmo as lésbicas
não escapam da socialização feminina para se colocar em segundo plano e agradar
aos outros a despeito de si mesmas.
Existe uma diferença enorme entre
apoio e protagonismo. Manifestações específicas não só servem para destacar
grupos geralmente pouco visíveis, como é o caso das lésbicas, como para possibilitar
seu protagonismo muitas vezes dificultado em outras instâncias. A participação
de elementos de outros movimentos só poderia se dar nessas manifestações como
apoio, nunca em nível horizontal de comissões organizadoras e de participantes
em encontros com direito a voz e voto. Lembro que se fez questão de deixar isso
claro para os gays, mas se esqueceu de dizer o mesmo a integrantes de outros
movimentos. Ao contrário de outros invasores, os vampiros só entram em sua casa
se você deixá-los entrar. Aliás, esse é o nome em português do belíssimo filme sueco
sobre vampiros chamado Deixe ela Entrar. Depois que você convida
o vampiro para entrar, ele vai sugar seu sangue até a morte ou transformá-la em
um zumbi como ele.
Para fazer manifestações estilo
“casa da mãe Joana”, vale mais a pena criar alas lésbicas bem visíveis no dia
internacional da mulher, 8 de Março, ou nas paradas do Orgulho LGBTQWERTYZ. A
descaracterização das organizações e caminhadas lésbicas ocorre em todo o mundo
hoje, sobretudo em função das ações deletérias dos ativistas de gênero. Esqueceu-se
completamente que essas caminhadas foram criadas para colocar as lésbicas em
primeiro lugar. Caso não reajam, as lésbicas correm o risco de extinção.
[1] As
referências sobre o SENALE e as Caminhadas Lésbicas foram retiradas de sites do SENALE na Internet e do texto 12 anos de Caminhada Lésbica de Mariana Meriqui Rodrigues e Bruna Andrade Irineu.
O Movimento Lésbico internacional
parou nas teorias de gênero, mas não se deu por vencido. E o brasileiro?
Observando as caminhadas e o
SENALE, impossível não constatar que a organização lésbica brasileira se rendeu
às teorias de gênero, mas não se sabe se vai reagir como suas contrapartes do
exterior. Até no recém-lançado lesbocenso tem pergunta sobre identidade de
gênero e todo aquele jargão bizarro de seus ideólogos. Vou retomar um pouco o
que já disse sobre os teóricos de gênero e os malefícios de sua substituição de
sexo por gênero para os direitos das mulheres, crianças e de gays e lésbicas, acrescentando
a minha experiência com o assunto.
Nunca tive problema algum com a
letra T porque sou libertária e sinceramente faço e ando para o que pessoas
adultas fazem de seus corpos e vidas. Quando as travestis reivindicaram a
inserção da letra T no nome do encontro de gays e lésbicas de 1995, em Curitiba,
não vi nada demais porque, à época inclusive, achava que travesti era gay que
gostava de representar o gênero feminino em tempo integral e só (vide a
saudosa Rogéria). Acreditava que eram, elas e as transexuais, até um bom exemplo
da não-naturalidade dos estereótipos de gênero, já que mostravam que um homem
podia representar o modelo de mulher vigente na sociedade de forma
convincente. No ChanacomChana
n. 6, de 1985, escrevi um texto intitulado Roberta Close: Homem ou
Mulher? onde, partindo daquela famosa frase dos comics “É um pássaro? É um
avião? Não, é o super-homem!”, eu brincava que Roberta Close era um homem,
depois que era uma mulher, depois que era um transexual, depois que era uma
Roberta Close. Já vi este texto sendo interpretado como “queer”, mas, embora
considere compreensível a confusão, esclareço que não era não. Eu apenas dizia
que, para estar de acordo com os padrões vigentes do que era (é) considerado ser
mulher, Roberta Close precisaria ser vista como mulher pela imagem estereotipada
de mulher que construiu para si. De fato, eu apontava a artificialidade do
modelo de mulher baseado no estereótipo de gênero feminino, nada inerente ao
sexo feminino como se afirmava. Como existe
muito anacronismo nas análises de publicações do passado, cabe ressaltar que não
circulava à época a teoria queer e ideias e termos sui generis como “gênero
atribuído ao nascer”, “cis” e outros bagulhos.
Na
década de 90, interessada na questão de como as religiões viam e tratavam
pessoas homossexuais, entrevistei inclusive uma mãe de santo que se dizia
transexual, para a Revista Um Outro Olhar, n. 28, p. 28, sob o título Caminhos de Pedra e Luz.
Publiquei também a pedidos um artigo de uma trans chamada Astrid Bodstein
intitulado Mulheres Transexuais que Amam outras Mulheres na ediçao 31 da Revista UOO, p. 10, de 2000. Neste
caso, acabei publicando o artigo pelo exotismo do texto: um homem que passou a
personificar uma mulher e quer se relacionar com mulheres? Muito estranho. A
ideia de homens hétero se reivindicando mulheres e afirmando que se
interessavam por mulheres era inédita. Vendo da perspectiva atual, eu estava
evidentemente pisando nos astros distraída. Vale ressaltar que, em ambos os
casos da entrevista e do artigo, quando se falava em mudança de sexo, era no
sentido da cirurgia de remodelação genital, não no da ideia de que realmente se
pudesse passar de um sexo para o outro.
E assim continuei durante os anos 2000, brincando inclusive que eu era um homem
preso no corpo de uma mulher que não queria mudar de sexo. Foi só lá por 2010,
quando entrei no Facebook, que me deparei com o jargão aí já intitulado
transgênero: disforia de gênero, gênero designado ao nascer (sic), cisgênero, etc.
De imediato uma luzinha amarela acendeu no meu semáforo libertário. Porque,
quando alguém busca definir a si mesma, quer poder sobre si mesma, quer
autodeterminação. Quando alguém ou um grupo de pessoas procura definir os
outros, quer poder sobre os outros. Não falha.
Depois
disso também me deparei com a demonização das feministas radicais, pioneiras no
questionamento das teorias do identitarismo de gênero. E sempre que alguém ou
um grupo de pessoas é demonizado, o errado da história é o demonizador. Não
falha também. Criticar faz parte do livre mercado das ideias, demonizar é o oposto.
Só pela possibilidade de comparar diferentes ideias e perspectivas é que as
pessoas enriquecem seu pensamento, ampliam suas mentes, tomam melhores
decisões. A demonização seja de quem for sempre visa destruir a livre circulação
de ideias e é típica da mentalidade autoritária ou totalitária. A essas alturas
do campeonato, a luzinha do meu semáforo passou de amarela para laranja.
Por fim, eu me deparei com a história da criança trans e aí minha ficha caiu de
vez, a luzinha do meu semáforo libertário entrou no vermelho. O identitarismo
de gênero é totalmente baseado na visão conservadora de que os estereótipos de
gênero feminino e masculino equivalem a ser mulher e homem, ainda que
paradoxalmente diga que gênero é construção social. Uma pessoa adulta passou
por todas as etapas de adestramento para se encaixar nesses estereótipos e
inclusive introjetá-los como naturais. Uma criança não. Ela é totalmente
induzida por seus pais, tutores, professores a achar que uma boneca é coisa de
menina e bola é coisa de menino. No passado recente, lutava-se para que um
garoto pudesse gostar de coisas que se convencionou chamar femininas sem
prejuízo de sua identidade sexual. Da mesma forma, uma menina que gostava de
coisas ditas masculinas era livre para vivê-las e simplesmente ser chamada de
moleca, sem prejuízo de sua identidade sexual. Hoje, retrocedendo aos anos 50, uma
criança que não se encaixe no estereótipo de gênero atribuído ao seu sexo é enquadrada no
estereótipo de gênero do sexo oposto e rotulada de criança trans, à revelia da
identidade sexual saudável que deveria desenvolver com seu corpo. Pior, na
entrada da adolescência, vai ter seu desenvolvimento natural impedido por
bloqueadores de puberdade e logo induzida a cirurgias mutilatórias
irreparáveis.
Em outras palavras, se a condição transgênero em adultos que a escolheram de livre e espontânea vontade é aceitável, na medida que adultos têm o direito a decidir sobre seus corpos para o bem e para o mal, a história da criança trans não é. De fato, não passa de abuso infantil, síndrome de Munchausen por procuração, sede de lucro acima de qualquer ética médica e outras tantas motivações escusas. Parece que baixou o Dr. Josef Mengele (célebre médico nazista que fazia experiências em crianças no campo de concentração de Auschwitz) nesse povo. No Brasil, o site No Corpo Certo reúne informações relevantes a respeito do assunto trazendo uma perspectiva bem fundamentada sobre esse tema tão importante. Outro site feminista que aborda o tema do identitarismo de gênero em geral (fala também de crianças) é o QG Feminista. As gurias do Sapataria Podcast também são uma boa referência lesbocentrada. Sobre gays críticos de gênero, vale acompanhar o Julio Marinho e seu canal no YouTube.
Comentários do
facebook onde conservadores afirmam que "natural ou espontaneamente"
|
Conservadores
empunhando bandeiras e balões rosas e azuis contra o casamento entre pessoas de
mesmo sexo |
Até mesmo a cor dos estereótipos
de gênero, rosa e azul, eles compartilham. Está presente na bandeira
transgênero e nas manifestações dos conservadores pela família, pela manutenção
da concepção de menino e menina e de homem e mulher baseada em estereótipos.
Nunca esqueço das grandes manifestações dos conservadores franceses contra a
aprovação do casamento gay, em janeiro de 2013, quando eles inundaram as ruas do
país com bandeiras e balões rosas e azuis, também combinando com a bandeira
francesa, entoando mantra análogo ao da ex-ministra da Mulher, Família e Direitos
Humanos, Damares Alves, aquele do “menino veste azul e menina veste rosa".
O fato é que não há como defender uma concepção de mulher e homem baseada em estereótipos de gênero sem ser conservador. Pintar o cabelo de azul, verde ou amarelo não esconde o fato de que há mais em comum entre conservadores e trans e queers do que sonham as vãs filosofias. Aliás, há um episódio engraçado envolvendo a travesti Rogéria, que inclusive se dizia “o” travesti, e as Tês atuais.
Em
2016, a libertária e desbocada Rogéria lançou sua picante autobiografia e pôs
fogo no parquinho trans ao afirmar coisas como:
Um
travesti precisa de inteligência e talento para saber que não é mulher de
verdade. Só tenho duas preocupações com o visual: não parecer prostituta,
nem homem vestido de mulher”.
[...]
Eu tenho o
melhor de dois mundos (risos) e ainda vou mais rápido ao banheiro, porque o
banheiro masculino não tem filas grandes como o das mulheres. Jamais seria um
transexual, porque gosto de ser Astolfo e não cortaria meu peru por nada. E
depois não existe isso de se criar uma buceta com uma operação - ou se nasce
mulher ou não”.
O transativismo respondeu dizendo que Rogéria havia ficado no mundo das cavernas das décadas de 60/70 e que precisaria estudar para entender o que estava acontecendo no mundo. Na verdade, Rogéria estava algumas décadas à frente das identitaristas de gênero que pararam nas cavernas da década de 50, antes da Revolução Sexual chutar o pau da barraca dessa história de gênero e libertar mulheres e homens para serem andróginos e felizes. De fato, o transativismo simplesmente troca os estereótipos, não os questiona, com os homens incorporando o estereótipo de gênero feminino e as mulheres, o masculino. E, apenas porque não pode de fato mudar de sexo, quer fazer de conta que ele não existe e falar nele seria ser essencialista, biologicista. Fora que posa de progressista enquanto xinga os reais progressistas de conservadores.
Nesse mesmo caminho, os ideólogos
da identidade de gênero criaram um divisor de águas no feminismo nacional e
internacional. Uma boa parte das feministas brasileiras também comprou a
falação da teórica queer Judith Butler onde mulher virou uma ficção
representacional, sexo também virou construção social, uma convenção como
gênero, e o feminismo deixou de ter a experiência corporal das mulheres como referência
porque isso seria ser essencialista (sic). A propósito de Butler, a filósofa
feminista Martha C.
Nussbaum fez um texto matador em 1999, chamado a Professora da
Paródia, A moda do Derrotismo em Judith Butler. Cito um trecho em
tradução de Eli Vieira (ver o texto original e a tradução agregados aqui):
Bem, a performance paródica não é tão ruim quando você é uma acadêmica titular poderosa em uma universidade liberal. Mas é aqui que o foco de Butler no simbólico, sua negligência orgulhosa do aspecto material da vida, se torna uma cegueira fatal. Para mulheres com fome, analfabetas, desfavorecidas, espancadas ou estupradas, não é sedutor ou libertador reencenar, mesmo que de forma paródica, as condições de fome, analfabetismo, desfavorecimento, espancamento e estupro. Essas mulheres preferem comida, escola, direito ao voto e a integridade de seus corpos. Eu não vejo razões para acreditar que elas anseiam por um retorno sadomasoquista a suas situações deploráveis. Se alguns indivíduos não conseguem viver sem a eroticidade da dominação, sua situação parece triste, mas não é da nossa conta. Só que, quando uma teórica renomada diz a mulheres em condições desesperadoras que a vida só lhes oferece a sujeição, ela provê uma mentira cruel, e uma mentira que adula o mal por lhe atribuir muito mais poder do que ele realmente tem.
De fato, a noção de sexo e sexualidade varia através do tempo e das culturas, outras culturas tendo concepções distintas das ocidentais sobre o assunto, mas isso não significa que sexo como realidade biológica seja construção social, muito menos que constatar essa realidade corresponda a uma visão essencialista. Ser essencialista de fato é acreditar na suposta relação intrínseca entre sexo e gênero e na suposta naturalidade dos estereótipos de gênero como definidores do que é ser mulher e homem. Correntes do feminismo, como o feminismo cultural, o feminismo da diferença, até caberiam nessa pecha de essencialista por acreditar que as mulheres são mais sensíveis, solidárias, compassivas, pacíficas, generosas, ecológicas, do que os homens por natureza não pela socialização patriarcal que recebem para desenvolver essas virtudes de interesse masculino. Na versão dos ideólogos de gênero, repetindo, agora essencialista é simplesmente constatar a existência das diferenças sexuais, biológicas, entre mulheres e homens, e o quanto elas continuam determinando a vida das pessoas às vezes de forma radical.
A célebre frase de Simone de Beauvoir “ninguém nasce mulher, torna-se” inclusive
passou a ser instrumentalizada pelos teóricos de gênero para dizer que uma
mulher é algo que se inventa ao sabor dos fetiches de qualquer um. Mas Beauvoir,
quando escreveu a célebre frase, estava se referindo à fêmea humana, cuja forma na
sociedade não seria definida por nenhum destino biológico, psíquico, econômico,
mas sim pelo conjunto da civilização patriarcal enquanto feminino. Em outras
palavras, ela apontava que era (é ainda) a conjuntura social que determina o
papel da mulher na sociedade em vez de cada mulher poder ser livre criadora de
si mesma.
Até a etimologia da palavra
feminista dá uma dica sobre seu real sentido. Ela se origina do francês féministe
(1837), derivada de féminisme, pelo francês antigo feminin, vinda do latim fēmina, “fêmea, mulher”. Feminista,
portanto, é quem defende a fêmea da espécie humana, a mulher, não o estereótipo
de gênero feminino reivindicado por qualquer pessoa. Mesmo porque toda a
discriminação sofrida pelas mulheres, repetindo, é baseada em seu sexo e não em uma abstração chamada gênero. Por isso, se
na segunda versão deste trabalho de 2011 sobre o 19 de agosto, eu incluía um
resumo das várias correntes feministas da época, muito em razão do cooptação da
organização lésbica pelo feminismo local, hoje eu divido o feminismo a partir
dessa linha de corte fundamental: feminismo de fato é aquele que defende os
direitos das mulheres (as fēminas), independentemente de como se rotule.
O resto perdeu o prumo e o rumo e agora acha que 2 + 2 = 5. Quem sabe um dia
reencontre os dois.
Aliás, a esquerda em geral, em
particular a chamada identitária, entrou numa espiral de irracionalidade de tal
ordem que faz até a direita mais conservadora parecer razoável. Perto da lenda
da “criança trans” e suas consequências macabras para toda uma geração de jovens,
a ideia da terra plana não passa de bobagem folclórica, algo totalmente inócuo e
bom gerador de memes. Exemplo disso é o recém-lançado documentário de um conservador
americano chamado Matt Walsh com o título “O que é uma mulher?” Ele sai
perguntando a meio mundo o que é uma mulher, entrevistando inclusive teóricos
de gênero. Sem perder a linha por um segundo, sem debochar ou agredir, com
perguntas simples e objetivas, ele expõe os teóricos de gênero ao ridículo
simplesmente deixando-os falar. Um teaser do documentário pode ser visto aqui.
[1] “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino.” A Experiência Vivida, Primeira Parte Formação, Capítulo 1, Infância, p. 9 in BEAUVOIR, S. O segundo sexo, vol. 2. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
Míriam Martinho, São Paulo, 19 de
junho de 2022
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Me sinto honradíssimo de ter sido citado no texto. Muito ogrigado mesmo. Esse é um documento histórico de suma importância. Além de lido deve ser guardado. É a história sendo contada por seus protagonistas. Parabéns, Míriam Martinho. E viva o Movimento Lésbico Brasileiro.
ResponderExcluirObrigada, Julio, pelo comentário elogioso. Seus vídeos são muito didáticos e valem a audiência. Precisamos de quem defenda os direitos de gays e lésbicas neste momento sombrio. Um abraço, https://www.youtube.com/juliomarinho
ExcluirEu me emociono com essa foto. Nesse bar , vivi grandes paixões. Logo acima era uma boate : " Último Tango ". A representante era a Flora. Uma mulher lindíssima
ResponderExcluirO Ferro's foi um bar para lésbicas de muitas gerações. Sapataria geral passou por lá pelo menos uma vez na vida.
ExcluirMirian! Que relato fantástico e detalhado! Vale cada minuto! Agradeço a citação e mais ainda você ter tomado seu tempo para escrevê-lo.
ResponderExcluirVou falar dele na nossa próxima newsletter, linkando para cá.
Receba meu abraço!
Eugênia Rodrigues
Jornalista
Porta-voz da campanha No Corpo Certo
www.nocorpocerto.com
Obrigada pela cumprimento, Eugênia. Agradeço o link em sua próxima newsletter. Sabe que admiro seu corajoso e incansável trabalho em defesa das crianças e adolescentes ameaçados pela reencarnação do Josef Mengele em forma de seita. Um abraço.
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