Um Outro Olhar
sexta-feira, 8 de julho de 2022
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Perguntar sobre práticas sexuais antes de questionar sobre contracepção
A primeira vez que fui sozinha ao ginecologista eu tinha uns 20 anos. Minha ex-parceira tinha me contado que estava com HPV e fui pedir exames. Foi muito constrangedor".
Foi assim que a arquiteta Laura de Souza, 33, narrou sua primeira experiência como uma mulher homossexual com a ginecologista. Ela, que vem de uma família conservadora e evangélica, pouco ouvia falar sobre a saúde da mulher em casa. E no consultório também não foi acolhida.
São experiências como essas que fazem com que as mulheres lésbicas ebissexuais fiquem com receio de procurar a assistência médica adequada.
A principal queixa dessas mulheres é o medo. A maioria fica sem ir em uma ginecologista 15, 20 anos", diz Patrícia Carvalho, ginecologista e obstetra que atende no Núcleo de Medicina Afetiva, em São Paulo, voltado para o acolhimento da população de mulheres que fazem sexo com mulheres.
A diferença do atendimento tem que estar na estratégia de acolhimento", diz a ginecologista Mariana Vizza, fundadora da Casa Irene, centro de cuidado ginecológico com autonomia e respeito, em São Paulo.
O que eu preciso saber é como é a vida sexual de cada um, independente de sua sexualidade. O médico precisa ser neutro, não importa o tipo de penetração", completa. Segundo ela, seja isso feito com um pênis, mão, língua, vibrador, o exame de papanicolau sempre será necessário.
Para Carla Cristina Marques, especialista em medicina de família e médica no ambulatório de saúde da mulher do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde de São Paulo, é sempre importante fazer questionamentos a paciente sem que haja julgamentos frente às suas escolhas.
Para poder proporcionar um cuidado integral à saúde da pessoa, avaliar questões de saúde mental relacionadas à lesbofobia e orientar adequadamente quanto à necessidade de exames", diz.
Um estudo feito pelo Women's Health Issues Jornal comparou as chances de irmãs, uma lésbica e outra heterossexual de ter câncer no seio. Foram entrevistadas mulheres de mais de 40 anos no estado da Califórnia e concluiu que mulheres bissexuais e lésbicas têm mais chances de desenvolver diversos tipos de cânceres, entre eles nos seios e o ovário, provavelmente por irem menos ao médico. Outro estudo recente da Sociedade Americana de Câncer concluiu o mesmo.
Isso provavelmente está relacionado às barreiras que enfrentam para acessar os serviços de saúde", explica Carla.
Sexualidade ainda é um tabu
Laura deixou de ir aos médicos porque chegou a ouvir em um consultório que ela tinha que "dar uma chance para os meninos", já que, na época, nunca tinha experimentado relações sexuais com homens.
Lembro de ter contato com a médica que era por causa da minha parceira que tinha a procurado e ela fez um discurso sobre como eu precisava ter filhos, como se minha sexualidade fosse me distanciar da maternidade. E que eu precisava dar uma chance para os meninos", disse Laura.
Na hora de pedir ajuda sobre como se proteger, ela afirma que a médica disse qualquer coisa, como se o que ela fizesse nem fosse relação sexual.
Isso fez com que Laura se afastasse dos consultórios por muitos anos.
Fiquei muito tempo sem ir por ser constrangedor. As perguntas iniciais eram sempre do mesmo jeito, presumindo que eu era heterossexual", conta. A essa altura, Laura já tinha tido relação com alguns homens, mas se relacionava majoritariamente com mulheres.
Até que encontrei um coletivo feminista e tive a primeira consulta na minha vida com alguém que não me desqualificou. Pelo contrário, foi acolhedora como outros médicos nunca foram", conta. Não à toa, ainda há muitas mulheres com vergonha de se abrir para suas relações, mesmo dentro do consultório médico.
Ainda falta capacitação para profissionais de saúde abordarem adequadamente questões de sexualidade. Escuto muitos relatos sobre indicação de pílula anticoncepcional sem que se questione quais relações aquela pessoa tem, por exemplo", diz Carla. Ela é uma das médicas que atende no coletivo onde Laura se sentiu acolhida.
A OMS recomenda que todas as consultas de rotina tenham perguntas sobre a vida sexual. E na faculdade já somos instruídos a perguntar sobre práticas sexuais antes de questionar sobre contracepção. Assim, a pergunta fica aberta e dá espaço para a mulher responder", diz Mariana.
Mesa de exames e doenças
Assim como Laura relatou em sua história no começo dessa reportagem, mulheres lésbicas e bissexuais também podem ter ISTs. Por isso, é importante a realização de exames no consultório médico. Eles não estão relacionados ao tipo de penetração, e sim, a doenças mais comum de serem desenvolvidas em mulheres. "Não tem diferença na questão do exame físico", diz Patrícia.
O cuidado só muda, mas ainda com exame, é caso a mulher nunca tenha tido nenhum tipo de penetração - não só aquela que envolve um pênis.
Tanto a mão quanto brinquedos sexuais compartilhados durante o sexo pode levar o vírus para dentro do organismo, por isso é necessário fazer sempre o Papanicolau", diz Mariana.
Carla afirma que a transmissão de HPV, clamídia, trichomonas, sífilis, gonorreia, herpes e HIV pode acontecer do contato com os fluidos, como sangue menstrual e secreção vaginal, e acessórios e também da própria mucosa vaginal ou anal quando em contato com boca, mãos e vagina da parceria. Isso sem contar que não há métodos de prevenção a doenças tão eficazes apenas para mulheres como há em uma relação heterossexual.
A orientação é fazer exames de ISTS regularmente, usar preservativo em acessórios e trocar quando outra pessoa for utilizar. É bom também manter unhas curtas, evitar contato com sangue menstrual", diz Carla.
Ela também indica a vacinação para hepatite B e HPV.
Um cuidado é não estigmatizar a relação lésbica, pois faltam estudos adequados sobre esses métodos, e colocar ainda mais barreiras para que se tenha prazer", concluí.
Clipping 'Lésbicas ficam até 20 anos sem ir ao ginecologista por medo', diz médica, por Rafaela Polo, Universa, São Paulo, 07/07/2022
Um Outro Olhar
segunda-feira, 4 de julho de 2022
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Mulheres que fazem sexo com mulheres vão menos ao ginecologista segundo pesquisa
Pesquisa realizada pela Febrasgo aponta uma queda na procura por ginecologista por parte das mulheres
O acesso à saúde tem sido um desafio para a população brasileira, sobretudo da parcela LGB. Diante disso, a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) resolveu destacar os principais pontos de atenção à saúde ginecológica de mulheres lésbicas e bissexuais.
De acordo com dados de uma pesquisa feita pela Febrasgo, 76% das mulheres (independente de sua sexualidade) realizam consultas ginecológicas anualmente.
Sexo seguro
Só que do percentual das mulheres que fazem sexo com mulheres (MSM), esse número cai para 47%, de acordo com o relatório Atenção Integral à Saúde das Mulheres Lésbicas e Bissexuais, do Ministério da Saúde (MS).
A ginecologista Lucia Alves da Silva Lara, presidente da Comissão Nacional Especializada em Sexologia da Febrasgo, aponta
que a mulher, independente da sua orientação sexual, precisa ir regularmente ao ginecologista para orientações de saúde, bem como para prevenção dos danos relacionados com comportamento sexual de risco. Ir ao ginecologista uma vez a cada ano é suficiente para que se tenham orientações e cuidados específicos para cada demanda da mulher’”.
Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs)
As ISTs podem surgir pela ação de vírus, bactérias ou protozoários -- caso da sífilis, gonorreia, HIV, HPV, hepatites, herpes, tricomonas. A falsa crença de que mulheres homo e bissexuais e homens trans estão menos propensos a infecções sexualmente transmissíveis prejudicando a prevenção de saúde dessas pessoas.
A médica da Febrasgo faz uma alerta para prevenção dessas doenças
“o contágio pode ocorrer por proximidade com pele na presença de lesões genitais, contato entre mucosa oral, anal e vaginal, contato com fluidos vaginais e com o sangue menstrual. E também pelo uso de acessórios sexuais compartilhados sem barreira de proteção, que são responsáveis pela transmissão de agentes infecciosos”.
Um Outro Olhar
quarta-feira, 17 de novembro de 2021
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Lésbicas, gays e bissexuais são mais vulneráveis a pôr a própria vida em risco - iStock
O público formado por lésbicas, gays e bissexuais tem seis vezes mais chance de cometer suicídio, de acordo com a revista científica americana Pediatrics, que ainda afirma: o risco de suicídio é 21,5% maior quando esse público convive em ambientes hostis à sua orientação sexual .
Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) conduz ampla pesquisa sobre a questão
O risco de suicídio entre lésbicas, gays e bissexuais adultos varia bastante, conforme a relação entre a identidade sexual e outros aspectos, como sexo, idade e raça/etnia, de acordo com um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH). O trabalho analisou dados de uma pesquisa de abrangência nacional com adultos dos Estados Unidos e revelou que adultos lésbicas, gays e bissexuais tiveram maior propensão a relatar pensamentos, planos e tentativas de suicídio nos últimos 12 meses em comparação com adultos heterossexuais.
Tais constatações foram publicadas no American Journal of Preventive Medicine, e apontam que a intersecção de múltiplas identidades sociais pode aumentar o risco de suicídio para alguns indivíduos lésbicas, gays e bissexuais.
Conforme declarou Rajeev Ramchand, PhD, consultor sênior em epidemiologia e prevenção de suicídio no NIMH e principal autor do estudo, os achados demonstram a importância de perguntar sobre a identidade sexual durante a coleta de dados em nível nacional e destacam a necessidade urgente de serviços de prevenção do suicídio relacionados às experiências e necessidades específicas de lésbicas, gays e adultos bissexuais de diferentes idades e raças e grupos étnicos.
Quando examinados como um grupo, adultos que se identificam como lésbicas, gays ou bissexuais têm taxas mais altas de pensamentos suicidas e tentativas em relação aos adultos heterossexuais, segundo mostraram pesquisas feitas anteriormente. No entanto, poucos estudos investigaram a variação dentro desse grupo no risco de suicídio.
Múltiplos fatores estão envolvidos no risco de suicídio
A hipótese formulada pela equipe de pesquisa foi a de que o risco de suicídio pode variar, e muito, conforme a identidade sexual, sexo, idade ou raça/etnia de uma pessoa. Para testar essa hipótese, os pesquisadores analisaram dados da Pesquisa Nacional de Uso de Drogas e Saúde (NSDUH), um estudo em nível nacional com civis adultos nos Estados Unidos.
Os pesquisadores examinaram dados de 2015, quando o estudo introduziu pela primeira vez questões sobre identidade sexual, até 2019. Os dados resultantes somaram um total de 191.954 participantes, 14.693 dos quais identificados como lésbicas, gays ou bissexuais.
Durante a pesquisa, os participantes declararam sua identidade sexual (heterossexual, lésbica ou gay, bissexual ou “não sei”) e se tiveram pensamentos suicidas, planos de suicídio ou tentativas de suicídio em algum momento nos últimos 12 meses. Esses dados foram examinados em relação a certas características individuais, como idade (18-24, 25-34, 35-64), raça/etnia (branca, negra, hispânica, outra raça/multirracial) e gsexo (homem, mulher). Também foram consideradas certas características sociodemográficas, como nível de escolaridade e situação de emprego.
Os dados da NSDUH, segundo pesquisas anteriores, mostraram que as taxas de todos os três comportamentos relacionados ao suicídio – pensamentos, planos e tentativas – eram geralmente mais altas entre lésbicas, gays e adultos bissexuais do que entre adultos heterossexuais. Depois de incluírem fatores demográficos, descobriu-se que o risco de suicídio era de três a seis vezes maior para lésbicas, gays e adultos bissexuais do que para adultos heterossexuais, em todas as faixas etárias e categorias de raça/etnia.
Entre os homens gays e bissexuais, 12% a 17% pensaram em tirar suas vidas no ano anterior, 5% haviam traçado um plano de suicídio e cerca de 2% haviam feito uma tentativa de suicídio. Entre mulheres lésbicas e mulheress, 11% a 20% tiveram pensamentos suicidas, 7% esboçaram um plano de suicídio e cerca de 3% fizeram uma tentativa de suicídio.
As informações não mostraram diferenças no risco de suicídio de acordo com a raça/etnia, entre homens gays e bissexuais. No entanto, entre as mulheres lésbicas e bissexuais, os dados indicaram que as afrodescendentes tinham menor risco de pensamentos e planos suicidas em relação às mulheres brancas.
Analisando a intersecção específica entre a identidade sexual minoritária e raça/etnia, os pesquisadores descobriram que as mulheres brancas e negras que se identificaram como bissexuais eram mais propensas a relatar pensamentos suicidas em relação às mulheres brancas e negras que se identificaram como lésbicas.
Considerando a intersecção entre identidade sexual minoritária e idade, descobriu-se que os pensamentos suicidas também eram relativamente maiores entre mulheres bissexuais no grupo de 35-64 anos, em comparação com mulheres lésbicas na mesma faixa etária.
Um grupo não uniforme em relação ao risco de suicídio
De acordo com os pesquisadores, os dados do NSDUH têm limitações, com poucas opções para os participantes relatarem seu sexo, identidade sexual e raça/etnia. Também foi colocado que os dados da NSDUH são observacionais e não fornecem evidências de qualquer efeito causal da identidade em pensamentos e comportamentos suicidas.
Juntos, esses resultados mostram claramente que lésbicas, gays e adultos bissexuais não constituem um grupo uniforme quando se trata de risco de suicídio. Em vez disso, o risco de suicídio varia consideravelmente dependendo da intersecção entre identidade sexual, idade e raça/etnia.
Fonte: National Institute of Mental Health
Como identificar o risco de suicídio em alguém?
Não existe uma receita para identificar se uma pessoa próxima da gente está pensando em tirar a própria vida. Algumas pessoas podem dar algumas pistas de que estão sofrendo, ou que têm pensado na morte, enquanto outras, não. Mas algumas atitudes merecem atenção:
Mudanças repentinas de comportamento ou personalidade (a pessoa de repente fica mais calada, passa a se isolar, ou parece mais agitada do que de costume, etc.);
Mudanças no desempenho (o jovem começa a ir mal na escola, o adulto começa a faltar ou tem queda de produtividade no trabalho, etc.);
Palavras, desenhos ou expressões que demonstram falta de esperança, pessimismo, sensações de vazio ou de culpa (isso pode se manifestar até nas redes sociais que a pessoa utiliza, com postagens de textos, imagens ou vídeos mais sombrios);
Perda de interesse em atividades que antes eram rotina (a pessoa deixa de ir à igreja, abandona a atividade física ou o hobby, etc.);
Falta de autocuidado ou mudanças na aparência (a pessoa deixa de fazer a barba ou cortar o cabelo, não toma mais banho todo dia, engorda ou emagrece, etc.);
Uso mais intenso de álcool, cigarro ou drogas;
Sinais de automutilação, como marcas de cortes ou queimaduras no corpo;
Falar com mais frequência sobre temas relacionados à morte, fazer testamento ou seguro de vida, começar a doar pertences;
Prevenção do suicídio
No Brasil, ocorrem cerca de 12 mil suicídios por ano, ou 32 a cada dia, de acordo com levantamentos mais recentes divulgados pelo Ministério da Saúde. O número vem crescendo, segundo diversas pesquisas, especialmente em certos grupos mais vulneráveis.
O CVV (Centro de Valorização da Vida) sugere que, entre o desejo de acabar com a dor e a vontade de viver, existe a possibilidade de buscar ajuda e desenvolver condições internas de lidar com o sofrimento. É por isso que falar sobre as nossas emoções é fundamental.
Estima-se que 90% dos suicídios podem ser prevenidos. Por isso, é importante perder o medo e buscar ajuda. Muitas vezes, ter com quem falar, colocar o sofrimento para fora e poder contar com um “ombro amigo” fazem toda a diferença.
O Centro de Valorização da Vida oferece apoio emocional a todas as pessoas que precisam conversar, sob total sigilo, pelo telefone 188 (ligação gratuita), ou por e-mail, chat ou chamada via internet, todos os dias, 24 horas. Você também pode buscar auxílio profissional dos CAPS (Centros de Apoio Psicossocial - SUS) e nas Unidades Básicas de Saúde (Saúde da Família, Postos e Centros de Saúde).
Clipping Lésbicas, gays, bissexuais e suicídio: um risco multifatorial, Dr. Jairo Bouer, UOL, 14/11/2021
Um Outro Olhar
quinta-feira, 16 de setembro de 2021
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A psicóloga e doutoranda Carolina de Souza está em busca de colaboradoras que possuam as seguintes características e vivências: ter idade igual a 18 anos ou mais, ter tido diagnóstico de câncer de mama ou câncer ginecológico (ovário, útero, endométrio, vulva ou vagina) e se autoidentificar como uma mulher lésbica ou ser uma mulher que se relaciona afetivamente (ou que já se relacionou) com outra mulher para participar de sua pesquisa intitulada "Itinerário terapêutico de mulheres lésbicas com câncer ginecológico na perspectiva de gênero".
Essa pesquisa, que já foi aprovada pelo Comitê de Ética da faculdade, é orientada pelo Professor Dr. Manoel Antônio dos Santos e está vinculada ao programa de pós-graduação em psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). O objetivo do trabalho é compreender as vivências de mulheres lésbicas que tiveram ou tenham algum tipo de câncer ginecológico ou câncer de mama em seus itinerários terapêuticos de busca por serviços de saúde e no curso do tratamento.
Espera-se que, após a conclusão deste estudo, a pesquisa possa contribuir para que os/as profissionais de saúde compreendam melhor as necessidades das mulheres diagnosticadas com cânceres ginecológicos, sobretudo os aspectos relacionados à diversidade sexual, o que pode potencializar a melhoria no atendimento e, consequentemente, maior adesão ao tratamento. A participação no estudo é voluntária e, portanto, a participante não é obrigada a fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades solicitadas pela pesquisadora. Caso decida não participar do estudo, ou resolver a qualquer momento sair do mesmo, não haverá nenhum problema. Todos os resultados obtidos serão usados para fins científicos a respeito da temática evidenciada, resguardando sempre o sigilo com os dados das colaboradoras.
A pesquisadora estará a sua disposição para qualquer esclarecimento que considere necessário em qualquer etapa da pesquisa através do e-mail e do telefone/WhatsApp disponibilizados abaixo. Sendo do interesse da participante, é possível agendar uma devolutiva sobre a pesquisa durante ou após o término da mesma. Se você está dentro dos requisitos e se interessa em participar ou conhece alguém que possa se interessar, por favor, entre em contato com a pesquisadora ou divulgue essa pesquisa em seus grupos.
24 de maio foi estabelecido internacionalmente como Dia Mundial da Pessoa com Esquizofrenia, dia em que o psiquiatra Philippe Pinel, empossado chefe de um sanatório de homens em Paris, contrariando o entendimento daquele tempo (1793), removeu as algemas dos pacientes que ficavam presos às paredes da instituição. Ele também abre a semana de conscientização sobre a doença. Neste período, especialistas e grupos de apoio de amigos, familiares e portadores de esquizofrenia fazem diversos eventos, agora fundamentalmente online, para trazer ao público informações sobre a enfermidade a fim de desestigmatizá-la e a seus portadores. No Brasil, apenas nos últimos 4 anos se passou a celebrar o dia, ainda de forma tímida, mas crescente.
À guisa de contribuição a essa causa, resumo um pouco do que aprendi a respeito do assunto, a partir também da vivência com uma amiga portadora do problema. A esquizofrenia é um transtorno mental grave que afeta cerca de 23 milhões de pessoas em todo o mundo e se caracteriza por um conjunto de sintomas, rotulados de positivos (ou produtivos) e de negativos. Os sintomas positivos ou produtivos são os surtos psicóticos que causam delírios, levando as pessoas a desenvolverem falsas crenças, criarem realidades paralelas, mesmo diante de provas contundentes em contrário, e produzem alucinações, levando as pessoas a ouvirem, verem ou sentirem coisas que não existem. Os sintomas negativos, quando a pessoa não está em surto, são a abulia, falta de vontade, dificuldade até de realizar simples tarefas domésticas, o embotamento afetivo e a alternância de humor, variando da ansiedade à depressão. Em casos mais graves, há inclusive perda cognitiva, de concentração e memória.
A esquizofrenia é considerada uma doença do desenvolvimento
cerebral
O cérebro de uma pessoa com o distúrbio se desenvolve com uma espécie de bug (falha) que passa a dar problema quando o processo de maturação cerebral se conclui a partir do fim da adolescência, início da fase adulta. Por isso, o aparecimento dos sintomas ocorre majoritariamente na faixa dos 20-30 anos, com prevalência, nos homens, na faixa dos 20-25 anos e, nas mulheres, na faixa dos 25 aos 30. A doença atinge mais o sexo masculino, pois, segundo algumas teses, o hormônio feminino, o estrogênio, funcionaria como uma espécie de antipsicótico natural, o que também explicaria o surgimento de sintomas psicóticos em mulheres na menopausa.
Esse bug, por sua vez, tem importante origem genética somada a fatores ambientais como problemas durante a gestação ou parto (acarretando danos ao cérebro do feto/nascituro), traumas na infância, oriundos de abusos e violência, e uso de drogas na adolescência. Pessoas com parentes portadores de esquizofrenia, em particular de primeiro grau, tem quase 15% de possibilidades de desenvolver a doença. Em gêmeos, quando um deles apresenta sintomas psicóticos, o outro tem 50% de chances de desenvolver psicose também. Usuários de drogas igualmente podem ter surtos psicóticos isolados que funcionem, no entanto, como um gatilho para o desenvolvimento da esquizofrenia. Álcool, Maconha, crack e anfetaminas (as populares bolinhas), especialmente esta última por alterar os níveis de dopamina no cérebro, produzem surtos psicóticos bem parecidos com os da esquizofrenia e podem desembocar nela.
A esquizofrenia se expressa por níveis elevados de dopamina no cérebro (sendo a dopamina a substância química que transmite mensagens entre as células via receptores em suas superfícies) e é considerada a causa dos surtos psicóticos quando desregulada. Daí os medicamentos antipsicóticos em geral funcionarem bloqueando certos receptores de dopamina, com exceção das medicações mais recentes, chamadas de segunda geração, que interferem em outras substâncias da química cerebral, como a serotonina, e agem como moduladores da dopamina em vez de bloqueadores, produzindo menos efeitos colaterais. No ano passado, pesquisadores da UNICAMP afirmaram que a doença também está relacionada a uma célula chamada oligodendrócito, responsável pela produção da bainha de mielina, uma espécie de fio condutor das informações no cérebro que, nas pessoas com esquizofrenia, fica meio desencapado, gerando perdas de dados e mau funcionamento cerebral.
O tratamento para a esquizofrenia consiste na medicação (antipsicóticos) para controle dos sintomas produtivos (os surtos), psicoterapia cognitivo-comportamental (para ajudar o paciente a saber lidar com a doença) e a arte terapia, como utilizada pela psiquiatra alagoana Nise da Silveira que abriu um canal de comunicação com seus pacientes esquizofrênicos através da pintura numa época em que pessoas com transtornos psiquiátricos mofavam em horrendos manicômios. Um outro bom filme sobre tema, como o Nise: No coração da Loucura, é o "Palavras na Parede do Banheiro", indicação de uma portadora de esquizofrenia, que está no Amazon Prime Video e no Youtube. Trata-se de um drama adolescente que pega leve com o tema, mas descreve bem os sintomas da enfermidade.
Uma boa definição da doença foi dada pelo Dr. Wagner Gattaz, médico psiquiatra e professor de psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, em entrevista ao portal do Dráuzio Varella.
A esquizofrenia é uma doença frequente e universal que incide em 1% da população. Ocorre em todos os povos, etnias e culturas. Existem estudos comparativos indicando que ela se manifesta igualmente em todas as classes socioeconômicas e nos países ricos e pobres. Isso reforça a ideia de que a esquizofrenia é uma doença própria da condição humana e independe de fatores externos. Em cada 100 mil habitantes, surgem de 30 a 50 casos novos por ano."
Sem dúvida, como causa, a origem da esquizofrenia parece realmente independer de fatores externos, o que já não acontece no que diz respeito aos tratamentos, onde as diferenças socioeconômicas e até ideológicas podem fazer toda a diferença entre uma doença crônica e uma morte anunciada. O vídeo abaixo sintetiza as informações sobre a doença de forma sensível e propositiva.
Psiquiatria versus antipsiquiatria: uma brincadeira de mau gosto à beira do precipício
Durante o período posterior à Segunda Guerra Mundial, o mundo ocidental viu surgir, ao lado de uma grande abundância material, sobretudo nos EUA, a emergência da revolução contracultural que mudou comportamentos e costumes de uma maneira radical. No cômputo geral, ela foi a revolução mais bem-sucedida das esquerdas, mudando de fato as sociedades para melhor, embora nem tudo tenha sido um mar de rosas. Em sua insurgência contra a razão tecnocrática dos impérios americano e soviético em conflito, que ameaçava o mundo com o holocausto nuclear, os contraculturais acabaram jogando o bebê junto com a água suja da bacia descambando para um irracionalismo sem peias, romantizando a marginalidade e a loucura. No bojo dessa visão neorromântica, surgiu a chamada antipsiquiatria que afirma serem as doenças mentais meras “construções sociais”, não passando de rótulos que a medicina psiquiátrica inventou para controlar e adestrar os diferentes e dissidentes da sociedade capitalista.
Como não cabe me estender sobre esse assunto complexo e polêmico neste texto, resumo que os adeptos dessa teoria tiveram o mérito de colaborar para acabar com os tenebrosos manicômios, no que ficou conhecido como luta antimanicomial. Como demérito, com base na ideia estapafúrdia da não existência das doenças mentais (sic), saíram aqui no Brasil e em outros lugares do mundo fechando também os hospitais psiquiátricos e demonizando os médicos psiquiatras. Assentados nos escritos do pai da teoria, o italiano Franco Basaglia, conhecidos como Psiquiatria Democrática, não só manicômios, mas também hospitais psiquiátricos deveriam ser substituídos por atendimentos terapêuticos através de centros comunitários, centros de convivências e tratamento ambulatorial. No Brasil, essa visão ganhou forma de lei (Lei 10.216/2001), em 2001, denominada Reforma Psiquiátrica, mas, como na prática a teoria é outra, acabou foi deixando a população de baixa renda desamparadapor não terem sido construídos substitutos a contento para os hospitais psiquiátricos fechados. Fora outros aspectos discutíveis da lei, tais como delimitar um prazo único para a internação de qualquer paciente, independente de cada caso particular.
As famílias de posses continuam a pôr seus doentes em clínicas particulares, enquanto as pobres não têm onde interná-los. Os doentes terminam nas ruas como mendigos, dormindo sob viadutos.” (Uma lei errada).
Assim como a lei da chamada "psiquiatria democrática" pretende fazer de conta que doença mental não existe e o esquizofrênico é apenas um dissidente, o hospital disfarçado expressaria o mesmo preconceito da sociedade em face da questão.
Mentiras e hipocrisia não resolvem problema algum. Doença mental não é motivo de vergonha, não pode ser estigma para ninguém, trata-se de uma enfermidade como outra qualquer. O cérebro é um órgão do corpo humano como o coração ou os rins e, por isso, pode adoecer como qualquer um deles. Porque uma de suas funções é produzir pensamentos, se passa a funcionar mal, o cara perde o controle do que pensa, ouve vozes ou sofre alucinações.” (Boas intenções não bastam)
Ninguém é a favor de manicômio ou de encerrar uma pessoa pelo resto da vida. Isso não existe há muito tempo. Mas hoje as famílias sem recursos não têm onde pôr seus filhos. Eles vão para a rua. São mendigos loucos, mendigos delirantes. Podem agredir alguém. É imprevisível o que pode acontecer. O Ministério da Saúde tem de olhar isso. O hospital-dia é uma boa coisa. Mas para o doente ir para o hospital-dia ele tem que querer ir. Quando entra em surto, é evidente que não vai querer ir para o hospital-dia. Dizer que os doentes serão encarcerados é terrorismo. (Ninguém aguenta uma pessoa delirante em casa)
Segue abaixo a entrevista do poeta.
Rosely Roth: ouçam nossas vozes
Minha leitura dos textos e da entrevista do poeta Ferreira Gullar à revista Época, em 2009, foram fundamentais para eu vir a falar abertamente, nesse mesmo ano, da vivência de minha companheira e amiga Rosely Roth com a esquizofrenia que, no caso dela, infelizmente culminou em suicídio. Aliás, até hoje, apesar dos grandes avanços no tratamento da doença, que vem permitindo cada vez mais uma vida produtiva aos portadores da enfermidade, o índice de suicídios entre os pacientes ainda é bem alto. Segundo o presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina, Antônio Geraldo da Silva, a esquizofrenia está associada com aumento de dez vezes do risco de morte por suicídio, e 50% dos pacientes esquizofrênicos podem tentar o suicídio em algum ponto do curso da doença, sendo mais comum durante os anos iniciais.
Inspirada nas falas de Gullar, discorri sobre a condição de Rosely no texto 19 de Agosto: Primeira Manifestação lesbiana contra a discriminação no Brasil dizendo o seguinte:
Como a confirmar a máxima pessoana de que morre jovem o que os deuses amam, Rosely brilhou intensamente em sua breve vida, ceifada aos trinta anos de idade pela grave enfermidade que a acometeu. Ao final de 1987, durante o IV Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe (19 e 25 de outubro), no México, Rosely passou a apresentar as alterações perceptivas, tanto auditivas quanto visuais, que caracterizam a esquizofrenia, doença que atinge jovens adultos na faixa dos 28 a 30 anos (no caso das mulheres). Fruto de um desequilíbrio químico-cerebral, de provável origem genética, a esquizofrenia, apesar dos avanços nos medicamentos de controle dos surtos, ainda hoje leva mais de 10% de suas vítimas ao suicídio, inclusive porque a acompanham períodos de intensa apatia e depressão. Após 2 anos e meio lutando com a doença, Rosely se suicidou no apartamento de sua namorada, Vera Lúcia S. de Barros, em Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro, no dia 28 de agosto de 1990.
Sua morte provocou grande choque mesmo entre aquelas pessoas que acompanhavam de perto seu calvário e sabiam da possibilidade de um trágico desfecho. Como sempre acontece em casos de suicídio, ainda mais de pessoas de grande potencial humano como Rosely, formou-se uma espécie de tabu sobre o acontecido, como se morrer de uma doença grave fosse motivo de vergonha e não uma simples fatalidade a que estamos todos sujeitos de um jeito ou de outro. Tal tabu inclusive não combina com a memória de uma mulher que se destacou exatamente pela quebra dos silêncios e dos tabus em relação à lesbianidade e cuja trajetória de ativista foi um exemplo de luta contra a insanidade do preconceito e da discriminação. Que ele se desfaça, portanto, não só por Rosely mas também como uma contribuição à desmistificação da doença que a acometeu da qual padecem milhares de pessoas no mundo inteiro.
Tenho pouco a acrescentar ao que disse em 2009, mas cabe trazer mais alguns dados com base sobretudo na questão da disputa surreal entre psiquiatras e antipsiquiatras no manejo dessa condição tão grave e delicada. Quando Rosely teve o primeiro surto psicótico, vendo e ouvindo coisas inexistentes, foi atendida por uma psiquiatra que também participava do IV Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe no México. Essa psiquiatria não teve qualquer dúvida em afirmar que Rosely estava em surto psicótico, prescrevendo-lhe medicação apropriada, e que, ao retornar ao Brasil, precisaria ser internada e se afastar da militância. Quando voltamos a São Paulo, informei à família dela o que me dissera a psiquiatra, mas não parece que tenham levado a sério o diagnóstico. Como se não bastasse, o psicólogo com quem Rosely fazia terapia, provavelmente da turma da antipsiquiatria, disse a ela que sofrera uma violência, por terem lhe prescrito antipsicótico, que ela não tinha nada do que fora dito e mais alguns outros leros. Rosely então suspendeu a medicação, resultando, como não podia deixar de ser, em novo surto, que serviu ao menos para cair a ficha da família da necessidade de internação.
Nos dois anos e 10 meses, para ser mais precisa, em que Rosely lutou contra a doença, sempre houve disputas ideológicas sobre sua condição e confusão de diagnósticos. A gente mesma que acompanhava seu calvário já nem sabia o que pensar, pois não havia Internet na época para sanar as dúvidas (os computadores pessoais haviam acabado de chegar aos lares brasileiros) e se ficava à mercê dos ditos especialistas e suas ideologias, como se não fosse óbvia a condição da moça, à luz do meu conhecimento de hoje sobre o tema. Foram 5 surtos e 5 internações durante esse período, e, já no início de 1990, Rosely se declarava cansada da situação. Quando não estava em surto, sentia-se prostrada, sem forças para nada, sequer cozinhar, lavar roupa, etc., como ela mesma dizia. Mantivemos sempre contato, por carta e telefone. mesmo quando foi morar no Rio. Sua namorada também me ligava sempre, em longos telefonemas. E um desses telefonemas foi exatamente no fatídico dia 28 de agosto de 1990. Vera me ligou desesperada pedindo para falar com Rosely porque não estava encontrando a psiquiatra que tratava dela, e Rosely já havia tentando se jogar pela janela. Falei com Rosely que, entre falas lúcidas e outras meio delirantes, disse que não queria mais viver do jeito que vivia (referindo-se às internações e à doença). Tentei acalmá-la e levantar sua moral, dizendo que haveria melhores dias e que acharia novo sentido para a vida. Conversei então novamente com sua namorada, e desligamos. Cerca de uma hora depois, Vera me ligou desta vez para dizer que Rosely havia conseguido se suicidar. Tive dificuldade de acreditar no fato e pedi que outra pessoa, além de Vera, confirmasse a tragédia, o que ocorreu. Depois só restou avisar a família de Rosely do acontecido.
Moral dessa história: a esquizofrenia não é nenhuma "construção social". Nosso corpo, que inclui nosso sexo, e as doenças que o afligem, estejam no baço, no útero, no cérebro, são realidades materiais, são construções naturais, mesmo que anômalas. Que ninguém mais compre essa ideia contra-iluminista e negacionista de doença mental como construção social. A aceitação do paciente de sua própria condição é essencial para o sucesso de seu tratamento, o que não vai rolar caso, como se não bastasse seu descolamento da realidade, ainda estiver às voltas com gente lhe dizendo que está apenas com algum problema emocional. Palavras, aliás, da socióloga Vera Soares, uma portadora da doença em depoimento, que vale a leitura integral, para a revista Época:
Superar o transtorno não significa estar curada da doença. A pessoa só supera a doença se ela se aceitar. Se não aceitar que é doente, não engaja no tratamento. E, se não trata, não supera. A esquizofrenia é grave. Exige medicação e psicoterapia. Não tem cura, mas você pode aprender a lidar com ela. Viver com esquizofrenia também exige autoconhecimento. Eu sei, por exemplo, que devo evitar situações de estresse para não ter novos episódios de psicose. Já me conheço e sei quais são meus gatilhos de estresse. Evito e tento controlar a situação. Desta forma, lido melhor com a doença.
Os manicômios não vão retornar. Existiam sobretudo porque até a década de 50 não havia antipsicóticos e, portanto, possibilidade dos pacientes conviverem em sociedade. Desde então, porém, ocorreram avanços significativos no controle dos surtos e mudanças radicais no tratamento dos portadores da esquizofrenia e outros transtornos mentais. Nada mais de confinamentos, abandono, maus-tratos. Já na época em que Rosely ficou doente, ela me escreveu de um dos estabelecimentos em que ficou internada, considerado até hoje um hospital modelo para tratamento de doenças da mente, o Instituto Bairral, localizado em Itapira, a 170 quilômetros de São Paulo. Rosely descreveu o local da seguinte maneira (talvez se estivesse ficado por lá ainda estaria viva):
Aqui em Itapira tem piscina. Todas as noites tem atividades: jogos filmes, culto e dança. Leio o jornal todos os dias.
Fechar hospitais psiquiátricos tem tanto sentido quanto fechar hospitais do câncer, do coração e de tantas outras especialidades. Demonizar psiquiatrias tem tanto sentido quanto demonizar cardiologistas, oncologistas, ginecologistas. Médicos não devem ser colocados em altar nem demonizados. É verdade que a medicina psiquiátrica tem um passado muito ruim não só no trato de pessoas com transtornos mentais mas igualmente de gente sem problemas dessa natureza que foi internada em manicômios por ser apenas fora do comum. Não celebramos à toa o 17 de maio, dia da retirada da homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças. Todavia, é preciso lembrar que médicos e cientistas também são filhos de seu tempo e limitados ao conhecimento científico de sua época. Eles também mudam na medida das mudanças sociais e científicas. Uma posição crítica sobre o complexo biomédico farmacêutico, que é fundamental, não pode descambar para a posição anticientificista da "construção social" para tudo, em particular doenças.
A articulação que se faz para fechar hospitais psiquiátricos públicos seria muito melhor empregada na transformação desses hospitais em centros médicos de excelência como o Instituto Bairral. Os médicos e pesquisadores da doença são peças fundamentais no trato adequado dos pacientes e desenvolvimento de novos tratamentos. Recentemente, cientistas paulistas criaram exame capaz de diagnosticar a esquizofrenia e a bipolaridade a partir de amostras de sangue. Mesmo que, como afirmam, ainda levem uns cinco anos para poder aplicar o achado na prática, abre-se aí mais um caminho para maior precisão diagnóstica e novos tratamentos. Seria o caso dos adeptos da esquizofrenia como "construção social" nos explicarem como esse exame pode ser desenvolvido a partir de doenças que não existem. O mesmo vale para os antipsicóticos, principalmente porque não dá pra falar que os pacientes se autosugestionam sobre a eficácia da medicação na maior parte dos casos, né mesmo?
A banda Larking Poe, das irmãs Megan e Rebecca Lovell, fez a música abaixo, Mad as a Hatter (Louco de Pedra), em homenagem a seus avós, vítimas de esquizofrenia e demência. No início da performance, Megan fala que a doença mental é uma daquelas coisas muito difíceis de se comentar, algo desconfortável de se falar, mas uma coisa sobre a qual que deveríamos falar abertamente. #OuçamNossasVozes
I know what time is Time is a thief It'll steal into bed and rob you while you sleep You'll never feel it It pulls off the covers, and rifles through your head Then you'll wait to find you can't remember what you just said It happens to everyone Just like the father of my father, time stole his mind And I can't forget that one fourth of his blood is mine I try not to worry
Please don't come for me I promise I'll be great Just let me keep what's mine Please don't come for me If you must then just please wait and let me have some time Please don't come for me Mind over matter when you're as mad as a hatter
It's hard to draw a clear distinction When you are who you are Through the looking glass, the past and future begin to blur Though I keep playing Well they say the world is what you make it You think, speak and breathe And those rules solidify, stuck in a world of make believe You make the best of what you are given
Off with the head, off with the head Paint the roses, paint the roses
Please don't come for me I promise I'll be great Just let me keep what's mine Please don't come for me If you must then just please wait and let me have some time Please don't come for me Mind over matter when you're as mad as a hatter
Um Outro Olhar
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020
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Medo de preconceito não deve impedir visitas à ginecologista
Aos 22 anos, Monica precisou de um atendimento ginecológico e foi em uma situação de emergência no pronto-socorro da rede pública da capital paulista. "Eu estava com muitas dores na barriga, com enjoo e tontura. Um ginecologista me atendeu e falei já que era lésbica (várias vezes) e que não tinha chance alguma de eu estar grávida. Ele insistiu muito, chegou a ser desrespeitoso".
Monica conta que todas as vezes que passou por um atendimento ginecológico, a experiência foi péssima.
Os médicos são despreparados para lidar com mulheres lésbicas. Na primeira consulta eu tinha 15 anos e o médico me passou anticoncepcional. No exame, senti muitas dores, foi um incômodo terrível. O aparelho podia ser menor ou apropriado", desabafa.
Ela está há muito tempo sem ir a uma consulta ginecológica pois está traumatizada.
Vida sexual ativa
E o mesmo aconteceu com a recepcionista Tatiana Silva, 26, em um dia que estava com dores na barriga.
Em todas as consultas, os médicos só perguntam se tem vida sexual ativa e se toma contraceptivo. Nesse dia foi feito exame da vulva, que consiste em avaliar as estruturas, pele e mucosas do órgão genital externo feminino, e eu sentia muita dor, pois não era algo habitual para mim. A médica me tratou com rispidez e agressividade, pedia para eu ficar quieta. Fiquei com dor o restante do dia".
Tatiana conta que nas primeiras vezes que se consultou com ginecologista — sendo homem ou mulher, não se sentia à vontade para falar sobre sua sexualidade.
Eu tinha vergonha, medo de como o médico iria reagir. Na outra vez, pediram exame de gravidez, mas eu já tinha dito que não havia chance alguma de estar grávida. Na última consulta, comentei que era lésbica, e ele disse: metade dos problemas está resolvido. Achei que ele reagiu de forma positiva. Mas só comecei na me abrir com a maturidade mesmo".
Sexualidade parece doença
Daniela Romanenko, 26, manicure de publicidade, conta que sempre teve problemas em consultas no ginecologista.
As perguntas eram as mesmas, mas eu não falava que era lésbica - não me sentia à vontade-. Só perguntavam se eu me prevenia e se estava tomando anticoncepcional, as perguntas sempre são direcionadas para quem é hétero. Cheguei a achar que minha sexualidade era doença".
Mas Daniela viu a diferença no atendimento quando se consultou em uma clínica particular.
A médica me perguntou se eu tinha parceiro ou parceira, nesse momento eu já senti a diferença. Fui acolhida e a conversa foi ótima, ela abriu a minha mente. Fiquei sabendo sobre camisinha feminina e outros detalhes. Fiz até ultrassom. Acho que atendimento deveria ser sobre vida sexual e não sobre parceiro sexual".
A assessoria de imprensa da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo esclarece que disponibiliza informações sobre prevenção às ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) através do aconselhamento singular de acordo com as práticas sexuais de cada mulher, tanto nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) quanto nos 26 serviços da Rede Municipal Especializada (RME) em DST/Aids. Essas unidades também ofertam tecnologias diversas de prevenção, como preservativos masculino (externo) e feminino (interno), gel lubrificante e testagem.
Assunto vira livro
Quais os aparelhos são utilizados para exames ginecológicos para mulheres lésbicas? São as mesmas para todas as mulheres? E os métodos para prevenção de doenças? Essas foram as questões que fizeram a jornalista Larissa Darc, de 22 anos, escrever um livro sobre o assunto: "Vem cá: vamos conversar sobre a saúde sexual de lésbicas e bissexuais".
Fiz o livro sobre o que tinha acontecido comigo e foi impactante para mim e para outras meninas. Existe um sistema que exclui mulheres que procuram assistência médica", desabafa. Após várias pesquisas e entrevistas com especialistas, Larissa concluiu que mulheres lésbicas e bissexuais não recebem atendimento adequado porque elas não têm acesso a dispositivos para proteção. Existe um sistema que historicamente negligenciou a saúde das mulheres e um sistema heteronormartivo e invalida todas as relações que não são hetero".
Após pesquisas para produção do livro, Larissa questiona a posição da Secretaria.
Esse discurso que existem métodos de barreiras de doenças - feito para mulheres que fazem sexo com mulheres -, onde orientam para recortar a camisinha, etc.. essas adaptações e "gambiarras" não são eficazes, não tem estudos que comprovem isso, pois não cobrem a vulva toda. São desconfortáveis".
Larissa acrescenta ainda que quando médicos e médicas informam que existem essas adaptações há um grande problema.
Estamos silenciando algo que está errado, pois precisam ter estudos e são focados nos métodos heteronormativos e são feitos para mulheres que fazem sexo com mulheres", afirma.
Após a publicação do livro, Larissa conta a repercussão sobre o tema.
Comecei a ser chamada para falar nos lugares em diferentes espaços para promover conversas sobre o tema. Trocar informação é uma coisa tão importante porque na escola a gente só recebe a informação da relação que é heteronomativa, só aprende sobre sexto hétero, e depois a gente não tem mais espaço para conversar sobre isso".
A Secretaria informa ainda que as mulheres lésbicas e bissexuais devem realizar, regularmente, o exame de Papanicolau. E que os aparelhos utilizados nos exames ginecológicos e proctológicos pela rede são os mesmos para todas as mulheres. As UBSs e as RME DST/Aids realizam ainda exames para HIV, sífilis e hepatites B e C. A SMS possui um Comitê Municipal LGBTI (portaria nº 499/2019), que tem por objetivo implementar a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais nas unidades de saúde.
E em relação ao exame Papanicolau, existem tamanhos diferentes de espéculos e em todos os postos de saúde deveriam oferecer.
Esses exames devem ser feitos por mulheres que nunca tiveram relação sexual e precisam fazer preventivo e mulheres que fazem relação com a penetração de um pênis também. E em relação ao HIV a troca de sangue aumenta o risco realmente, mas existem outras doenças tão importantes quanto, estamos expostas a diversas infecções".
Com relação às pesquisas sobre o tema, a SMS disponibilizou pesquisa sobre sexo seguro relacionadas à saúde da mulher lésbica ou bissexual:
> Uso de preservativo em todas as relações com homens - 45,5%;
> Uso de preservativo em todas as relações com mulheres - 2,1%;
Um Outro Olhar
quarta-feira, 27 de março de 2019
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Silmara e Valeria dançando Imagem: Arquivo pessoal
LGBT na terceira idade: 3 histórias inspiradoras sobre amadurecer
Uma projeção do IBGE aponta que o Brasil terá mais idosos que jovens em 2060. E, se envelhecer é tabu para qualquer pessoa, essa angústia se reforça entre a população de gays e lésbicas.
"Isso porque existe uma possibilidade maior de essa pessoa se ver 'mais sozinha' na velhice em relação a outras pessoas", explica a neuropsicóloga Elaine di Sarno.
Há motivos variados de solidão: quem rompeu com familiares de origem há algumas décadas por conta da orientação sexual, quem não teve filhos... a psicóloga Juliana Guimarães de Araujo acredita que essa postura tem a ver com o momento em que se assume a homossexualidade. Só em 1990 a OMS retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças.
"A pessoa que se assumiu nessa época teve uma determinada experiência. Até por conta do contexto social, cultural da época: ninguém os estimulava a se expressarem. Muitos pensavam que tinham de se moldar para serem aceitos", conta a profissional.
Mas como é a vida de pessoas de 50, 60 e 70 anos que se assumiu LGBT há algumas décadas?
Veja relatos de pessoas maduras que contam como vivem o amor (e a solidão) hoje:
Ela era o amor da minha vida
Se eu me sinto sozinha? Sim, mas por causa da ausência da Ester."
Assim começou a entrevista com a jornalista e escritora Laís de Castro, 72 anos, que acabara de enviuvar de Ester -- segundo ela, o grande amor da sua vida, com quem comemorou 28 anos de união estável em fevereiro.
Laís conta que, meses antes, as duas haviam feito check-ups e estavam com a saúde em dia - mas a companheira teve um infarto fulminante.
Física nuclear e professora, casou com o pai de seu filho aos 23 anos, mas aos 27 já estava separada e namorando uma moça. Cerca de 10 anos depois, ela e Laís foram apresentadas. "Eu não a conhecia, nunca tinha visto na vida, mas foi como se um raio caísse na cabeça das duas. Um ano depois nós estávamos juntas, e assim passamos os últimos 28 anos."
Laís se considera privilegiada pelo fato de ter uma família que sempre respeitou sua orientação sexual, assim com as suas companheiras.
Eu tenho 5 irmãos e 19 sobrinhos -- e eles são muito meus amigos. Então, tem alguns que ficaram até mais amigos dela", contou fingindo estar com ciúmes. "Minha irmã, maravilhosa, no velório [da Ester] chorou quase tanto quanto eu."
Além disso, ela trabalhava em ambientes que considerava mais abertos, relacionados à Comunicação. Por isso, acha que nunca esteve no armário.
Quando alguém me convidava para algum evento, sempre chamavam a mim e à Ester. Eu nunca cheguei e falei que era homossexual", lembra.
Por outro lado, como professora universitária e física nuclear, Ester não se sentia tão confortável.
Com o pessoal do trabalho, ela só falava do ex-marido, do filho."
Em 2013, as duas foram morar em Franca, no interior de São Paulo: Ester foi convidada para ser reitora de uma grande faculdade particular da região. Laís foi com ela, claro. Como prima.
A reitora não pode ser sapatão, né?
No armário permaneceram até 2018, quando Ester morreu -- lá em Franca, mesmo. Seu filho, então com 38 anos de idade, já era médico geriatra e foi um dos responsáveis por atestar o óbito da mãe. Ele também é descrito por Laís como um grande amigo.
Sou uma idosa autônoma: eu dirijo meu carro, compro meus remédios, vou ao médico sozinho e sou craque no computador", diz Laís. "Eu não tenho problema de saúde, meus 72 anos são só no documento. Eu vivo como uma pessoa de 60", disse ela, que não aguentou permanecer na casa onde viviam juntas e se mudou para Ribeirão Preto, também no interior paulista.
Por outro lado, tenho outras amigas LGBT também, que vivem uma realidade complicadíssima: como não têm filhos, não têm acompanhantes para levarem aos médicos e fazer exames, por exemplo", lamenta.
Conheço outras idosas lésbicas que sofrem com a solidão porque não têm um vínculo com as famílias, ou não tem boas relações com as colegas. Ficam vivendo só entre elas."
No dia 25 de março, quando a morte de Ester completa um ano, Laís lança o livro "Vida a duas - O livro do nosso amor", que ela escreveu "para que a mulher nunca seja esquecida". Ela prefere não mostrar fotos da parceira para não expor.
Se eu pudesse escolher, eu nascia era gay, de novo
"Nascido em Recife, o sociólogo Carlos Sena, 68 anos, disse que nunca
teve problemas por ser gay" Imagem: Arquivo pessoal
Nascido no interior de Pernambuco, o sociólogo Carlos Sena, 68 anos, disse que nunca teve problemas por ser gay. Veio de Bom Conselho para Recife cedo, mas quando morava lá, namorava mulheres. Depois que chegou em Recife e começou a trabalhar e a fazer faculdade, começou a notar os olhares de outros homens.
Eu sempre apresentei meus namorados com a maior naturalidade para a minha família. E sempre me senti superior a qualquer tipo de preconceito."
Sena dava aulas de psicologia social e sociologia. Um dia, uma aluna disse que estava apaixonada por ele.
Ela sabia que eu era gay, mas disse que queria me colocar no caminho certo. Eu disse que não queria."
Especializado em gestão pública em saúde, ele conta que já ocupou cargos importantes do governo de Pernambuco e sempre foi tratado com respeito, porque sempre se impôs.
Ainda tem muito preconceito dentro do mundo gay. Muitas "bichinhas" se acham melhor que as outras porque não são pintosas, ou porque têm mais dinheiro".
Apesar de ter sido casado algumas vezes, ele reclama que o problema sempre foi arrumar um parceiro que o acompanhasse no nível intelectual.
Se eu nascesse de novo e pudesse escolher, eu nascia era gay. Eu me amo e são poucas as bichas que travam o caminho de se amar", diz ele que garante não sentir solidão, apesar de estar solteiro há seis meses. "Chovia rapaz novinho na minha horta, mas eu não quero."
“Eu aprendo muito com a Sil. Com ela fui a primeira vez em um boteco.
Ela me incentivou a voltar a estudar, a me preparar para o concurso” Imagem: Arquivo pessoal
Conheci o amor da minha vida numa sala de bate-papo.
A funcionária pública Valéria Casolato, 53 anos, esteve com um homem durante 14 anos -- 2 de namoro e 12 de casamento.
De repente, me vi em um casamento falido, sem emoções, sem amizade ou companheirismo e com uma filha de menos de dez anos. Eu não tinha mais sonhos ou objetivos aos 30 e poucos anos."
Desencantada com a crise no casamento, ela procurou atividades como teatro e até salas de bate papo virtuais -- muito populares no fim dos anos 90.
Entrei em uma sala de lésbicas porque queria conversar com pessoas diferentes de mim e conheci o amor da minha vida."
Fiquei assustada, claro. Fui para a terapia para entender o que eu estava sentindo, coloquei a minha filha também. Depois conversei com o meu marido e me separei."
Formada em Relações Públicas, ela acredita que a área é mais aberta e, por isso, se deparou com poucas situações em que foi vítima de preconceito. Mas, no meio familiar, foi mais difícil.
Quando minha mãe soube, teve um pico de pressão alta e foi parar no hospital. Ela achava que eu só dividia um apartamento com uma amiga."
Mesmo sentindo que estava fazendo algo errado, Valeria percebia que estava cada vez mais envolvida com a atual esposa, Silmara.
Eu aprendo muito com a Sil. Ela me incentivou a voltar a estudar, a me preparar para o concurso", conta. Em fevereiro elas comemoraram 19 anos de relacionamento.
Até hoje durmo com ela fazendo carinho em mim. Passamos por muitas coisas juntas: falta de grana, desemprego, doenças. Mas gostamos de estar juntas e temos um trato: não dormimos brigadas."
Um Outro Olhar
quarta-feira, 13 de março de 2019
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Larissa Darc é autora do “Vem cá: vamos conversar sobre a saúde sexual de lésbicas e bissexuais” | Foto: Paloma Vasconcelos/Ponte Jornalismo
O que nasceu para ser um trabalho de conclusão de curso de jornalismo, se tornou um projeto de vida. A autora do livro ‘Vem cá: vamos conversar sobre a saúde sexual de lésbicas e bissexuais’, Larissa Darc, 21 anos, conta como foi o processo de pesquisa investigativa sobre o tratamento do atendimento ginecológico para mulheres que amam mulheres.
Quando começou a pensar no livro, Larissa ficou dividida entre três temas: educação, periferia e sexualidade.
Na hora de decidir, eu pensei em fazer algo sobre sexualidade. Quando peguei o recorte LGBT, percebi que mesmo dentro do meio as mulheres lésbicas e bissexuais ainda são marginalizadas. Como Angela Davis, que eu usei como fundamentação teórica, diz: a gente precisa compreender que existem diversos tipos de opressão. Um homem gay vai sofrer opressão por ser um homem gay e uma mulher lésbica vai sofrer opressão tanto por ser lésbica quanto por ser mulher”, defende a jornalista.
A ideia inicial do livro era falar sobre mulheres que amam mulheres, abordando temáticas como saúde, educação e diversos outros temas que permeiam a vida de mulheres lésbicas e bissexuais. Mas, quando começou a pesquisar sobre o campo da saúde, Darc reparou que sua visão precisava mudar um pouco.
Encontrei tanta coisa, encontrei tanto relato e a falta de informação prévia pra fundamentar o capítulo, que eu percebi que era aquele o meu tema. Eu tinha muito medo de ir a fundo nesse tema, mas era aquele tema”, assegura.
Esse medo, explica a autora, vem do tabu que é falar sobre sexo entre mulheres na sociedade. “Sou uma mulher, jovem, queria falar sobre sexo e era sobre sexo entre vaginas. Tive muito medo de entrar nesse assunto e atrelar meu nome a esse assunto porque eu venho de uma família que não conversa abertamente sobre sexo. Sexo lésbico é um tabu ainda maior e falar sobre esse tema é um assunto muito pessoal porque eu sou uma mulher bissexual. Então, eu não escreveria só sobre outras pessoas, tanto que no livro eu me coloco muito em primeira pessoa, pois é um tema pessoal. O livro começa com um relato meu de uma situação que eu passei em um consultório médico em 2015”, conta.
Como um convite para um diálogo, o nome do livro é uma referência ao “ponto G” da mulher. “Esse movimento é quando a gente introduz um dedo no canal vaginal e faz o movimento do ‘vem cá’, com isso a gente consegue alcançar o ponto G”, explica a autora. As cores da capa são inspiradas na composição da bandeira lésbica.
Depois de definir o recorte, Larissa se deparou com um problema: a falta de especialistas sobre o assunto.
Como o principal ponto do livro é o despreparo dos profissionais em lidar com mulheres que não transam com caras, ou que transam com caras e com meninas, foi muito difícil achar profissionais. No meio do processo, eu dei um recorte e decidi falar só com mulheres, então todas as entrevistas são com mulheres. Por isso, quando eu comecei a procurar médicas que atendiam meninas lésbicas e tinham propriedade pra falar sobre o assunto, não queria alguém que não entendesse do assunto, pois li algumas reportagens e tinha entrevistas com médicas que não faziam ideia do que estavam falando, elas falavam para as meninas usarem plástico filme durante o sexo, sendo que não foi feito para isso”, explica.
Quando começou a conversar com médicas especialistas na saúde sexual de mulheres que se relacionam com mulheres, a autora descobriu que a falha no atendimento começa na faculdade.
As faculdades de medicina não formam os médicos para nada que não é heteronormativo [relacionamentos pessoas heterossexuais como padrão social], isso exclui tanto gays quanto lésbicas. Uma das médicas me falou que em algum momento da faculdade deram uma cartilha para ela sobre sexo gay e ponto. Então eles não falam nada do que foge do heteronormativo. Quando elas vão fazer a residência médica em ginecologia, as boas residências são em obstetrícia, que é pra cuidar de mulheres grávidas, então não existe preparo nenhum”, explica.
De contrapartida, encontrar histórias de descaso e despreparo médico foi fácil. Um dos casos contados é o de Cris Cavalcante, sobrevivente de um câncer descoberto em estágio avançado, quando já estava do tamanho de uma bola de futebol americano. O motivo da demora do diagnóstico foi a negligência médica: os médicos que atenderam Cris não quiserem realizar os exames por ela ser lésbica e não ter tido relações com homens.
Foi a primeira vez eu fiz uma apuração e não tive desafio. Eu postava em qualquer grupo de mulheres lésbicas perguntando se alguma delas já tinha tido algum problema com atendimento ginecológico e vinha uma enxurrada de relatos. Eu tive que escolher os relatos que mais me impactaram”, relembra Larissa.
Uma das descobertas da autora, durante o processo de produção do livro, são as ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) que mulheres lésbicas e bissexuais estão vulneráveis a contrair por não existir um método de prevenção ou proteção durante o sexo.
Depois do livro, eu fiquei pensando bastante sobre ações que já podem ser feitas, já que não existe nenhum dispositivo de proteção de IST entre lésbicas. Existe a camisinha, que serve para relação com pênis, tanto a masculina quanto a feminina, e só. E nenhuma das duas se adapta perfeitamente à relação sexual entre mulheres. Seria legal fazer alguns estudos, mas isso leva tempo”.
Mesmo com diferença no atendimento particular e público, como explica Larissa, o sistema ginecológico de modo geral não está preparado para atender mulheres lésbicas e bissexuais.
No SUS, além do exame ser bem mais curto, você não sabe quem é o médico que vai te atender, se ele é bom ou não, e tem a questão da demora. Na primeira vez que eu fui ao médico, que é a primeira vez que eu conto no livro, demorou muito para me atenderem, eu estava com um corrimento e não sabia o que era, precisei ir num farmacêutico que minha mãe confiava, falar os sintomas, ele presumir que era uma determinada infecção, me passar o antibiótico e eu dei sorte de ter dado certo, mas podia ser uma infecção que me desse alguma consequência. Depois eu fui em uma médica particular, que me atendeu super bem, mas até hoje eu tenho dúvidas se ela me atendeu bem porque eu já tinha tido relações com homem ou por que ela era particular”, detalha a autora.
Apesar disso, Larissa assegura que a melhor alternativa para a saúde dessas mulheres ainda é o atendimento ginecológico.
Eu sei que a violência que elas sofrem é uma realidade comum e constante, mas tem algumas coisas que podem aliviar boa parte do sofrimento. Pessoas que já fizeram papanicolau sabem que é bem incômodo quando se coloca o espéculo, que é aquele instrumento que se usa para dilatar a entrada da vagina para poder coletar o material, mas ninguém fala que existem tamanhos diferentes – então há tamanhos menores que podem ser usados por mulheres lésbicas, que tem tamanho de um dedo”, explica.
O livro, feito por mulheres para mulheres, será lançado em São Paulo em março. A autora garante que o objetivo é trazer à tona a discussão para, assim, estimular mulheres lésbicas e bissexuais de se atentarem à saúde sexual. “Eu espero que esse livro chegue nas pessoas para que elas comecem a pensar nisso e conversar sobre isso. O livro não traz nenhuma resposta definitiva pois é uma reportagem. Se a gente não estiver pela gente mesmo não vai ser eles que vão estar. Se a gente não pensar em formas de melhorar o atendimento médico, em formas de criar dispositivos de proteção, em formas da gente cuidar da gente mesmo, eu tenho certeza de que não vai ser o governo que vai fazer isso”, defende Larissa.
Data: 19 de março; Horário: 19h30
Local: Livraria Tapera Taperá – Av. São Luís, 187 – República, 2º andar, loja 29 – SP