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Rosely Roth e a autonomia dos movimentos sociais

sexta-feira, 28 de agosto de 2015 2 comentários


No dia 28 de agosto deste ano de 2022, completam-se 32 anos da partida de Rosely Roth, pioneira ativista lésbica, libertária e autonomista dos anos oitenta. Para relembrá-la, transcrevo um seu texto de 1983, sobre a imprescindível separação entre movimentos sociais e os partidos. Ainda que seja necessário contextualizar historicamente o texto, em alguns aspectos, sua atualidade permanece, principalmente quando diz: (Embora militantes insistam que conseguem separar os objetivos do partido dos do movimento)
"... Mas um partido tem um programa e um projeto para quase todas as questões. É toda uma estrutura partidária tradicional que a militante leva de alguma forma para o seu grupo."

Nada mais preciso tanto que atualmente até datas históricas dos movimentos sociais são organizadas por partidos, e ninguém vê nada demais nisso. Nos primórdios do movimento pelos direitos homossexuais, do qual Rosely fez parte, porém, os ativistas eram muito mais conscientes da necessidade de separação dessas duas instâncias de se fazer política.

O GALF que Rosely fundou comigo, em outubro de 1981, portanto, era um grupo autonomista e libertário que não aceitava dupla militância fosse em partidos ou outros movimentos. Acreditava nos movimentos sociais como alternativas aos partidos tradicionais e suas estruturas hierárquicas e obsessões pela tomada de poder. Ponderava que, para os ativistas da dupla militância, as questões específicas eram sempre contingenciadas pelas prioridades partidárias em detrimento das prioridades da população a quem dizem representar. Daí sua militância ser conflitiva e muitas vezes contraproducente. 

Que diria Rosely, se viva fosse, das múltiplas cooptações pelas quais passou o ativismo lésbico da qual foi uma das pioneiras a ponto de ter degenerado num movimento de alhos com bugalhos que não só não defende mais os direitos homossexuais e das mulheres como inclusive os deteriora? Adeptas desse desmovimento LGBTQIA+ andaram usurpando a imagem de Rosely para colocá-la como pioneira dessa degeneração. Não sei exatamente o que ela diria de tantas cooptações da organização lésbica já ocorridas, mas, sobre ter algo a ver com o tal desmovimento LGBTQIA+, seguramente mandaria, aos que a colocaram nessa roubada, um sonoro VTNC.

Ilustrei o artigo de Rosely, na época, com a charge que também reproduzo acima e que, sem falsa modéstia, me parece ainda mais atual que o texto. 


Míriam Martinho
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AUTONOMIA
Rosely Roth

Para mim, quando penso na questão da autonomia, uma pergunta se coloca: como um grupo pode ser autônomo, se todas ou quase todas as suas integrantes estão em partidos? Da mesma forma, como posso me dizer independente (de quê?) e defensora da autonomia se estou e/ou acredito nos partidos como canais de mudanças radicais?

Creio que está, na teoria dos grupos feministas e homossexuais, a não reprodução da política tradicional (não cito os grupos de negros e ecologistas por falta de informações e porque a minha experiência se restringe ao movimento de mulheres e ao movimento homossexual). Entendo, por práticas políticas tradicionais, aquelas que reproduzem os valores vigentes: hierarquia, competição, divisão entre as que pensam e os que fazem, preocupação quase que exclusiva com a tomada do poder, entre outros valores. É a autorrepresentação do sistema. Os partidos políticos, em minha opinião, estão neste esquema: uns reproduzem mais os valores dominantes, outros reproduzem menos, mas as velharias básicas permanecem: a estrutura hierárquica, a falta de democracia interna, o machismo, a vontade do poder.

A experiência histórica dos países socialistas demonstrou até agora o fracasso dos partidos, da ditadura do proletariado ou sobre este. O que ficou claro é que um canal que reproduz valores opressivos não pode construir uma sociedade não opressiva. A recusa da organização, diz Lefort, vem da consciência de que, em todas elas, uma minoria de dirigentes se cinde da massa dos executantes, a informação se retrai para o espaço do poder, hierarquias manifestas ou ocultas se fazem suporte dos aparelhos, setores de atividades se fecham, o princípio de eficácia que rege a divisão do trabalho e do saber se faz passar por princípio de realidade, o pensamento se deposita e se petrifica em programas que assinalam a cada um os limites do que é permitido fazer e pensar (MATOS, Olgaria C.F. -Paris 1968, As barricadas do desejo).

É neste sentido, como consequência desta desilusão, que surgiram os movimentos alternativos em 70. Foi uma desilusão positiva, pois o descrédito quanto aos partidos não gerou alienação, inércia, morgação, mas propostas como a da organização de grupos de mulheres homossexuais e ecologistas: cujas discriminações (juntas com as dos negros), até então tinham sido consideradas menores pela política oficial dos sindicatos e dos partidos legais e clandestinos. Estes grupos tinham, como proposta inicial, procurar reinventar a política. A política tradicional, até então, separava o privado do público: o presidente de um partido poderia se considerar altamente revolucionário e ser um ditador com a mulher e os filhos. (“Aquele que fala de revolução sem mudar a vida cotidiana tem na boca um cadáver” —inscrição de Strasbourg durante maio de 1968.) Uma revolução radical deve começar no nosso cotidiano, já que cada ato executado envolve uma parte da nossa concepção e perspectiva de vida, cada ato pode conter também relações de poder.

A questão dos negros, mulheres, homossexuais e ecologistas eram vistas para depois da revolução. O orgasmo também. Sexualidade era considerada coisa da pequena burguesia. O proletariado não trepava (sic). A sacralização e mistificação de uma classe revolucionária, quase nunca presente nos partidos, também foi desmistificada em 68, quando os estudantes de Paris tomaram à frente durante as contestações radicais contra as estruturas de poder. O tão falado e sacralizado proletariado em sua maioria não saiu das reivindicações econômicas e permaneceu atrelado a suas organizações burocráticas. A crença num setor específico que nos libertará (no caso o proletariado) parece falsa. A prática vem demonstrando que são os diversos movimentos sociais, os setores oprimidos de um país: mulheres, operários (as), negros(as), ecologistas, homossexuais, camponeses, etc., que, através de suas lutas, podem conseguir a transformação social.  Estas lutas podem convergir em vários momentos, sem perderem as suas especificidades.

Penso que os grupos surgiram como alternativas políticas, tentando não reproduzir em seu meio a política tradicional. Isto significou trazer a questão das mulheres, dos homossexuais, negros e ecologistas, como questões políticas diretamente ligadas aos valores e padrões patriarcais, ao funcionamento opressivo da sociedade. O orgasmo, o prazer, passaram a ser conquistas a serem feitas no dia a dia. A revolução deixou de ser mito, algo para poucos iluminados de uma vanguarda, mas passou a ser algo que deve ser construído no cotidiano.

Querer reinventar a política dentro dos partidos, já em si um veículo tradicional de se fazer política, parece no mínimo contraproducente. É uma questão de opção. Onde empregar as energias? Para mim, como lésbica-feminista, prefiro empregá-las dentro do meu grupo e para o movimento de mulheres e homossexual. Se quero reinventar a política, procurarei pensar em formas de organização alternativas aos partidos, que até agora fracassaram historicamente e atuar em cima disto. Existe uma posição, bastante difundida, de que não há nada demais em se estar ao mesmo tempo em um partido e num grupo autônomo e de que uma coisa não exclui a outra. Várias defensoras desta posição acham que estar nos partidos, não as impede de serem "autônomas” e de pregarem a autonomia para o movimento de mulheres. Elas colocam que devemos separar os objetivos do movimento de mulheres daqueles dos partidos aos quais as mulheres se incorporaram. Isto na prática mostrou-se inviável, já que as mulheres se dividem, se enfraquecem por causa das suas posições partidárias, como ocorreu antes e durante as eleições de novembro (isto acontece ainda hoje). Como se daria esta separação entre os objetivos do partido e os do movimento? Nos partidos exercer-se-ia a política tradicional e nos grupos se tentaria questionar esta política e reinventá-la? Outras colocam que se não levarmos para os grupos as posições partidárias, tudo se ajeita. Mas um partido tem um programa e um projeto para quase todas as questões.

Além das discussões anteriores realizadas, por exemplo, sobre o movimento de mulheres, é toda uma estrutura partidária tradicional que a militante leva de alguma forma para o seu grupo. Além do que os partidos só se lembram de nós, mulheres, negros, homossexuais e ecologistas, na época de eleições para arrebanharem "votos ou no máximo nos cooptarem como bases das suas (nossas?) vontades de poder. Talvez uma "dupla” militante acredite que nos grupos ela discute as suas questões "específicas", e as gerais, como tomada do poder, no partido. Não entendo bem isto de questões “específicas” e “gerais”. Por exemplo: as nossas questões "específicas” como aborto, creches, lavanderias e restaurantes coletivos, contra as discriminações sobre a mulher negra e lésbica, entre outras, não podem ser resolvidas no capitalismo e não foram pelo socialismo. As nossas questões "específicas”,  para serem resolvidas, precisam da transformação total das sociedades, isto em termos internacionais. A mudança deve ser radical não podendo comportar nenhum tipo de opressão, e, para alcançá-la, é que começamos por construí-la no cotidiano.

Outra questão importante é que os partidos visam a tomada do poder. Tomar o poder para exercê-lo de forma diferente. Creio que toda autoridade (título dado a algumas pessoas que, segundo a educação por nós recebida, devem ser respeitadas e aceitas passivamente) é ridícula, mitos de nossas inseguranças, transferências para outro do que nós mesmas podemos fazer e não fazemos. A questão não é tomar o poder e sim dispersá-lo, descentralizar, para que não haja o poder de uns sobre outros. A autogestão política, econômica, social e cultural da sociedade, feita por todos os seus membros. Mas para isso acontecer é necessário que uma grande parte da população acredite na sua própria capacidade de decisão e não delegue a sua vida para outros. Os partidos também são formas de se delegar as coisas.

É impossível negar as instituições autoritárias: escola, família, Igreja, partidos, entre outras, pois elas estão aí, e nós, de alguma forma, temos relações com estas instituições. Mas isto não significa que não podemos e não devemos criticá-las e tentar justificar ou destruir estas instituições. No caso dos partidos, podemos manter relações, sem entrar em nenhum. Isto acontece quando participamos de debates promovidos por algum deles, utilizamos alguma gráfica (deles) ou levamos alguma ação conjunta em determinado momento.

Estar nos partidos é não acreditar nos grupos como possíveis veículos de transformação social. Multiplicação dos grupos autônomos de negros, feministas, homossexuais, ecologistas e de outros setores oprimidos (camponeses, operários, etc..), pode gerar cooperativas, federações, ou seja, um ou mais organizações que poderão levar a mudanças radicais da sociedade. Estar em partidos é acreditar na política tradicional. Aposto que se, por exemplo, todas as feministas que estão nos partidos, saíssem (deles), o movimento feminista seria muito mais forte e capaz em termos teóricos e práticos, podendo até traçar uma organização alternativa. Este exemplo vale também para os outros movimentos sociais.

Finalizando, acredito que toda e qualquer mudança depende de cada um de nós e, neste sentido, repito: os grupos verdadeiramente autônomos, organizados conjuntamente, na unidade da diversidade, podem, através da prática interna levar à transformação total da sociedade. Os movimentos autônomos provam que é possível militar e atuar como força alternativa aos partidos. Não dá mais para acreditar em tomada de poder. Então para que os partidos?


Armários são para roupas, não para pessoas! Uma resposta ao "Já para o Armário"!

domingo, 2 de junho de 2013 1 comentários


Por Míriam Martinho

Para o armário, nunca mais! – União e conscientização na luta contra a homofobia é o tema da 17ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo deste ano. O tema não poderia ser mais acertado para o momento, pois realmente a visibilidade LGBT está incomodando demais toda a fauna conservadora e seus simpatizantes.

De fato há uma parte do ativismo LGBT que dá munição aos conservadores, com sua patrulha constante de anúncios comerciais e falas de celebridades que não se inserem em seus cânones radicais. Entretanto, mesmo esses excessos não são suficientes para referendar a conversa vigarista dos conservadores de ditadura gay, gayzismo, gaystapo e congêneres. Em essência, os movimentos sociais buscam a isonomia de direitos entre os seres humanos, causa que os conservadores historicamente rejeitam. E é essa rejeição que constitui o pano de fundo das manifestações conservadoras contra os direitos homossexuais e não os excessos da militância. Na verdade, os conservadores querem é jogar o bebê fora junto com a água suja da bacia!

No texto Já para o armário! (ver abaixo), do jornalista Guilherme Fiuza, para a revista Época do dia 28 último, percebe-se bem esta predisposição (e olhe que Fiuza não é um típico conservador).  Nele, o jornalista deixa transparecer seu ressentimento, com a visibilidade da causa LGBT, pretextando discordar da decisão do Conselho Nacional de Justiça de obrigar os cartórios brasileiros a celebrar o casamento civil entre pessoas de mesmo sexo. Embora advogados e juristas divirjam sobre a competência do CNJ para a decisão tomada, Fiuza declara peremptoriamente que "A resolução do CNJ sobre o casamento entre homossexuais é uma aberração, um atropelo as instituições pelo arrastão politicamente correto. A defesa da causa gay está ultrapassando a importante conquista de direitos civis para virar circo, explorado pelos espertos."

Sem me deter nessa questão da competência ou não do CNJ, lembro apenas que vários estados já haviam determinado aos cartórios a aceitação dos pedidos de casamento civil homossexual, antes da decisão de Joaquim Barbosa, o que nos leva no mínimo a ponderar ter a decisão do mesmo respaldo legal ou então que ninguém mais entende de nada, com exceção naturalmente dos conservadores. Por outro lado, lembro também que, na França, não obstante o casamento igualitário ter sido aprovado pelo Legislativo local, os conservadores não aceitaram a decisão do parlamento e vêm ameaçando o governo Hollande, por seu apoio aos direitos LGBT, com uma versão neocon da queda da Bastilha. Em outras palavras, a questão legal parece ser o de menos nessa história ou, como se diz popularmente, o buraco é mais embaixo.

É mesmo. Todo o texto de Fiuza, fora as invectivas contra o presidente do STF, por supostas ilegalidades, encontra-se - retomando - perpassado pelo ressentimento quanto à visibilidade do tema homossexual. Já começa demonstrando seu desgosto com essa visibilidade ao afirmar que "a causa gay, como todo mundo sabe, virou um grande mercado comercial e eleitoral. Hoje, qualquer político, empresário ou vendedor de qualquer coisa tem orgulho gay desde criancinha."  E termina com: "Um jogador de basquete americano anuncia que é homossexual, e isso se torna um espetáculo mundial, um frisson planetário."  Ou ainda: "O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, dá declaração solene até sobre a opção sexual dos escoteiros. Talvez, um dia, os gays percebam que foram usados demagogicamente, por um presidente com sustentação política precária, que quer se safar como herói canastrão das minorias."

De fato, a temática LGBT se tornou recorrente na imprensa hoje em dia, mas a razão para isso é muito simples, até óbvia: o processo de reconhecimento dos direitos civis das pessoas homossexuais é uma grande novidade e está em pleno andamento. Gays e lésbicas viviam se escondendo, mas vêm se assumindo cada vez mais, um fato bem recente. Nos países escandinavos, por exemplo, onde esse reconhecimento e visibilidade já tem anos, não há mais nenhum frisson sequer local quanto mais planetário sobre o assunto porque a novidade foi incorporada, os LGBT incluídos na sociedade. No resto do mundo ocidental, inclusive pela obstinada resistência dos conservadores em aceitar a lei universal da perpétua mudança, o assunto não sai das manchetes e provavelmente permanecerá nelas ainda por bom tempo. Passada essa fase, entrará no rol das coisas comuns das quais a imprensa não se ocupa.


Por isso, afirmei, no início do texto, que o pano de fundo das manifestações conservadoras contra os direitos homossexuais não são os excessos de parte da militância LGBT e sim a rejeição que os conservadores têm pela isonomia de direitos entre os seres humanos. Como, no caso dos LGBT, a repressão social se construiu  pela invisibilidade forçada da existência homossexual, é precisamente contra ela que os conservadores agora mais investem. Não por menos se escuta todo o tempo o discurso cínico do "não se deve levar o que se faz entre 4 paredes a público", que homossexual bom é homossexual "discreto" que não afronta a tirania heterossexista e não sai por aí levantando bandeira. Considerando a impossibilidade de se reivindicar direitos sem visibilidade social, conclui-se que - obviamente - os conservadores não querem homossexuais reivindicando direitos.

E no afã de obter esse intento, os neocons desejam inclusive convencer a população LGBT que - vejam só - as demandas do ativismo LGBT não atendem seus interesses. Em seu texto, Fiuza declara ao final:  "... A luta contra o preconceito precisa ser urgentemente tirada das mãos dos mercadores da bondade. Eles semeiam, sorridentes, a intolerância e o autoritarismo." Tira-se então a luta contra o preconceito das mãos dos "mercadores da bondade" para colocá-la nas mãos dos que repreendem os LGBT na base do "Já para o armário!"? Como se diz aos cães ou às criancinhas endiabradas!? É mole?

Entretanto, aviso aos neocons, a despeito das inúmeras diferenças existentes entre as pessoas homossexuais, ativistas ou não, e de suas diferentes visões de como encaminhar reivindicações por direitos ou lutar contra o preconceito, a maioria delas, salvo malucos portadores da Síndrome de Estocolmo, não quer saber de voltar para o armário, pois hoje tem certeza que armários foram feitos para roupas, não para pessoas. Assim como os negros saíram das senzalas para não mais voltar e as mulheres deixaram de ter no lar amargo lar seu destino e cárcere, os armários não mais aprisionarão os LGBT. Vale sempre repetir que a conservalha ladra (e luta encarniçadamente contra as mudanças sociais), mas a humanidade sempre passou e agora - mais uma vez - passa!!!!

Já para o armário
Guilherme Fiuza

A causa gay, como todo mundo sabe, virou um grande mercado comercial e eleitoral. Hoje, qualquer político, empresário ou vendedor de qualquer coisa tem orgulho gay desde criancinha. Se você quer parecer legal perante seu grupo ou seu público, defenda o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Você ganhará imediatamente a aura do libertário, do justiceiro moderno. Você é do bem. Em nome dessa bondade de resultados, o Brasil acaba de assistir a um dos atos mais autoritários dos últimos tempos. Se é que o Brasil notou o fato, em meio aos confetes e serpentinas do proselitismo pansexual.

O Conselho Nacional de Justiça decidiu obrigar os cartórios brasileiros a celebrar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Tudo ótimo, viva a liberdade de escolha, que cada um case com quem quiser e se separe de quem não quiser mais. Só que a bondade do CNJ é ilegal. Trata-se de um órgão administrativo, sem poder de legislar e o casamento, como qualquer direito civil, é uma instituição fundada em lei. O CNJ não tem direito de criar leis, mas tem Joaquim Barbosa.
Joaquim Barbosa presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça é o super-herói social. Homem do povo, representante de minoria, que chegou ao topo do Estado para "dizer as verdades que as pessoas comuns querem dizer". O Brasil é assim, uma mistura de novela com jogo de futebol. Se o sujeito está no papel do mocinho, ou vestindo a camisa do time certo, ele pode tudo. No grito.

Justiceiro, Joaquim liberou o casamento gay na marra e correu para o abraço. Viva o herói progressista! Se a decisão de proveta for mantida, o jeito será rezar para que o CNJ seja sempre bonzinho e não acorde um dia mal-humorado, com vontade de inventar uma lei que proíba jornalistas de criticar suas decisões. Se o que o povo quer" pode ser feito no grito, o que o povo não quiser também pode. O Brasil já cansou de apanhar do autoritarismo, mas não aprende.

E lá vai Joaquim, o redentor, fazendo justiça com as próprias cordas vocais. Numa palestra para estudantes de Direito, declarou que os partidos políticos brasileiros são "de mentirinha". Uma declaração absolutamente irresponsável para a autoridade máxima do Poder Judiciário, que a platéia progressista aplaude ruidosamente.

Se os partidos não cumprem programas e ideias claras, raciocinam os bonzinhos, pedrada neles. Por que então não dizer também que o Brasil tem uma Justiça "de mentirinha"? Juízes despreparados, omissos e corruptos é que não faltam. Quantos políticos criminosos militam tranquilamente nos partidos "de mentirinha", porque a justiça não fez seu papel? A democracia representativa é baseada em partidos políticos. Com todas as suas perversões e são muitas -, eles garantem seu funcionamento. E também legitimam a ação de gente séria que cumpre programas e ideias, pois, se fosse tudo de mentira, um chavista mais esperto já teria mandado embrulhar o pacote todo para presente, com Joaquim e tudo.
A resolução do CNJ sobre o casamento entre homossexuais é uma aberração, um atropelo as instituições pelo arrastão politicamente correto. A defesa da causa gay está ultrapassando a importante conquista de direitos civis para virar circo, explorado pelos espertos. Um jogador de basquete americano anuncia que é homossexual, e isso se torna um espetáculo mundial, um frisson planetário. Como assim? A esta altura? A relação estável entre parceiros do mesmo sexo já não é aceita na maior parte do Ocidente? Por que, então, a decisão do jogador é uma bomba? Simples: a panfletagem pró-gay virou um tiro certo. 

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, dá declaração solene até sobre a opção sexual dos escoteiros. Talvez, um dia, os gays percebam que foram usados demagogicamente, por um presidente com sustentação política precária, que quer se safar como herói canastrão das minorias.

Ser gay não é orgulho nem vergonha, não é ideologia nem espetáculo, não é chique nem brega. Não é revanche. Não é moderno. Não é moda. É apenas humano.

A luta contra o preconceito precisa ser urgentemente tirada das mãos dos mercadores da bondade. Eles semeiam, sorridentes, a intolerância e o autoritarismo. Já para o armário!

Fonte: Época - 28/05/2013

Consciências fragmentadas: direitos humanos x direitos dos manos

quarta-feira, 20 de março de 2013 1 comentários

Fla-flu esquerda x direita gera esquizofrenia política *


Por Míriam Martinho

Nas últimas semanas, muita gente foi às ruas e a sessões da Câmara Federal protestar contra a indicação do pastor Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal. Obscurantista profissional, com falas absurdas contra negros e homossexuais, sua nomeação faz parte do festival de escárnios com que a classe política dos país nos brinda cotidianamente. Cumpre ressaltar, aliás, antes de seguir adiante, que essa nomeação é fruto da saída do PT (da comissão da qual sempre foi titular) e de outros partidos, em benefício do PSC, partido de Feliciano, como resultado das negociatas entre os integrantes da base aliada do governo Dilma

Mas voltando ao festival de escárnios, só para listar alguns dos últimos insultos ao povo brasileiro,  também foram nomeados para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara), os mensaleiros João Paulo Cunha (PT-SP) e José Genoino (PT-SP), condenados, pelo STF, a anos de prisão por formação de quadrilha. 

Para a presidência da CMA (Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor, Fiscalização e Controle do Senado) foi indicado o ex-governador do Mato Grosso Blairo Maggi (PR-MT), tido como um devastador do meio-ambiente por muitos ecologistas. 

Para a Comissão de Finanças, o deputado João Magalhães (PMDB/MG) que responde a três inquéritos no Supremo Tribunal Federal – por peculato, tráfico de influência e crime contra o sistema financeiro, tendo por isso os bens bloqueados. 

E, na presidência do Senado, ficou Renan Calheiros (PMDB-AL), denunciado pelo procurador da república, Roberto Gurgel, ao Supremo Tribunal Federal (STF), por desvio de dinheiro público, falsidade ideológica e uso de documento falso. Segundo o Ibope, que ouviu mil pessoas entre os dias 3 e 4 de março, 74% dos brasileiros gostariam que o Senado exigisse a renúncia de Calheiros da presidência do órgão, mas até hoje isso ainda não resultou em qualquer ação concreta. 

Como se não bastasse, agora a Procuradoria da Câmara quer controlar a internet para tirar do ar vídeos e comentários que desagradam aos parlamentares, particularmente o conteúdo publicado no portal Blogger e no site de vídeos Youtube, duas das maiores marcas pertencentes ao Google. 

Em resumo, nossa democracia está muito ruim das pernas e protestar é mesmo preciso. Mas por que esses protestos são tão seletivos? Por que os que agora protestam contra a presidência de Feliciano também não protestam contra a participação dos mensaleiros na comissão de justiça e cidadania e, em geral, nunca participaram das marchas contra a corrupção? Por que os que nessas manifestações contra Feliciano levantaram cartazes com os dizeres "Eu tenho fé. Eu tenho fé nos direitos humanos" não estiverem presentes também na defesa da blogueira cubana Yoani Sánchez, quando em visita ao Brasil, impedida de falar em várias ocasiões por uma turba de brucutus autoritários? 

Yoani Sánchez defende os direitos humanos em seu país, às voltas com a mais antiga ditadura da América Latina. Pelo contrário, registrou-se inclusive a presença de ativistas LGBT, como uma tal de Yasmim Nóbrega (que afirmou pertencer à Liga Brasileira de Lésbicas), na manifestação da livraria Cultura, em SP, contra o direito da blogueira falar. Seguramente essa mesma ativista é contrária à presidência de Feliciano na comissão de direitos humanos da Câmara por este ser contra os direitos humanos (sic). Aliás, alguém viu “feministas” se manifestarem contra esses ataques fascistóides que atingiram uma mulher como elas? Alguém viu a Ministra da Justiça, Maria do Rosário, se pronunciar contra os ataques à blogueira? E a OAB e a ABI? Algum comentário? Nada. Silêncio gritante. 

Contra o acossamento a Yoani Sánchez se pronunciaram apenas a chamada direita liberal, alguns poucos da esquerda democrática, os simplesmente civilizados e os oportunistas. Alguns conservadores também encheram a boca para falar na vergonha alheia que sentiam pelo tratamento dado à ilustre visitante cubana, embora os mais extremistas não concordassem em apoiá-la por considerá-la agente de desinformação comunista (há mais estupidez entre a esquerda e a direita do que sonham as vãs filosofias). 

Por outro lado, agora diante da kafkiana nomeação de um paladino contra os direitos humanos para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, alguns dos que se horrorizaram com o tratamento dado a Yoani defendem as falas absurdas de Feliciano, negando, à revelia dos fatos, que sejam racistas ou homofóbicas, alegando que o pastor é vítima da esquerda, dos gays e dos politicamente corretos. O colunista do site da Veja, Reinaldo Azevedo, cada vez mais incoerente, chegou ao ponto de acusar de intolerantes os que foram às ruas protestar contra o descalabro de um discriminador numa comissão destinada a combater a discriminação contra minorias. Para ele, a verdade é que os manifestantes querem cassar a liberdade de expressão (sic) do pastor, tadinho.

É necessário reaglutinar os setores realmente democráticos da sociedade brasileira sob a bandeira do conceito de universalidade dos direitos humanos, aqueles direitos inerentes a quaisquer indivíduos, não importando sua doutrina ou ideologia, a que partido pertença, em que país viva, seu sexo, etnia, orientação sexual ou crença religiosa.

Vale salientar que o conceito de liberdade de expressão se transformou, na boca de muitos ditos conservadores, num termo bombril que, entre suas mil e uma utilidades, também se presta a passe livre para o incitamento ao ódio a segmentos da população mais vulneráveis, sobretudo os homossexuais. Incitamento ao ódio que conspira – diga-se de passagem - contra a harmonia social e resulta em ações contra os direitos civis de parte da população brasileira. Não custa lembrar que foi com discursos de ódio que os totalitários nazifascistas e comunistas pavimentaram o caminho rumo aos campos de concentração e às execuções em massa de populações por eles estigmatizadas. Palavras não são meras bolhas de sabão. Muitas funcionam como cimento na construção das barbáries várias que mancham a história da humanidade. Basta que elas cheguem ao poder de Estado para que se transformem de opiniões que devemos respeitar, por mais que as detestemos, em ações concretas contra  bodes-expiatórios de ocasião. Há que se refletir sobre isso. 

É certo que o clima para o debate civilizado sobre liberdade de expressão em nosso país está anuviado pelas permanentes ameaças contra a imprensa vindas do PT, de setores da esquerda autoritária e de seus movimentos sociais amestrados, com os tais “marcos regulatórios da mídia”, “democratização das comunicações”, toda essa novilíngua que tenta esconder a simples intenção de censura. Fora todo o contexto latino-americano de claro cerceamento à liberdade de opinião. Entretanto, também é certo que muitos obscurantistas estão se valendo desse mau tempo para sair desopilando seus fígados cirróticos às custas de segmentos da população a que se acostumaram a ver como Genis, contra os quais se pode jogar josta impunemente, sob a desculpa esfarrapada de que o autocontrole imprescindível à vida em sociedade é de fato um cerceamento à liberdade de expressão. Não, não é não. 

Em resumo, a sociedade brasileira engajada em política vive um quadro esquizofrênico. Os direitos humanos foram substituídos pelos direitos dos manos. Se uma causa ou a vítima de alguma violência é tida como de “esquerda”, protestam os que se identificam como de “esquerda”. Os de “direita” se omitem contra os abusos (sobre o caso Feliciano, ouvi de um mané :“essa briga é entre evangélicos e gays, não é minha”,) ou buscam banalizar a violência, ou até justificá-la, ou desmerecer a causa em questão. Se uma causa ou a vítima de alguma violência é tida como de “direita”, protestam os que se identificam como de “direita”. Os de “esquerda” se omitem ou buscam banalizar a violência, ou até justificá-la, ou desmerecer a causa em pauta (“essa Yoani Sánchez é porta-voz da mídia de direita, agente da CIA, mercenária, por isso que se dane se a impedem de falar”). 

Enfim, de verdadeiros defensores dos direitos humanos esses opostos que quase se tocam não têm nada. São consciências fragmentadas atuando em curraizinhos doutrinários e ideológicos na defesa apenas de seus manos de “direita” ou de “esquerda”. Chama a atenção como criticam nos seus opostos o comportamento que é comum a ambos, buscando justificar sua parcialidade no trato da questão dos direitos humanos com base na igual parcialidade de seus inimigos políticos. Esse posicionamento pareceria simples birra de criança mimada não tivesse consequências nada pueris: “como você não é da minha turma, não pensa como eu, não vou defender nada do que você defende”. Se o que um lado ou outro defende tem fundamento não importa porque, como quadrúpedes, os defensores dos direitos dos manos levam viseira e só enxergam numa direção. 

Faz tempo que a consciência dessa esquizofrenia vem crescendo em minha mente e me deixando angustiada pela falta de alternativas a que ela leva o Brasil. Felizmente, parece que não estou sozinha nessa percepção. Nesta última sexta-feira, o jornalista Fernando Gabeira escreveu um artigo para o Estadão, intitulado É o fundo do poço, é o fim do caminho que vai na mesma direção da minha reflexão. Diz o jornalista sobre a nomeação de Feliciano (atentar para meus sublinhados): 

“Não foi um relâmpago em céu azul, mas resultado de um longo processo de degradação que transformou o Congresso desenhado por Niemeyer numa espécie de caverna sombria, com lógica oposta à da sociedade, que a mantém. Ao longo desses anos a comissão sempre foi dirigida pela esquerda. Partidos de outros matizes não se interessam por ela, associando, erradamente, direitos humanos à esquerda. A longa hegemonia de um setor acabou enfraquecendo o tema, uma vez que o viés ideológico tende a enxergar humanidade apenas no seu campo político.

Um grande mérito dos direitos humanos é sua universalidade. São direitos de um indivíduo, não importa a que partido pertença, em que país tenha nascido ou viva. Quando Lula comparou os presos políticos de Cuba aos traficantes do PCC, o movimento não reclamou. Quando comparou os opositores em luta no Irã a torcidas de futebol, novo silêncio. Há pouca solidariedade com as populações que vivem sob o controle armado do tráfico. E uma tendência histórica é ver o policial apenas como um transgressor dos direitos humanos, ignorando até os que morrem em atos de bravura. 

Abandonada pelos grandes partidos, a comissão foi, finalmente, rejeitada pelo PT. A esquerda não compreendeu integralmente o conceito de universalidade e a direita, ao ignorar os direitos humanos, joga fora o bebê com a água de banho.

Não foram nossos erros no movimento de direitos humanos que trouxeram Feliciano ao centro da cena. Ele não chegou ao topo à frente de uma onda racista e anti-homossexual, apesar de suas declarações bombásticas. Ele triunfou porque é cafajeste, e essa condição hoje é indispensável para o ascender no Congresso. Expressa um longo processo de degradação impulsionado pelo PT. 

Exato. Repito e acrescento: a longa hegemonia da esquerda sobre a área dos direitos humanos acabou enfraquecendo o tema, uma vez que o viés ideológico tende a enxergar humanidade apenas no seu campo político. A esquerda não compreende integralmente o conceito de universalidade, e a direita, ao ignorar os direitos humanos, joga fora o bebê com a água suja da bacia. Toda essa situação expressa um longo processo de degradação impulsionado pelo PT, de fato o grande beneficário de toda essa fragmentação das consciências que leva à corrosão das estruturas democráticas.

Basta ver que, por trás das agressões à Yoani Sánchez, esteve o petismo em conluio com o embaixador cubano em nosso país, num atentado à soberania nacional. Basta ver também que foi, principalmente graças à vacância do PT da comissão de direitos humanos, da qual o partido sempre foi titular, em benefício do PSC de Feliciano, que o dito chegou à presidência dessa instância. Que petistas estejam agora participando de protestos contra a presença de Feliciano na comissão de direitos humanos não espanta. À parte seu proverbial cinismo, essas participações também funcionam como cortina de fumaça a escamotear as nomeações dos mensaleiros petistas Genoíno e Paulo Cunha, para a comissão de Justiça e Cidadania, e sobretudo como forma de não perder o controle sobre os movimentos sociais a quem encabrestraram faz tempo. (Nas fotos das manifestações contra Feliciano, viram-se também cartazes contra Renan e Baggi, mas nada sobre Genoíno e Paulo Cunha).

Gabeira termina seu texto desconsolado, dizendo desconhecer como reconstruir a ruína em que se transformou o Congresso Nacional e que estreita o horizonte do país. Concordo que a situação é desoladora, mas prefiro apontar para uma possível solução a mergulhar na desesperança: é necessário reaglutinar os setores realmente democráticos da sociedade brasileira sob a bandeira do conceito de universalidade dos direitos humanos, aqueles direitos inerentes a quaisquer indivíduos, não importando sua doutrina ou ideologia, a que partido pertença, em que país viva, seu sexo, etnia, orientação sexual ou crença religiosa. Salientando que o conceito de universalidade dos direitos humanos não é mero blá-blá-blá a fim de mascarar as desigualdades para eternizá-las e fomentar o conformismo entre os discriminados. Buscar igualdade de oportunidades para todos perante a vida e igualdade perante a lei são essenciais para a efetivação do ideal da universalidade dos direitos humanos.

É imprescindível, portanto, lançar uma ponte sobre as consciências fragmentadas dos participantes desse fla-flu de bregas de esquerda versus jecas de direita, pois estes apenas se retroalimentam dos próprios excessos, hipocrisia, ódio e discórdia às custas do futuro da sociedade brasileira. Não há outra saída.

* Fotomontagem a partir da capa do livro La mente dividida, La Epidemia de los trastornos psicosomáticos

Movimento LGBT: Traído pela própria miopia política

sábado, 3 de março de 2012 4 comentários


Autora: Míriam Martinho

Os ativistas do movimento LGBT que depositaram sua confiança no senso de justiça e modernidade de um governo de esquerda assistem perplexos ao descaso do executivo e do legislativo com nossas bandeiras, com nossas conquistas e à posição de protagonista do retrocesso que vimos assistindo. (Traídos,  Oswaldo Braga

O trecho acima foi retirado do texto "Traídos", do ativista LGBT Oswaldo Braga dando conta de sua perplexidade, diante dos conluios do governo que elegeu com notórios inimigos dos direitos  homossexuais, e do sentimento de que os LGBT foram traídos por ele. 

Não duvido da sinceridade das declarações desse ativista, mas questiono, contudo, a base de seus sentimentos, considerando que o PT apresentou, nesses anos em que tem estado no poder, indícios incontestes de "volubilidade política", contradizendo bandeiras que pregou durante anos enquanto oposição, fora sua amizade com  ditadores mundo afora, alguns deles, como o presidente do Irã, Ahmadinejad, notório assassino de homossexuais, sem falar nos Castro da pobre Cuba prisioneira.

Desde que chegou ao governo federal, o PT tirou sua máscara de partido da ética, de esquerda renovada, não autoritária, e iniciou um processo de desmanche das instituições democráticas brasileiras, sobretudo através da corrupção que espalhou por todo o tecido social do país. Também Dilma, durante as eleições de 2010, pelo projeto de poder do partido, foi mudando de ideias e abraçando evangélicos e católicos conservadores. De tal ordem foi seu compromisso com os "cons" que hoje tanto a Igreja quanto os evanjas dão broncas públicas na dita, quando algo em seu governo não lhes agrada, e ela bota o rabinho entre as pernas. Então, os ativistas LGBT não viram todo esse contexto antes para agora se sentirem traídos? 

A população LGBT é uma das mais vulneráveis que existe. O preconceito que a atinge bem como os preconceitos contra as mulheres se sobrepõem às visões de mundo que, desde o século XVII, vêm moldando o mundo em que vivemos, a saber liberalismo, conservadorismo, socialismo. Esses preconceitos são milenares e advêm das religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo, islamismo). Nesse sentido, no máximo, podemos dizer que os conservadores, por serem em geral herdeiros diretos do pensamento dessas religiões (e os que são influenciados por eles), são de fato os nossos grandes inimigos.

Mas a esquerda, a quem o Oswaldo atribui senso de justiça e modernidade, há apenas 30 anos (equivalente a 3 anos de uma vida humana) também tratava os homossexuais na base do porrete, mandando-os para campos de reeducação (eufemismo para campos de concentração) dos quais muitos não saíram vivos, pois a homosssexualidade era considerada contrarrevolucionária, produto da decadência da burguesia. Mesmo em países socialistas que não desenvolveram políticas específicas contra homossexuais, a vida homossexual era ultrarrestrita porque o Estado totalitário, típico desses países,  controlando todos os passos dos indivíduos, restringia inclusive a convivência e a coabitação entre pessoas de mesmo sexo. 

Vamos lembrar que, aqui mesmo em nosso país, o incipiente Movimento Homossexual Brasileiro (MHB) teve problemas com essa esquerda, em seus primórdios em fins década de setenta, e as então integrantes do MR8, do sr. Franklin Martins, em 1981, tentaram inclusive impedir a participação das lésbicas no Congresso da Mulher Paulista pois, segundo elas, as lésbicas não seriam mulheres. Agora mesmo, na Rússia do sr. Putin, ex-membro da KGB, a polícia secreta da URSS comunista, retornam as restrições até ao direito de se falar de homossexualidade. A sombra do stalinismo ainda parece rondar a terra da vodka. Então, com um histórico desses, não é equivocado primeiro relacionar "governo de esquerda" com senso de justiça e modernidade? Segundo, tendo essa esquerda mudado de postura quanto aos homossexuais num prazo tão curto de tempo, pode ser considerada confiável? Parece que não, não é mesmo?

Por fim, os liberais, no Brasil uma pequena mas influente minoria. Se o pleito dos homossexuais for por direitos iguais perante a lei ou pelo direito de dispor de seu próprio corpo como bem entender, a maior parte dos liberais irá apoiá-lo. Entretanto, se os direitos homossexuais vierem atrelados, como têm estado no Brasil, a socialismos, comunismos, esquerdismos vários, obviamente o apoio não virá. Em geral, aliás, liberais são muito discretos sobre o assunto ou por não considerá-lo muito relevante ou por temer prejudicar alianças políticas que lhes são caras. É que, diante da ameaça "vermelha", os liberais "esquecem" as diferenças que têm com os conservadores (que com o passar do tempo incorporaram sobretudo o liberalismo econômico) e fecham aliança com eles na base do inimigo do meu inimigo é meu amigo

Os conservadores, por sua vez, num misto de ignorância e má-fé, hoje batem no mantra de que os direitos homossexuais, o feminismo, entre outras demandas da modernidade, são fruto do marxismo cultural. Trata-se de enorme falácia, mas, como contestar tal bobagem, se esses movimentos estão no momento de fato infestados de marxistas entoando louvores a Cuba e organizando manifestações onde os direitos LGBT vêm misturados a uma suposta luta anticapitalista? No próximo 8 de março, por exemplo, Dia Internacional da Mulher, com certeza, "brilhantes" feministas socialistas estarão levando novamente essa bandeira em comemoração a uma data sobre a qual, só para variar, também mentem.

Resumo da ópera: LGBTês não têm aliados automáticos, incondicionais. Só têm alianças contingenciais, condicionais, que se alteram ao sabor dos movimentos que fazem nas peças do xadrez político e dos interesses dos grandes jogadores políticos. Daí a importância fundamental de não se atrelar o movimento LGBT (e outros) a qualquer partido em particular, sobretudo, a partidos que têm projetos de poder claramente antidemocráticos. 

Ao contrário do que muitos afirmam, não foram as eleições de 2010 que marcaram a hora da virada dos conservadores, que estão em ascensão, mas sim um evento anterior a elas que funcionou como gota d'água para muita gente cansada dos descalabros do lulopetismo. Esse evento foi a assinatura do famigerado Programa Nacional dos Direitos Humanos III, por Lula e Dilma Roussef (então Ministra da Casa Civil), onde questões legítimas de direitos de homossexuais, negros e mulheres vieram misturados a projetos de censura à imprensa, relativização do direito de propriedade privada, desarmamento da população, entre outras pérolas da cantilena autoritária da esquerda viúva do Muro de Berlim. 

Esse programa infame, que depois Dilma renegou mas permanece na pauta do PT e seus movimentos amestrados, funcionou como sinal de alerta para democratas e conservadores e levou, sobretudo, à reação conservadora exacerbada contra temas como o aborto e os direitos homossexuais nas eleições de 2010. No samba do conservador doido, todos esses temas estão intrinsecamente - e não extrinsecamente - ligados ao "socialismo/comunismo" e fazem parte de um plano para destruir a família e a cristandade (sic).

Mais do que outros grupos sociais, por sua vulnerabilidade, homossexuais devem investir pesadamente é na consolidação da democracia (de fato) representativa no Brasil, no Estado de Direito (igualdade perante a lei), onde se inclui a laicidade, na transparência, no fim da corrupção, na cidadania, nos direitos dos indivíduos contra os inimigos da liberdade. Apesar de suas limitações, a democracia constitucional permanece sendo o que de melhor a humanidade inventou para  administrar a si mesma. Antes de seu advento, havia as trevas do feudalismo e da monarquia absolutista, dos quais descendem os atuais conservadores. Depois dela, as trevas dos regimes totalitários, fascismo, nazismo, comunismo (dos quais descende boa parte da dita esquerda), onde muitos homossexuais pereceram via campos de concentração e execuções sumárias. 

Traídos de fato somos, por nós mesmos, quando deixamos de apoiar a democracia que busca a igualdade e a liberdade, apesar das dificuldades dessa luta, e nos deixamos levar pelo canto de sereia de utopias que o tempo já arquivou por distópicas, e que ninguém deveria - para o bem de todos - retirar de suas mofadas prateleiras. 

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