Em dezembro de 1982, era lançado o primeiro número do boletim Chanacomchana seguido de outros 11 números (ver resgate do CCC 1 aqui, CCC2 aqui, CCC 3 aqui, CCC 4 aqui, CCC 5 aqui, CCC6 aqui, CCC 7 aqui, CCC 8 aqui, CCC 9aqui, CCC 10aqui, CCC 11aqui, CCC 12 aqui). Neste artigo, abordo oChanacomChana 1, não sem antes falar do contexto histórico e político de onde o periódico emerge, fundamental para entender sua produção e conteúdo (ver mais informações emMemória Lesbiana: 41 anos de ChanacomChana e aqui).
O Grupo Ação Lésbica-Feminista (GALF) e sua primeira publicação, o boletim Chanacomchana, nascem durante o primeiro ciclo do MHB (Movimento Homossexual Brasileiro) também chamado de ciclo libertário (78-83/84) porque nele prevaleciam as ideias da Contracultura, aquele grande guarda-chuva de movimentações e movimentos socioculturais e comportamentais que se inicia já nos anos 50, percorre as décadas de 60 e 70, terminando no início dos anos 80. Retomando elementos do anarquismo e do romantismo, a Contracultura vai priorizar a revolução individual, politizando o cotidiano e as inter-relações humanas (o privado é político) e retomando a máxima gandhiana de que as pessoas tinham que se tornar a mudança que queriam ver no mundo. Não havia interesse na tomada de poder do Estado, objetivo dos partidos políticos, mas sim na revolução molecular dos grupos discriminados e oprimidos que unidos superariam a incompetência da América católica e seus ridículos tiranos (Enquanto os homens exercem seus podres poderes, índios e padres e bichas, negros e mulheres e adolescentes fazem o carnaval - Caetano Veloso).
Na prática, os grupos daquele incipiente movimento se preocupavam com a não reprodução da política tradicional, suas hierarquias, disputas de poder, discursos da boca para fora, e tentavam (com pouco sucesso) não reproduzir suas mazelas. Nesse sentido também, pregavam a autonomia dos movimentos sociais em relação aos partidos políticos, uma das bandeiras de maior bom senso daquela época. O GALF era tributário dessas ideias (vide o texto Autonomia), via esquerda libertária, das ideias do feminismo de segunda onda, com seu questionamento dos papéis sexuais, e das correntes do separatismo lésbico do também incipiente movimento lésbico internacional.
A Revolução DIY
Todo esse amálgama de ideias e inspirações aparecem nas páginas do Chanacomchana do seu período inicial e nele permanecem no período posterior, de 1985 em diante, apesar do afã revolucionário contracultural do MHB ir sendo paulatinamente substituído pelo reformismo pragmático de grupos como o GGB e o Triângulo Rosa.
Também do ponto de vista gráfico, o CCC vai seguir a ética e a estética contracultural do "Do It Yourself - DIY" (Faça você mesmo) matriz, entre outras produções, dos fanzines produzidos artesanalmente, com colagens e mistura de tipos gráficos, e, no conteúdo, com uma miscelânea de textos políticos, tirinhas, desenhos, poesias, depoimentos, notícias e app arcaico de namoro (o Troca-cartas). Nas vendas, o corpo a corpo junto ao público-alvo ou, posteriormente, via correios através do sistema de associação.
Nem o GALF nem o ChanacomChana refletem qualquer luta contra a ditadura militar mesmo porque seu contexto histórico é o do governo da abertura do general Figueiredo, da redemocratização, que se iniciara com a revogação do AI-5 em 13/10/78, ainda sob o governo Geisel. De fato, o governo Figueiredo foi uma democratura, uma convivência de elementos ainda autoritários do regime em decomposição com aumento crescente de características democráticas caminhando a passos largos para o restabelecimento do poder civil. Embora a censura, só revogada com a Constituição de 1988, ainda existisse no período, ela não vitimou o GALF ou o ChanacomChana em momento algum. Tal fato pode ser constatado facilmente pela simples leitura dos Chanas onde não se encontram sequer informes referentes ao regime militar, muito menos registro de qualquer arbitrariedade que tenhamos sofrido dos militares. O GALF e suas publicações foram, de fato, insurgências contra a ditadura da heterossexualidade obrigatória praticamente onipresente do período.
GALF - ILIS - p. 1 O Lesbianismo e um barato - p. 2 Mulher de chuteira - p. 3 Carta por Sandra Mara - p. 5 I Festival Nacional de Mulheres nas Artes - p. 6
Em dezembro de 1982, era lançado o ChanacomChana 1, que se insere no período inicial do GALF (10/81 a 08/ 85) correspondente à fase em que a organização adota o histórico do coletivo que o precedeu, o Grupo Lésbico-Feminista (05/1979-06/1981), divide sedes com o grupo gay Outra Coisa de Ação Homossexualista e promove a hoje célebre invasão do Ferro’s Bar. Também é o período em que o grupo vive vários conflitos com o Movimento Feminista por este não incorporar a questão lésbica à sua agenda oficial.
Por ser a primeira edição do boletim CCC, ela ainda não tem a separação por seções que vou introduzir nos números posteriores, apesar de já aparecerem os informes.
Informes, p. 1 (Míriam Martinho)
O boletim se inicia com alguns informes sobre o GALF, ainda intitulado então de Grupo de Ação Lésbico-Feminista, e sobre o Serviço de Informação Lésbica Internacional (ILIS), organização criada por lésbicas europeias que vai ter grande importância na expansão do movimento lésbico para além da Europa e dos EUA nos anos 80 e 90.
No primeiro texto que escrevi para a coleção CCC, O Lesbianismo é um Barato, e ilustrei com a tirinha Não Sofra Calada, também de minha autoria, eu criticava a postura do grupo feminista SOS Mulher, um coletivo feminista que, embora dissesse lutar contra a violência sobre as mulheres, não abordava a violência específica contra as lésbicas.
No texto, eu me remetia a uma gíria da época, “barato”, sobre os efeitos prazerosos do uso de algumas drogas. Equivale ao “brisa” atual. No entanto, significava também uma coisa muito legal. Várias gírias da época vieram do mundo dos usuários de drogas, mas que adquiriram acepções mais abrangentes. “Careta” era a princípio quem não tomava drogas, mas se expandiu para designar pessoa muito certinha, conservadora. Ficar de bode era fundamentalmente um pós viagem ruim de drogas, mas se expandiu para estar deprimido, de mau humor. Enfim, ainda estávamos sob os eflúvios da Contracultura e sua muito conhecida apreciação pelas drogas de vários tipos que influenciavam inclusive as gírias.
Nesse texto, então, eu afirmava que o lesbianismo era uma coisa muito boa, um barato, mas o preço que a gente pagava para curtir esse barato era bem caro. Coerente com a visão do GALF do lesbianismo como algo político, transcendendo à orientação sexual, vou dizer que o lesbianismo era um barato porque propunha o amor entre as mulheres bem no meio das estruturas ultramisóginas do sistema patriarcal. Também por demonstrar que as mulheres não estavam tão ilhadas nas diferenças de classe, “raça” ou sexualidades, a ponto de não poderem trabalhar juntas, pois inclusive as lésbicas eram negras, brancas, mães, operárias, donas de casa e frequentemente tinham intersecções com todas as mulheres.
Mulher
de Chuteira (p. 3-4)
Mulher de Chuteira- Charge Míriam Martinho para CCC1
Entrevista com jogadoras de futebol feminino da boate lésbica Moustache, Mulher de Chuteira (p. 3-4) feita pelo coletivo do GALF da época. Vale lembrar que o futebol feminino foi vetado por Getúlio Vargas em 14 de abril de 1941, via o Decreto-Lei 3.199, art. 54, que proibia as mulheres de praticar esportes que não fossem "adequados a sua natureza". No início da ditadura militar, em 1965, o Conselho Nacional de Desportos (CND) citou nominalmente os esportes proibidos para as mulheres, como "lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo-aquático, Rugby, halterofilismo e beisebol”. Entretanto, ainda na vigência do regime militar, o decreto do Vargas foi extinto em 1979, e o futebol feminino regulamentado em 1983. Ou seja, um pouco depois da entrevista das jogadoras ao Chana em que pediram para não ter seus nomes citados. Em 11/08/2024, as jogadoras brasileiras de futebol trouxeram novamente a prata olímpica de volta ao Brasil.
Carta
por Sandra Mara (Rosely Roth)
Texto, de Rosely Roth, sobre a ex-interna da FEBEM Sandra Mara Herzer que se suicidara em 9 de agosto de 1982 e sobre o livro A Queda Para o Alto, lançado em outubro de 1982, contendo um misto de poesias e relatos de Sandra sob o pseudônimo de Anderson Herzer. Acompanha também o texto de minha autoria do panfleto Carta por Sandra Mara que o GALF distribuiu na Assembleia Legislativa de São Paulo por ocasião do lançamento do livro. Vale ressaltar que Sandra Mara, apesar de adotar persona e pseudônimo masculinos, não era nenhum "homem trans", pois não havia tal identidade na época. Lésbicas masculinizadas eram chamadas somente de sapatões, franchonas, caminhoneiras, etc. Reescrituras da história, retratando, como "homens e mulheres trans", gays e lésbicas que representavam estereótipos de gênero atribuídos ao sexo oposto ao seu, não passam de anacronismo, algo a ser evitado por qualquer pessoa que queira ter alguma credibilidade intelectual.
I
Festival Nacional De Mulheres Nas Artes, p. 6 (Míriam Martinho e Rosely Roth)
Matéria sobre o Festival de Mulheres nas Artes (3-12/09/1982), p. 6 a 10, que teve como principal organizadora a atriz Ruth Escobar (também foi deputada estadual), personalidade de destaque do período. A matéria foi redigida por mim e Rosely, registrando nossas impressões sobre esse evento tão diverso e rico em vários sentidos. Fora as programações artísticas propriamente ditas, o Festival promoveu o futebol feminino que, pela primeira vez, entrou no estádio do Morumbi, e trouxe palestras com expoentes do feminismo internacional como Kate Millet, Dacia Maraini, Antoinette Fouque, estas duas últimas falando das implicações políticas da lesbianidade, algo bem oposto ao discurso da lesbianidade como opção sexual vigente no feminismo brasileiro da época. São abordagens provocativas que resistiram ao tempo e valem a leitura. A matéria registra ainda a censura à música "Franchitude de Francha" (Gisele Fink-Míriam Martinho) que foi proibida de concorrer, pela censura federal, no Festival Feminino da Canção para o qual havia sido aprovada. A música era uma paródia das relações tumultuadas das sapatas do Ferro's Bar, muito influenciada pelas músicas do cantor e compositor Eduardo Dussek.
O GALF redigiu uma nota de protesto contra a censura que reproduzo por ser um exemplo das diferenças de pensamento entre o ativismo daquela época e de hoje. Atitudes censórias eram típicas do governo militar que nos governava há quase duas décadas. Daí a frase: "Acreditamos que toda e qualquer censura é uma violência a um direito intrínseco de todo ser humano: o direito a expressão de seu pensamento."
O ativismo de hoje, sob a desculpa de combater discursos de ódio (e praticamente tudo virou discurso de ódio), não faz outra coisa que não querer censurar tudo e todos que não sigam por suas linhas tortas via cultura do cancelamento. Nesse afã, como os ditadores do passado, "destroem a criação, a consciência, a crítica positiva, a liberdade, o bom humor, o ser humano..."
Liberdade, abra as asas sobre nós
O FESTIVAL NACIONAL DAS MULHERES NAS ARTES representou uma oportunidade para que nós, mulheres, pudéssemos mostrar nossos trabalhos há tanto tempo silenciados pela cultura masculina.
E é esta mesma cultura, da qual tantas vezes gomos cúmplices, que como não poderia deixar de ser, manifestou-se concretamente durante este Festival. A música "Franchitude de Francha", classificada na terceira eliminatória, foi proibida pela censura federal. Acreditamos que toda e qualquer censura é uma violência a um direito intrínseco de todo ser humano: o direito a expressão de seu pensamento.
A liberdade é como uma máquina nova, enquanto não se tiver contato com ela, não será possível aprender a manejá-la. Proibir a música "Franchitude de Francha" é manter ideias pré-concebidas que destroem a criação, a consciência, a crítica positiva, a liberdade, o bom humor, o ser humano, um povo .
Liberdade, abra as asas sobre nós." (p. 7)
Informes, p. 10 (Míriam Martinho)
Na última página do CCC1, voltamos aos informes, com destaque para a notícia do encontro das organizações civis da época com o governador Franco Montoro, eleito na primeira eleição direta para o Palácio dos Bandeirantes desde 1962. Neste encontro, o GALF reivindicou o fim do parágrafo 302.0 que rotulava a homossexualidade como doença, o direito dos casais homossexuais à custódia de seus filhos e à adoção de crianças, etc...
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Um Outro Olhar
quarta-feira, 17 de novembro de 2021
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Lésbicas, gays e bissexuais são mais vulneráveis a pôr a própria vida em risco - iStock
O público formado por lésbicas, gays e bissexuais tem seis vezes mais chance de cometer suicídio, de acordo com a revista científica americana Pediatrics, que ainda afirma: o risco de suicídio é 21,5% maior quando esse público convive em ambientes hostis à sua orientação sexual .
Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) conduz ampla pesquisa sobre a questão
O risco de suicídio entre lésbicas, gays e bissexuais adultos varia bastante, conforme a relação entre a identidade sexual e outros aspectos, como sexo, idade e raça/etnia, de acordo com um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH). O trabalho analisou dados de uma pesquisa de abrangência nacional com adultos dos Estados Unidos e revelou que adultos lésbicas, gays e bissexuais tiveram maior propensão a relatar pensamentos, planos e tentativas de suicídio nos últimos 12 meses em comparação com adultos heterossexuais.
Tais constatações foram publicadas no American Journal of Preventive Medicine, e apontam que a intersecção de múltiplas identidades sociais pode aumentar o risco de suicídio para alguns indivíduos lésbicas, gays e bissexuais.
Conforme declarou Rajeev Ramchand, PhD, consultor sênior em epidemiologia e prevenção de suicídio no NIMH e principal autor do estudo, os achados demonstram a importância de perguntar sobre a identidade sexual durante a coleta de dados em nível nacional e destacam a necessidade urgente de serviços de prevenção do suicídio relacionados às experiências e necessidades específicas de lésbicas, gays e adultos bissexuais de diferentes idades e raças e grupos étnicos.
Quando examinados como um grupo, adultos que se identificam como lésbicas, gays ou bissexuais têm taxas mais altas de pensamentos suicidas e tentativas em relação aos adultos heterossexuais, segundo mostraram pesquisas feitas anteriormente. No entanto, poucos estudos investigaram a variação dentro desse grupo no risco de suicídio.
Múltiplos fatores estão envolvidos no risco de suicídio
A hipótese formulada pela equipe de pesquisa foi a de que o risco de suicídio pode variar, e muito, conforme a identidade sexual, sexo, idade ou raça/etnia de uma pessoa. Para testar essa hipótese, os pesquisadores analisaram dados da Pesquisa Nacional de Uso de Drogas e Saúde (NSDUH), um estudo em nível nacional com civis adultos nos Estados Unidos.
Os pesquisadores examinaram dados de 2015, quando o estudo introduziu pela primeira vez questões sobre identidade sexual, até 2019. Os dados resultantes somaram um total de 191.954 participantes, 14.693 dos quais identificados como lésbicas, gays ou bissexuais.
Durante a pesquisa, os participantes declararam sua identidade sexual (heterossexual, lésbica ou gay, bissexual ou “não sei”) e se tiveram pensamentos suicidas, planos de suicídio ou tentativas de suicídio em algum momento nos últimos 12 meses. Esses dados foram examinados em relação a certas características individuais, como idade (18-24, 25-34, 35-64), raça/etnia (branca, negra, hispânica, outra raça/multirracial) e gsexo (homem, mulher). Também foram consideradas certas características sociodemográficas, como nível de escolaridade e situação de emprego.
Os dados da NSDUH, segundo pesquisas anteriores, mostraram que as taxas de todos os três comportamentos relacionados ao suicídio – pensamentos, planos e tentativas – eram geralmente mais altas entre lésbicas, gays e adultos bissexuais do que entre adultos heterossexuais. Depois de incluírem fatores demográficos, descobriu-se que o risco de suicídio era de três a seis vezes maior para lésbicas, gays e adultos bissexuais do que para adultos heterossexuais, em todas as faixas etárias e categorias de raça/etnia.
Entre os homens gays e bissexuais, 12% a 17% pensaram em tirar suas vidas no ano anterior, 5% haviam traçado um plano de suicídio e cerca de 2% haviam feito uma tentativa de suicídio. Entre mulheres lésbicas e mulheress, 11% a 20% tiveram pensamentos suicidas, 7% esboçaram um plano de suicídio e cerca de 3% fizeram uma tentativa de suicídio.
As informações não mostraram diferenças no risco de suicídio de acordo com a raça/etnia, entre homens gays e bissexuais. No entanto, entre as mulheres lésbicas e bissexuais, os dados indicaram que as afrodescendentes tinham menor risco de pensamentos e planos suicidas em relação às mulheres brancas.
Analisando a intersecção específica entre a identidade sexual minoritária e raça/etnia, os pesquisadores descobriram que as mulheres brancas e negras que se identificaram como bissexuais eram mais propensas a relatar pensamentos suicidas em relação às mulheres brancas e negras que se identificaram como lésbicas.
Considerando a intersecção entre identidade sexual minoritária e idade, descobriu-se que os pensamentos suicidas também eram relativamente maiores entre mulheres bissexuais no grupo de 35-64 anos, em comparação com mulheres lésbicas na mesma faixa etária.
Um grupo não uniforme em relação ao risco de suicídio
De acordo com os pesquisadores, os dados do NSDUH têm limitações, com poucas opções para os participantes relatarem seu sexo, identidade sexual e raça/etnia. Também foi colocado que os dados da NSDUH são observacionais e não fornecem evidências de qualquer efeito causal da identidade em pensamentos e comportamentos suicidas.
Juntos, esses resultados mostram claramente que lésbicas, gays e adultos bissexuais não constituem um grupo uniforme quando se trata de risco de suicídio. Em vez disso, o risco de suicídio varia consideravelmente dependendo da intersecção entre identidade sexual, idade e raça/etnia.
Fonte: National Institute of Mental Health
Como identificar o risco de suicídio em alguém?
Não existe uma receita para identificar se uma pessoa próxima da gente está pensando em tirar a própria vida. Algumas pessoas podem dar algumas pistas de que estão sofrendo, ou que têm pensado na morte, enquanto outras, não. Mas algumas atitudes merecem atenção:
Mudanças repentinas de comportamento ou personalidade (a pessoa de repente fica mais calada, passa a se isolar, ou parece mais agitada do que de costume, etc.);
Mudanças no desempenho (o jovem começa a ir mal na escola, o adulto começa a faltar ou tem queda de produtividade no trabalho, etc.);
Palavras, desenhos ou expressões que demonstram falta de esperança, pessimismo, sensações de vazio ou de culpa (isso pode se manifestar até nas redes sociais que a pessoa utiliza, com postagens de textos, imagens ou vídeos mais sombrios);
Perda de interesse em atividades que antes eram rotina (a pessoa deixa de ir à igreja, abandona a atividade física ou o hobby, etc.);
Falta de autocuidado ou mudanças na aparência (a pessoa deixa de fazer a barba ou cortar o cabelo, não toma mais banho todo dia, engorda ou emagrece, etc.);
Uso mais intenso de álcool, cigarro ou drogas;
Sinais de automutilação, como marcas de cortes ou queimaduras no corpo;
Falar com mais frequência sobre temas relacionados à morte, fazer testamento ou seguro de vida, começar a doar pertences;
Prevenção do suicídio
No Brasil, ocorrem cerca de 12 mil suicídios por ano, ou 32 a cada dia, de acordo com levantamentos mais recentes divulgados pelo Ministério da Saúde. O número vem crescendo, segundo diversas pesquisas, especialmente em certos grupos mais vulneráveis.
O CVV (Centro de Valorização da Vida) sugere que, entre o desejo de acabar com a dor e a vontade de viver, existe a possibilidade de buscar ajuda e desenvolver condições internas de lidar com o sofrimento. É por isso que falar sobre as nossas emoções é fundamental.
Estima-se que 90% dos suicídios podem ser prevenidos. Por isso, é importante perder o medo e buscar ajuda. Muitas vezes, ter com quem falar, colocar o sofrimento para fora e poder contar com um “ombro amigo” fazem toda a diferença.
O Centro de Valorização da Vida oferece apoio emocional a todas as pessoas que precisam conversar, sob total sigilo, pelo telefone 188 (ligação gratuita), ou por e-mail, chat ou chamada via internet, todos os dias, 24 horas. Você também pode buscar auxílio profissional dos CAPS (Centros de Apoio Psicossocial - SUS) e nas Unidades Básicas de Saúde (Saúde da Família, Postos e Centros de Saúde).
Clipping Lésbicas, gays, bissexuais e suicídio: um risco multifatorial, Dr. Jairo Bouer, UOL, 14/11/2021
Um Outro Olhar
segunda-feira, 15 de novembro de 2021
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Leilane Neubarth e atual namorada Gaia Maria se refrescando em queda-d'água (Foto: Reprodução Instagram)
A jornalista Leilane Neubarth, 62 anos, estranhou quando, ao se tornar avó, passou a receber mensagens e brincadeiras de conhecidos com a estereotipada imagem de uma senhora idosa, de cabelo branco em coque, óculos e tricô na mão. “Eu não sou esse tipo de avó. Muitas mulheres que eu conheço também não são”, disse. O estalo a motivou a pesquisar sobre o assunto, com o intuito de criar um programa de TV voltado para o público com mais de 50 anos. Com o isolamento imposto pela pandemia – que atingiu principalmente os idosos –, Leilane, afastada da grade da GloboNews, tirou o projeto da gaveta e desenvolveu O Tempo que a Gente Tem, programa dirigido por Susanna Lira, exibido às quintas-feiras no canal pago GNT. Nele, a jornalista recebe convidados famosos e anônimos e, pela primeira vez, se abre sobre sua vida pessoal. Ela deu a entrevista abaixo para a revista Veja sobre o projeto e o amadurecer no trabalho e no amor.
Por que sentiu a necessidade de fazer este programa? Pois esse público, do qual eu faço parte, não é representado na televisão e na publicidade. Ironicamente, o público 50+ é o que mais assiste televisão e muitos estão aposentados, com tempo e poder aquisitivo para consumir. Entendo que os canais queiram atingir os jovens, mas não podem ignorar o público fiel, que vê novela, que assiste jornal, que mantem esse hábito há anos. Assim, pensamos em um programa em tom de documentário e não reportagem, dividido em quatro partes, com temas como amor e trabalho. A ideia não é dizer como as pessoas devem envelhecer. Não é: “beba água, faça exercícios tantas vezes por semana, olha essa cirurgia plástica”. A ideia é ouvir pessoas e suas experiências, não especialistas trazendo regras.
Existe a ideia de que o envelhecer é mais difícil para a mulher. Concorda? Na verdade, não. É curioso que ao falar de envelhecimento, logo pensam na aparência. Mas essa não é uma temática da série. Esse é um assunto que preocupa mais as mulheres no pré-envelhecimento, não tanto as que já estão no envelhecimento. Existem coisas mais importantes que falar de rugas. Para os homens, por exemplo, um grande dilema do envelhecer é a perda do poder que muitos costumam ter na vida profissional, mas não se reflete dentro de casa. Se tudo der certo, quero fazer uma segunda temporada voltada para o público masculino.
Qual foi a grande mudança na sua vida após os 50? Foi na vida amorosa. Eu não tinha a menor ideia do que viria a acontecer comigo na maturidade. Me casei com o primeiro marido aos 20, me separei aos 26, e, aos 28, me casei com meu segundo marido. Tive dois filhos, um de cada casamento. Com meu segundo esposo, vivi 22 anos casada. A relação sofreu um desgaste grande e nos separamos. Eu sofri muito, tinha planejado minha vida com ele, envelhecer com aquele homem. Lembro que, na época, falei para minha terapeuta: “cara, sonhei a vida inteira em envelhecer com um marido, e tudo naufragou”. Ela respondeu: “talvez seja melhor você sonhar com outras coisas, porque esse sonho aí já não rolou. A menos que você queira ser infeliz pelos próximos 30 anos”. Paralelamente, aconteceu uma coisa totalmente inesperada: aos 52 anos, eu me apaixonei por uma mulher.
Leilane e Gaia Maria em shopping da zona sul do Rio
Isso não havia passado por sua cabeça antes?
Não, nunca imaginei que me apaixonaria por uma mulher. Algumas pessoas me falavam: “Ah, então você sempre foi gay e foi infeliz porque era casada com um homem”. Não! Eu era feliz com minha vida sexual, amorosa, matrimonial. Só que aí eu me separei e, de repente, as coisas começaram a acontecer e surgiu essa outra emoção, outro sentimento, uma outra atração que eu nunca tinha pensado. Se me perguntam: “Você nunca teve tesão em mulher?”. Não, não tinha. Acho que foi algo que surgiu num momento em que eu estava priorizando a delicadeza amorosa e a harmonia. Então, de lá pra cá, eu venho tendo relações homossexuais.
E está feliz? Muito, muito feliz. Mas se você me perguntar “vai ser assim a vida inteira?”, não sei. Eu parei de fazer planos, porque o plano que não se concretiza nos frustra. Sem planos, sem frustrações (risos). Hoje tenho uma namorada, estamos juntas há pouco mais de um ano.
Como jornalista, dona de uma postura impessoal e acostumada a ouvir entrevistados, como foi se abrir sobre sua vida pessoal no programa? Foi estranho, foi bem estranho no começo. Porque pode não parecer, mas eu sou uma pessoa bem tímida. A Leilane jornalista é outra coisa, pergunta, não tem pudor, sobe em carro alegórico, vai na cadeia conversar com presas. Eu não tinha o costume de falar da minha vida pessoal. Acho mais fácil falar dos outros. Mas a proposta da Suzana era que eu me abrisse, pois tenho um lugar de fala na conversa.
Há 40 anos você trabalha como jornalista, no calor de eventos marcantes. Como foi ser afastada durante a pandemia? Nossa, foi péssimo. Foi péssimo. Eu passei por uma montanha-russa de emoções, como todo mundo, né? No primeiro dia em casa, eu chorava, chorava. Quando me deram a notícia, que todos com mais de 60 anos seriam afastados, eu tentei rebater. Disse que era saudável, que eu poderia ser uma exceção, mas não deu. Tive momentos de ficar em casa enlouquecida com o noticiário, com duas televisões ligadas ao mesmo tempo, em canais diferentes, 24 horas por dia. Chegou um momento que eu estava tão intoxicada, que coloquei um limite, com horários para consumir informação. Passei a ler, ver séries e desenvolvi esse programa.
Como foi pisar no estúdio de novo? Nossa, me senti como se fosse a primeira vez que eu botava os pés ali. Eu entrei na Globo aos 19 anos, lembro que meu coração saltava, era uma excitação estar naquele lugar. Agora, de novo, me senti uma criança no primeiro dia de escola. Percebi que tenho medo de ser improdutiva, e que isso é muito comum na velhice. A conclusão que cheguei com esse programa é que a velhice produtiva é o melhor caminho. Existem muitos caminhos, para além de um emprego. Você pode empreender, fazer trabalho voluntário, artesanato, plantar, dar aula. São muitas opções. Eu, por exemplo, fiz um curso de florista. Se eu deixar o jornalismo, já tenho um plano B!
Há 40 anos, oficialmente no dia 17 de outubro de 1981, eu fundava, com Rosely
Roth e colaboradoras, o Grupo Ação Lésbica Feminista (GALF),
estatutariamente sob o codinome de Grupo Ação de Liberação Feminista.O registro do grupo como feminista, preservando a
sigla “GALF”, visava evitar problemas com os cartórios (que costumavam
dificultar o registro de grupos de gays e lésbicas na época) e pragmaticamente
atender nossas necessidades de abrir conta em banco, ter uma caixa postal,
receber dinheiro via vale postal e outras formalidades. Visava também
proteger as lésbicas que nos escreviam
(a maioria no armário), caso tivessem que escrever o nome do grupo por extenso.
O grupo ficaria incomunicável, entre a maioria das sapatas da época, se usasse
a palavra lésbica para esses trâmites institucionais. Outros grupos do período
encaravam o registro no cartório até como parte da luta homossexual, mas nós
avaliávamos que, na relação custo-benefício, não valia o custo. Além disso,
para uma organização que vendia um boletim com o nome “Chanacomchana”,
assumir-se no cartório era o de menos.
Neste resgate, retomo partes do texto 19 de agosto: há 38 anos o GALF invadia o Ferro’s Bar,
onde já abordara a trajetória do GALF, mas trazendo novos dados e
esclarecimentos sobre a hoje histórica e muito mistificada sigla. Neste
texto, busco em particular desconstruir um pouco essas mistificações. Para tal,
entre outras coisas, divido a trajetória do GALF em dois períodos: do início em
outubro de 81 até meados de 1985 e de meados de 1985 até seu final em 1989
(oficialmente em março de 1990).
O período inicial do GALF (10/81 a 08/ 85) corresponde à fase em que a organização
adota o histórico do coletivo que o precedeu, o Grupo Lésbico-Feminista(05/1979-06/1981),
divide sedes com o grupo gay Outra Coisa de Ação Homossexualista e inicia a
produção do boletim ChanacomChana a partir de dezembro de 1982, além de
promover a hoje célebre invasão do Ferro’s Bar. Também é o período em que o
grupo tentou sem sucesso fazer com que o Movimento Feminista incorporasse a
questão lésbica à sua agenda oficial.
O segundo período, de meados de 1985 a 03/1990, corresponde ao fim da
identificação do GALF com seu predecessor LF (pela constatação de que de
fato não houvera uma continuidade real entre os dois coletivos); à perda
das sedes públicas (as reuniões do grupo passaram a ocorrer em meu apartamento);
à maior divulgação do grupo, em particular pelas aparições de Rosely Roth na
mídia impressa e televisiva, à aproximação com o incipiente movimento lésbico
internacional, à participação em encontros lésbicos internacionais e ao
progressivo distanciamento do movimento feminista que culminaria com o fim da
própria organização.
GALF primeira fase (10/81 a
08/85): problemas de identidade
Nos seus primeiros 3 anos e meio aproximadamente (de outubro de 1981 a meados
de 1985), o GALF vai adotar a trajetória do Grupo Lésbico Feminista (LF),
coletivo que o precedeu, fato observável nos históricos que eu mesma redigi nos
boletins ChanacomChana até sua oitava edição (agosto de 1985). Como hoje
existe muita fabulação sobre o GALF, com gente se dizendo integrante do mesmo
sem nunca ter sido, vale aprofundar esse tema, esclarecendo a parte que
possivelmente nos toca nessas mistificações.
A incorporação da trajetória do
Lésbico-Feminista ao histórico do GALF, em seus primeiros anos, se deveu a uma
somatória de fatores, entre simplórios e surreais, que criou uma ilusão de
continuidade em nossas cabeças: a sede que Rosely encontrara, no centro de São
Paulo (Praça da República), onde também nos conhecemos, ter sido pensada para o
lésbico-feminista (que morreu na praia); eu e Rosely termos vindo, a partir de
momentos distintos, desse coletivo; o tempo que separava o fim do LF do início
do GALF ter sido ínfimo (em torno de 4 meses) e, sobretudo, nossa decisão de continuar
com um grupo específico de lésbicas em vez de submergir nossa identidade em
alguma identidade feminista genérica (lero muito em voga na época). Fora também
algum sentimentalismo barato pelo fim do coletivo
anterior.
Vendo em perspectiva, deveríamos ter deixado o Lésbico-feminista morrer em paz
em vez de ter-lhe dado uma sobrevida artificial de três anos e meio. Deveríamos
ter fundado um outro grupo lésbico-feminista, mas com nome bem distinto do
anterior, já que eu e Rosely estávamos também iniciando uma interação (não
estivemos juntas no LF). De qualquer forma, o GALF só vai ter três assinaturas
e uma única identidade: a do cartório, Grupo Ação de Liberação Feminista, Grupo de Ação Lésbico-Feminista
(como aparece nos dois primeiros números do Chana, 82-83) e Grupo Ação
Lésbica-Feminista de maio de 1983 em diante (como pode ser constatado nos editoriais e pequenos expedientes dos boletins Chanacomchana e Um Outro Olhar.
(CCC 3, p.1-2)
Só a partir de meados de 85, nos cai de vez a ficha de que a suposta
continuidade entre os dois coletivos não só nunca existiu de fato como, ao
contrário, na verdade, o que houve foi ruptura entre ambos, ruptura e
abandono. A maioria das lésbicas que participou do lésbico-feminista ou
deixou a militância ou se meteu no armário do heterocêntrico movimento
feminista do período, algumas inclusive agindo paradoxalmente como agentes de
invisibilização lésbica. Em consequência, já nos ChanascomChana de 9 a 12, cessam
os históricos do GALF, onde aparecia incorporada a trajetória do LF (nos
números 11 e 12 do Chana
desaparece inclusive o logo LF), processo que continua nos boletins Um Outro
Olhar, do número 1 ao número 10, também publicados pelo GALF. No final de 1986, num
histórico do ChanacomChana para associadas do GALF, eu já fazia um ajuste de contas
com os fatos e separava o GALF do LF (ver mais no tópico sobre a segunda fase
do GALF) . E, no último histórico do GALF que publiquei no boletim Um Outro
Olhar 9, de novembro de 1989, de fato um balanço da primeira década de
mobilização lésbica no Brasil, 1979-1989: 10 anos de movimentação lésbica no Brasil
(p.8-17), repito essa conscientização aí já para lá de consolidada.
Nesse balanço, o histórico do Grupo Lésbico-Feminista é apresentado como
realmente se deu, de maio de 1979 até meados de 81 (oficialmente até outubro de
1981), e o do Grupo Ação Lésbica Feminista (GALF), a partir de outubro de 81
até seu término extraoficial no final de 1989. Essa separação não foi, claro,
uma negação dos históricos que escrevi nos primeiros números do ChanacomChana,
que incluíam as atividades do LF como parte das do GALF, mas sim um ajuste de
contas com os acontecimentos e uma depuração da identidade dos dois
coletivos que de comum só tiveram mesmo duas ativistas e o termo
lésbico-feminista. Não raro nossos desejos não combinam com os fatos.
Vale salientar outros aspectos distintivos entre os dois coletivos como o contexto
em que se desenvolveram e sua composição. O Grupo Lésbico-Feminista, surge, a
princípio, como um subgrupo do grupo Somos, em maio de 1979, e sofre grande
influência deste em seu perfil. Vai ser, em seu breve tempo de existência, um
grupo fundamentalmente de socialização e
pegação com um núcleo de militância. Nesse sentido, chegou a ter umas 30
mulheres circulantes, mas com no máximo 10 delas tendo algum ativismo real. Vai
emergir no momento de ascensão do primeiro ciclo do movimento homossexual no
Brasil, de 79 a 80, ainda sob os
eflúvios contraculturais, e desaparecer com o início do refluxo desse movimento
em meados de 81. As polêmicas que enfrentou foram relativas a seu posicionamento
no racha do Somos (Lampião, n. 25, p. 8), ao tema da autonomia do movimento homossexual frente às
tentativas de cooptação da esquerda ortodoxa (Convergência Socialista) e ao
impacto de sua entrada no heterossexista movimento feminista do período. Era um
coletivo mal alinhavado, muito anárquico, que não conseguiu adquirir
consistência para sobreviver mais do que dois anos. Apesar de haver mantido uma
única identidade natural, Grupo Lésbico-Feminista (LF), caracterizou-se por ter
mais assinaturas do que tempo de vida, incluindo uma que excluía o termo
lésbico (sic). Foi logo absorvido pelo movimento feminista.
A propósito da questão da assinatura sem o termo "lésbico", no texto Ai, que São Paulo gostoso..., deLeila Míccolis, publicado no Lampião da Esquina 22 (03/1980), p.3, sobrea segunda reunião organizadora do I Encontro Brasileiro de Homossexuais (03/02/1980 em SP), lê-se o seguinte:
Com exceção do BEIJO LIVRE (Brasília) e do GAAG (Rio), todos os demais grupos se fizeram representar: ATUAÇÃO FEMINISTA/SP (Déa e Conceição) AUÊ/ RIO (Leila e Marcelo). EROS/SP (Luis Antônio e Luzia). LIBERTOS/GUARULHOS (Magal e José). SOMOS/RIO (João Carneiro e Yone), SOMOS/SP (Emanuel e Jimmy). SOMOS/SOROCABA (Hilário e Fran).
No mesmo artigo, Míccolis também explica quem era o tal Atuação Feminista-SP, ninguém mais do que o camaleônico Grupo Lésbico-Feminista em mais uma de suas inúmeras assinaturas.
No domingo, o tempo de uma hora estipulado
para o almoço teve de ser um pouco ampliado,
pela demora de atendimento nos barzinhos da
14-Bis. Eu e algumas pessoas do Auê ficamos com
a turma da Atuação Feminista. ex-Lésbico Feminista (tiraram o "lésbico" por repercutir de
forma muito violenta entre as pessoas).
〰
O GALF, por outro lado, já começou como um grupo autônomo, tendo seu registro
em cartório como ponto de partida. Vai se desenvolver no período de
esvaziamento do movimento homossexual que se inicia em meados de 81 e se mantém
por toda a década de 80. Sempre foi um grupo pequeno, com uma média de 5, 6
integrantes durante sua longa trajetória, e com um perfil fundamentalmente de
estudo e militância. Nada do clima “relações abertas, sexo, drogas e
rock’n´roll” característico do LF, ainda que também tenha formado namoradas em
seu tempo de existência. Perto do LF, o GALF era careta,felizmente. Conseguiu
obter a consistência necessária para sobreviver cerca de longos 8 anos e meio,
sobretudo em função da produção e venda dos boletins ChanacomChana e Um Outro
Olhar. Como desafios, enfrentou o questionamento da identidade lésbica-homossexual
que levava inevitavelmente à desmobilização política, o heterossexismo do
movimento feminista que hostilizava a politização das questões lésbicas, a
perda das sedes públicas, no início de 1985, e o esvaziamento do movimento
homossexual. Foi um coletivo de resistência e vanguarda (num contexto
particularmente adverso) que o movimento feminista nunca conseguiu deglutir. E,
como já dito, teve apenas uma identidade fundamental: Grupo Ação Lésbica
Feminista.
Destaques da linha do tempo da primeira fase do
GALF (10/81-08/1985):
Com o Movimento Homossexual do período, sobretudo na
parceria com o grupo gay Outra Coisa, o GALF desenvolveu várias atividades, com
destaque para:
jun. de 82 (com o Outra Coisa): “Viva a Homossexualidade” (debates sobre
feminismo e lesbianismo e política e desejo; exibição dos filmes “O homem que
deu cria” e “Trotta” na sede dos dois grupos. E debate sobre “homossexualismo e
partidos políticos” no Teatro Ruth Escobar).
ago. de 82: encontro com o psicanalista e filósofo Félix Guattari na
sede do GALF-Outra Coisa.
out. de 82: debate sobre
feminismo e homossexualismo com representantes de todos os partidos políticos
na sede do GALF-Outra Coisa.
9 dez. de 1982: Encontro do GALF e do Outra Coisa e outras entidades
civis com o governador recém-eleito Franco Montoro (o primeiro a ser
diretamente eleito ainda sob o regime militar). Foram reivindicadas, entre
outras coisas, que o Secretário da Segurança Pública pusesse fim às prisões
arbitrárias de homossexuais feitas pela polícia civil e militar e ao Secretário
de Saúde que apoiasse a exclusão do parágrafo 302.0 do Código de Saúde do
Inamps que rotulava o homossexualismo como “desvio e transtorno sexual”.
05 de abril de 1983: Encontro com o Secretário de Segurança de São
Paulo, Manoel Pedro Pimentel, onde reivindicou um tratamento menos
preconceituoso das forças de segurança em relação a gays e lésbicas, repetindo
a reivindicação já feita ao governador.
23 a 29/05/1983: Debate sobre Autonomia e os Grupos Alternativos
com representantes de grupos homossexuais, de feministas e negros. Mostra de
arte gay e lésbica; exibição dos vídeos “A Dama do Pacaembu” e “A Mulher de
Barba”, de Rita Moreira, e do filme alemão “Henrique”. Festa no Teatro Ruth
Escobar
Integrantes do GALF que participaram da manifestação do Ferro's Bar (exceto Liete e Maria Rita)
19/08/1983: Manifestação do Ferro’s Bar– após serem proibidas de vender
o boletim ChanacomChana, no Ferro’s Bar, tradicional ponto de encontros das lésbicas paulistanas e de todo o país, em 23/07/1983 e de distribuir panfleto,
em 13/08/1983, convocando para a manifestação, as integrantes do GALF, com seu
parceiro Outra Coisa, e outros grupos gays e feministas “invadiram” o Ferro’s
Bar e obtiveram dos donos do bar o direito a vender o boletim sem problemas. As
integrantes do GALF que participaram da manifestação foram Célia Miliauskas, Elisete Neres, Luiza Granado, Míriam Martinho, Rosely Roth e Vanda Frias.
Entre os gays identificáveis pelas fotos, Ricardo Calil Cury e Antônio
Carlos Tosta (do Outra Coisa) e Nestor Perlongher, na época do Somos (entre
os gays, há outros atores a identificar nas fotos). As feministas presentes no evento Bete
Feijó, Maria Teresa Aarão (Teca), Sonia Álvarez, Míriam Botassi e Regina
Estela.
Elisete Neres foi uma das integrantes do GALF que participou da manifestação do Ferro's Bar e acaba de partir. R.I.P.
Agosto de 1983
– perda da sede da Rua Aurora, por excesso de atividades no
espaço (sic.). O GALF e o Outra Coisa vão ocupar, durante o segundo semestre de
1983, a sede que fora do Grupo Somos que se extinguira, na Rua da Abolição, Bela Vista, e, de janeiro a março de 1984, um apartamento na rua Teodoro Baima,
na República, perto do início da Consolação. Após a desestruturação do Outra
Coisa, no final de março de 1984, o GALF tenta dividir um espaço com o Centro de Informação Mulher (CIM), de
abril a dezembro de 1984, quando arbitrariamente este grupo despeja o GALF do
local em 21/12/1984 (exemplo de sororidade feminista).
Com o Movimento Feminista do período, o GALF participou de várias
atividades, tais como:
março de 1982 – participação no8 de março, Dia Internacional da
Mulher, com venda de camisetas, distribuição do tabloide ChanacomChana 0 e um
texto sobre a data. Também interferimos para que se colocasse uma cena sobre a
violência contra lésbicas no teatrinho que o grupo SOS-Mulher apresentou no
evento.
início de maio de 1982 – participação no intitulado “happening” do
Ibirapuera, onde o grupo montou uma barraquinha para vender camisetas, livros e
frutas anunciadas com plaquinhas que diziam “coma uma frutinha para transar com
sua vizinha” ou “o enrustimento mata“.
julho de 1982 - participação no IV Encontro Nacional Feminista,
Campinas, São Paulo
Setembro de 82 – Participação do Festival das Mulheres nas Artes onde fez
contatos e entrevistas com feministas internacionais como Antoinette Fouque
(França), Dacia Maraini (Itália) e Kate Millet (EUA). Também passou uma moção
de repúdio contra a proibição da música Franchitude de Francha, pela Censura, e
garantiu que fosse apresentada hours concours.
março de 1983 – participação na organização do 8 de março e da festa
política referente à data no Museu de Arte de São Paulo.
março de 83 – encontro com a feminista Dacia Maraini que voltara ao
Brasil entre março e abril para dar um curso de roteiro na Faculdade Armando
Álvares Penteado (Mulherio, ano III, n. 13, maio/junho de 1983). Em históricos
do GALF consta que esse encontro teria se dado na sede do GALF, mas de fato ele ocorreu no Instituto Italiano (conforme fotos do mesmo).
abril de 1983 – Intervenção
num debate sobre Sexualidade e Violência, do grupo SOS Mulher, ocorrido no
Sindicato dos Jornalistas, onde entramos de máscaras, para simbolizar a
situação da mulher homossexual, e distribuímos o texto intitulado Sobre
Violência, onde conclamávamos o movimento feminista a também defender as
lésbicas.
Setembro de 1984 - GALF consegue passar trechos de texto sobre saúde
lésbica, que também propunha a exclusão do código 302.0, num documento
feminista apresentado durante I Congresso Brasileiro de Proteção
Materno-Infantil no Senado Federal.
Novembro de 1984 – Participação no I Encontro Nacional de Saúde da Mulher,
dos dias 15 a 18 de novembro, em
Itapecerica da Serra.
Destaque do GALF não relacionado diretamente ao movimento homossexual ou
feminista (vale salientar que a participação do GALF em encontros,
congressos, simpósios, etc., foi intensa. Aqui registrei só alguns eventos).
29 de junho de 1985 -Vivências
Lésbicas – atividade com
apresentação do filme Liana e do programa Hebe Camargo, com participação
de Rosely Roth, seguido de debate com participação da vereadora Irede Cardoso,
do psiquiatra Ronaldo Pamplona da Costa e da integrante do GALF Rosely Roth.
ChanascomChanas: produzi e editei neste período 8 edições do ChanacomChana,
a saber:
Dez. 82 - publicação do CCC 1
Fev. 83 - publicação do CCC 2
Maio 83 – publicação do CCC 3
Set. 83 – publicação do CCC 4
Maio 84 – publicação do CCC 5
Nov. 84 – publicação do CCC 6
Abr. 85 – publicação do CCC 7
Ago. 85 – publicação do CCC 8
GALF segunda fase (08/85 até 1989):Separando o Joio do Trigo, tornando-se nacional e
internacional
A partir de agosto de 1985, como já dito anteriormente, caiu de vez a ficha do
GALF de que a suposta continuidade entre ele e o coletivo do grupo lésbico
feminista, cujo histórico adotara a princípio, não só nunca havia existido de
fato como, ao contrário, na verdade, o que houvera fora ruptura entre ambos,
ruptura e abandono. Um evento do qual o GALF participou, o III Encontro
Feminista Latino-Americano e do Caribe, ocorrido em Bertioga, região
litorânea de São Paulo, dos dias 31 de julho a 4 de agosto, funcionou como o
estalo que faltava sobre essa realidade. Neste evento, o GALF vai se encontrar com
outro GALF (o Grupo de Autoconsciencia de Lesbianas Feministas), do Peru, com
quem já se correspondia, e organizar uma reunião lésbica ao ar livre perto de
um bar da colônia de férias que acolhia o encontro. Nessa reunião, lésbicas
latino-americanas, do Canadá, EUA e Europa relataram que, para seus respectivos
Movimentos Feministas, a questão lésbica ainda era um tabu, sendo ou
simplesmente omitida ou abordada raramente e de forma superficial. Dessa
reunião, participaram ex-integrantes do LF (Grupo Lésbico-Feminista (05/1979-06/1981), como Marisa Fernandes e Vilma Monteiro, que até deram
seus pitacos, mas não demonstraram qualquer interesse em voltar a ter uma
militância lésbica. Pareciam estar ali a passeio numa reunião social.
Um Outro Olhar
sexta-feira, 22 de outubro de 2021
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Aurore Foursy e Julie Ligot / Arquivo pessoal/Reprodução
Aurore Foursy descreve seu primeiro encontro com Julie Ligot como um dos mais longos da história. Depois de combinar no Tinder, elas se encontraram no apartamento de Julie na sexta à noite e ficaram juntas até segunda. A química foi instantânea.
Foursy era ativista LGBT de longa data. Ligot trabalhava em TI. Ambas estavam na casa dos 30 anos e queriam filhos. Elas logo foram morar juntas, limparam um segundo cômodo em seu apartamento e compraram um berço.
Era lógico para nós construirmos uma família juntas”, disse Foursy.
Graças a um decreto assinado pelo ministro da Saúde da França na quarta-feira (29), seu sonho pode finalmente se tornar realidade. Uma lei aprovada em junho, legalizando os tratamentos de fertilidade para casais de lésbicas e mulheres solteiras, já entrou em vigor.
É um grande passo para a França”, disse Foursy. “Estamos lutando há tanto tempo por esse direito.”
Tratamento de fertilidade
A França está agora entre um total de 13 países na Europa — 11 estados membros da União Europeia, bem como o Reino Unido e a Islândia — oferecendo tratamento de fertilidade para mulheres lésbicas e solteiras. As clínicas de fertilidade esperam um aumento na demanda.
Esperamos 200 pacientes extras por ano”, disse Laurence Pavie, que trabalha como gerente no centro de fertilidade da Diaconesses Croix Saint-Simon em Paris.
O mundo precisa saber que casais de lésbicas e mulheres solteiras são bem-vindos. Tentaremos dar a eles o melhor tratamento possível”, disse ela.
No início deste mês, o Ministério da Saúde anunciou US$ 9,3 milhões (cerca de R$ 50 milhões) extras em gastos com pessoal e equipamento para clínicas de fertilidade, para ajudá-las a lidar com o aumento previsto da demanda.
A ação visa reduzir o tempo de espera pelo tratamento de um ano, a média atual, para seis meses.
Crise de doação de esperma
Para a Dra. Meryl Toledano, que dirige sua própria clínica de fertilidade, essa meta parece ambiciosa.
Somente com o esperma francês, vamos lutar para atender à demanda”, disse ela.
A França não permite a importação de esperma do exterior. E, como a lei proíbe a doação de esperma em troca de dinheiro, a França também luta para ter a quantidade necessária.
A nova legislação também inclui o fim do anonimato garantido para doadores de esperma a partir de setembro de 2022, uma medida que provavelmente aumentará a escassez.
Os números oficiais mais recentes mostram que um total de apenas 317 doações de esperma foram feitas na França em 2019 — ante 386 em 2018 e 404 no ano anterior.
Campanha de informação
A Agência de Biomedicina, um órgão financiado pelo estado, planeja lançar uma campanha de informação online em 20 de outubro em uma tentativa de resolver a crise de esperma.
Doar esperma é uma ação íntima de solidariedade”, disse Helene Duguet, porta-voz da agência. “O primeiro passo é informar às pessoas que essas doações são possíveis e podem ajudar as pessoas a formar famílias. A ideia é incentivar os doadores nos próximos anos.”
Os longos tempos de espera causados pela falta de esperma significam que muitas lésbicas e mulheres solteiras mais velhas planejam continuar fazendo tratamentos de fertilidade no exterior — apesar da nova lei.
Toledano frequentemente recomenda que as mulheres mais velhas deem esse passo.
Na Espanha você consegue esperma em um dia, então os pacientes com dinheiro vão lá. Quem não tem dinheiro tem que esperar seis a 12 meses e corre o risco de não ter sucesso, porque, aos 40 anos, isso tem um efeito enorme na probabilidade de gravidez “, disse ela.
Uma jornada traumatizante
Agora com 38 anos, Marie concebeu um filho por fertilização in vitro na Bélgica em 2015 — quando ainda era ilegal para ela, como lésbica, receber esse tratamento na França.
Foi irritante. Eu pago impostos na França e tenho orgulho de pagar impostos e estou feliz por eles poderem ajudar outras pessoas. Mas eu teria ficado feliz se eu pudesse ter me beneficiado também [de tratamento de fertilidade]”, disse Marie, que solicitou que a CNN não usasse seu sobrenome para proteger a privacidade de seu filho.
Aurore Foursy / Arquivo pessoal/Reprodução
Depois de cinco anos de tentativas fracassadas, desgosto e mais de US$ 52 mil (cerca de R$ 280 mil) em despesas médicas e despesas de viagem, ela foi finalmente recompensada com o nascimento de sua primeira filha, Louise.
Meu primeiro tratamento de fertilidade foi um verdadeiro trauma”, disse ela. “Eu estava frustrada porque não estava funcionando. Eu odiava que outras pessoas tivessem tantas gestações indesejadas ou não planejadas. Fiquei amargurada. Eu odiava as pessoas. Eu me tornei alguém que não queria ser.”
Na esperança de ter um segundo filho, Marie agora foi para a Espanha com sua nova parceira — em parte porque tem medo de definhar em uma lista de espera na França.
Já tenho uma filha e não quero que ela não saia de férias porque estamos tentando dar a ela um irmão ou irmãzinha – e também porque eu não tenho a mesma idade que tinha naquela época “, disse ela.
Além das novas regras em torno da inseminação, a legislação também permite que mulheres na faixa dos 30 anos congelem seus óvulos, um procedimento até então disponível apenas para aquelas em tratamento médico que pode afetar a fertilidade.
A barriga de aluguel, no entanto, continua ilegal, deixando os gays, assim como as mulheres que não podem engravidar, em busca de outras opções ou viajando para o exterior.
Mas para muitos a nova lei ofereceu um vislumbre de esperança.
A luta acabou”, disse Foursy. “Todos têm os mesmos direitos. Todo tipo de mulher tem os mesmos direitos e posso escolher ser mãe ou não sozinha.”