Um Outro Olhar
terça-feira, 16 de agosto de 2022
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A HQ do dia do orgulho lésbico, de autoria de Márcio Baraldi (nos desenhos) e Míriam Martinho (no roteiro), foi publicada em 2004 para os eventos de celebração do dia daquele ano. A atual versão foi resumida e atualizada para os dias de hoje por Míriam Martinho.
Um Outro Olhar
quarta-feira, 23 de setembro de 2020
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Há 30 anos, no dia 04 de setembro de 1993, iniciava-se o VII Encontro Brasileiro de Lésbicas e Homossexuais (04-07/09), dando início à alteração, para GL a princípio, do nome dos encontros nacionais e do próprio movimento pelos direitos homossexuais, genericamente chamado até então de Movimento Homossexual Brasileiro (MHB).
Embora, no exterior, já se usasse inclusive a sigla LGBT à época, aqui a simples inserção da palavra lésbica se deu sob forte oposição dos grupos Gay da Bahia (GGB), Triângulo Rosa (RJ) e Dignidade (PR), entre outros (p. 4), que alegavam haver redundância na inserção do vocábulo "lésbica", pois homossexual era comum de dois gêneros, que a palavra lésbica era agressiva, que ia confundir a imprensa, que era divisionista, etc... Foi necessário que a comissão organizadora do encontro, composta, pela primeira vez, também por dois grupos lésbicos (Um Outro Olhar e Deusa Terra), fizesse consulta, com votação, a todas as organizações do país no período, para que o encontro se realizasse já com a inserção do termo polêmico. Com a anuência da maior parte dos grupos e moções de apoio de grupos feministas, de prevenção à AIDS, e até de grupos de gays e lésbicas do exterior, a vitória foi conquistada.
Polêmico também por ter sido realizado num reduto petista, Instituto Cajamar (devido à falta de condições financeiras de realizá-lo em São Paulo), o encontro foi um divisor de águas na história do movimento pelos direitos homossexuais. Divisor de águas não só por ter inserido a palavra lésbica (proposta por Míriam Martinho) e a discussão sobre sexismo no movimento (questão nunca bem resolvida até hoje) mas também por ter mudado a estrutura dos encontros, que passaram a ser mais profissionais, e ter dado início ao que viria ser a futura Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT) (p. 25). O Encontro reuniu igualmente militantes do início do movimento, que ficaram ausentes do mesmo por praticamente toda a década de 80 (p. 29), a então secretária-geral da ILGA, Rebeca Sevilla e até o cônsul americano do período (pp. 4, 5 e 6).
Outro ponto polêmico do evento foi o relativo à inclusão da não discriminação por orientação sexual na revisão constitucional da época. A proposta foi rejeitada pelo encontro por se acreditar que a inclusão não seria tecnicamente viável (pp. 15-16). Em vez dela, propôs-se a criação deuma lei extravagante que tipificasse os crimes cometidos contra a livre orientação sexual nos termos do inciso IV, artigo 3 (embrião da futura lei contra a homofobia). De fato, por ampla maioria de votos (250 contra, 53 a favor e 7 abstenções) foi rejeitada, em 02/02/94, no Congresso Nacional, a proposta revisional que previa a inclusão da expressa proibição de discriminação por orientação sexual na constituição brasileira (p. 15).
Na plenária final do encontro, entre outras deliberações, ficou decidido que os próximos encontros teriam a denominação de Encontros Brasileiros de Gays e Lésbicas. O encontro seguinte, realizado em Curitiba, em 1995, ficou definido como VIII Encontro Brasileiro de Gays e Lésbicas. No decorrer deste, as travestis reivindicaram e tiveram aprovada, sem polêmicas, a inserção do T para os encontros seguintes. Na década de 90, também o portal Mix Brasil ajudou a popularizar o termo lésbica, com a divulgação da expressão GLS, os grupos mistos passaram a se definir como gays e lésbicos e outras organizações especificamente lésbicas surgiram no Brasil.
A versão digitalizada do relatório do VII Encontro Brasileiro de Lésbicas e Homossexuais. pode ser lida e baixada aqui. No boletim Um Outro Olhar 21, às páginas 8 e 9, e 16 a 19, também podem ser encontradas mais informações sobre o evento. Boa leitura!
Um Outro Olhar
segunda-feira, 4 de maio de 2020
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Em 2008, o 26 de abril tornou-se o Dia Internacional da Visibilidade Lésbica
Em 2008, o 26 de abril tornou-se o dia da Visibilidade Lésbica.Conforme as fontes, hispanófonas ou anglófonas, a iniciativa é atribuída a ativistas do Estado Espanhol ou dos Estados Unidos da América. Nas fontes francófonas, a Journée de visibilité lesbienne é referida como tendo origem no Quebeque, em 1982, embora com comemorações em diferentes datas ao longo dos anos. O certo é que o evento do 26 de abril se tornou internacional graças à Internet. Mas essa não é a única data.
Na Argentina é assinalado o 7 de março desde 2011 em homenagem a Natalia “La Pepa” Gaitán, mulher de 27 anos assassinada pelo padrasto da sua namorada. No Brasil, o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica celebra o 29 de agosto de 1996, data em que aconteceu o Primeiro Seminário Nacional de Lésbicas - Senale, e o Dia do Orgulho Lésbico recorda o 19 de agosto de 1983, a primeira grande manifestação de mulheres lésbicas no Brasil, ocorrida em São Paulo. Em vários países da América Latina também é assinalado o Día de las Rebeldías Lésbicas em homenagem ao 13 de outubro de 1987, data do Primeiro Encontro Lésbico Feminista da América Latina e das Caraíbas. E na Austrália e na Nova Zelândia o 8 de outubro é o Lesbian Day pelo menos desde os anos 1990.
Este ano, o Clube Safo, primeira associação lésbica portuguesa, decidiu adotar oficialmente a data. O Clube Safo nasceu em janeiro de 1996, em Aveiro, e registou-se como associação no dia 15 de fevereiro de 2002, em Santarém. Espaço de encontro e partilha, este coletivo publicou o boletim Zona Livre e foi um dos convocantes da primeira Marcha do Orgulho LGBT de Lisboa no ano 2000. Este ano, o Clube Safo não só adotou o dia 26 de abril como dia da Visibilidade Lésbica, como lançou um conjunto de iniciativas naquilo a que chamou o Mês da Visibilidade Lésbica: “Dia 26 de Abril é o dia em que se celebra a ️Visibilidade Lésbica️ o mesmo mês que em Portugal se celebra também a Liberdade. Por isso dedicamos este mês à visibilidade, a podermos ser quem somos, a amarmos quem amamos e existirmos numa sociedade em que o existir é também resistir”.
Entre outras iniciativas, decidiram falar “de visibilidade lésbica, de políticas e direitos de mulheres que têm relações com mulheres” e convidaram “três mulheres que participam no movimento de defesa destes mesmos direitos tanto pela sua visibilidade como pelos lugares de liderança que ocupam”. No dia 24 de abril organizaram um encontro online com Rosa Monteiro, Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade de Género (ver vídeo(link is external)), dia 25 de abril com Ana Aresta, presidente da ILGA Portugal (ver vídeo(link is external)) e, hoje, dia da Visibilidade Lésbica, com Fabíola Neto Cardoso, sócia fundadora do Clube Safo e deputada na Assembleia República eleita pelo Bloco de Esquerda (ver transmissão em direto(link is external) às 17h).
Além da iniciativa do Clube Safo, também a plataforma cultural Queer as Fuck está a promover o Queer Quiz Virtual: Visibilidade Lésbica!(link is external) E outros coletivos e pessoas a título individual terão a sua forma de assinalar a data.
Por que celebrar a Visibilidade Lésbica?
Em maio de 2018, através de uma entrevista, Sandra Cunha, socióloga e ativista feminista, pelos direitos das crianças e pelos direitos LGBTI, tornou-se a primeira deputada portuguesa a assumir-se publicamente como lésbica. Em outubro de 2019, Fabíola Cardoso, fundadora da primeira associação lésbica portuguesa, foi também eleita para a Assembleia da República. Entre uma data e outra, em fevereiro de 2019, na Costa da Caparica, as jovens Débora Pinheiro e Sara Casinha foram agredidas por um homem por estarem a dar um beijo e denunciaram publicamente esse ato de violência. Ainda há quem questione: A visibilidade lésbica é importante? Entre a família, na escola, no hospital, no emprego... as mulheres não continuam a ser logo à partida presumidas heterossexuais? É ainda importante que as mulheres lésbicas se sintam representadas na cultura ou na política? É seguro ser visivelmente lésbica nas ruas? O Esquerda decidiu perguntar à ativista queer feminista Raquel Smith-Cave, à investigadora Anna M. Klobucka e à investigadora Raquel Afonso porque razão é importante comemorar a Visibilidade Lésbica (ver mais dados sobre as entrevistadas ao fim do texto).
Anna M. Klobucka:A minha perspetiva sobre a questão da (in)visibilidade lésbica em Portugal é sobretudo histórica, decorrente de alguma investigação que tenho desenvolvido ao longo dos últimos dez anos sobre a “existência lésbica” (para evocar o conceito de Adrienne Rich, desenvolvido no seu artigo clássico “Heterossexualidade compulsória e existência lésbica”) na cultura portuguesa moderna.
A “heterossexualidade compulsória”, por sua vez, é o princípio simbólico que tem definido – até muito recentemente de forma absoluta – os horizontes epistémicos de todas as vertentes da história nacional, articulando-se de forma particularmente perniciosa com a marginalização das mulheres em geral nos cânones do conhecimento patriarcal. Por conseguinte, a inscrição no registo histórico vigente do protagonismo social, cultural, artístico e/ou literário das mulheres portuguesas que amaram mulheres encontra-se ainda numa fase incipiente, não obstante vários trabalhos notáveis já realizados (como o livro de Raquel Afonso, Homossexualidade e resistência no Estado Novo, ou a tese de Helena Lopes Braga sobre Francine Benoît). E é uma vertente de investigação que ainda precisa de vencer muitas resistências firmemente instaladas, como a alegada irrelevância dos fatores como a afetividade e sociabilidade (no caso, lésbicas) para a interpretação da vida e obra das figuras históricas notáveis.
Eventos públicos de ativismo lésbico em diferentes países deram origem ao 26 de abril
Para dar apenas um exemplo entre muitos possíveis, a escritora e ativista açoriana Alice Moderno (1867-1946), que viveu, viajou e colaborou durante décadas com a sua companheira Maria Evelina de Sousa, continua a ser apresentada em diversas biografias como solteira, cujo único relacionamento amoroso terá sido o noivado à distância com Joaquim de Araújo. Já quanto à sua relação com Sousa, a biografia de Alice Moderno na Wikipédia contém esta pérola: “O seu relacionamento causou bastante especulação na sociedade micaelense mas desconhece-se se era meramente platónico.” (O respetivo artigo em inglês afirma que “Sousa and Moderno lived openly as lesbians.”)
Raquel Smith-Cave: Celebrar o dia da visibilidade lésbica ajuda-nos a lembrar que o L da sigla LGBT+ ainda é muitas vezes negligenciado, mesmo dentro da comunidade queer. Reforçando a importância das lutas feministas de uma perspetiva intersecional, precisamos de ter em atenção os vários níveis de opressão a que muitas de nós estão sujeitas e que não são visíveis ou possíveis de modificar se continuarmos a lidar com estas questões em caixinhas separadas. É necessário questionarmos os nossos privilégios, agindo a favor de uma maior consciencialização e integração das questões de classe, anti-racistas, feministas e muitas mais opressões que também intensificam a constante invisibilização de pessoas lésbicas na sociedade.
Acredito no poder da arte como potencializador de mudança e que existem várias formas válidas e fundamentais de se fazer ativismo. Através da minha experiência pessoal, como alguém que desde cedo questionou as normas sociais e obteve respostas primeiramente através da arte, foi no artivismo que me envolvi de forma mais natural. Com a plataforma Queer As Fuck, tento explorar e analisar a falta de representação das diversas identidades de género e sexualidades não-normativas (principalmente LBT+) na sociedade, criando espaços de partilha de experiências e conteúdos criativos que abordam vivências menos evidentes e, por isso, mais importantes de realçar.
Por exemplo, o ciclo de cinema “Where Are My Lesbians?” com a exibição de filmes com temática lésbica, o clube de leitura Queer Books em que partilhamos textos escritos por pessoas queer, ou o queer quiz, que começou por se basear em perguntas gerais sobre o movimento LGBT+ e agora são quizes mais específicos, como o especial para este dia da visibilidade lésbica, com o qual tenho aprendido muito sobre a história da comunidade e sei que quem participar também vai sentir orgulho por ficar a conhecer tantos marcos e figuras revolucionárias que impulsionaram o movimento lésbico.
Raquel Afonso: É estranho como se “estranha” o facto das lésbicas quererem visibilidade, sabes? Trabalhei sobre lésbicas e homossexuais no período do Estado Novo e, já nesse tempo, as mulheres lésbicas eram praticamente invisíveis (e é tão difícil chegar até elas!) Até nos movimentos posteriores ao 25 de abril. Invisibilizadas no movimento gay e igualmente invisibilizadas no movimento feminista.
É engraçado, quando o meu livro saiu, tive muitas pessoas a questionarem o facto de eu ter informado que era lésbica. Cientificamente era clara a razão, era importante dar conta da relação que tinha com o meu objeto de estudo. Mas também o fiz como uma provocação. Qual é o problema? Quis dar visibilidade, hoje, porque continuamos ofuscadas pelo (pelo menos) duplo estigma, de sermos mulheres e de sermos mulheres lésbicas.
Acho que a visibilidade é importante porque as mulheres lésbicas não têm que estar na sombra de ninguém, seja essa sombra feita por homens ou por mulheres heterossexuais. Nós também lutámos, também estivemos lá. E estamos. A visibilidade é importante para nós porque nós também existimos. E não somos menos que ninguém. É importante reconhecer isso.
Um Outro Olhar
segunda-feira, 27 de abril de 2020
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A Parada do Orgulho Gay de Nova York de 2019 Imagem: AFP
Pela primeira vez em 50 anos Nova York não terá uma Parada do Orgulho Gay. O evento, que acontece todo ano no final de junho, foi oficialmente cancelado hoje pelo prefeito da cidade, Bill de Blasio, que alegou não ser possível realizar eventos por causa da pandemia do covid-19. Nova York é o local com mais casos de coronavírus nos Estados Unidos.
A Parada vai voltar e encontraremos a melhor forma de fazê-la", declarou o prefeito, sem uma previsão de nova data. Ele lamentou ter de cancelar um dos eventos mais importantes do calendário da cidade no ano em que ele completaria meio século. Bill de Blasio é conhecido como defensor dos direitos LGBT.
A Parada do Orgulho Gay de Nova York começou em 1970, um ano depois da revolta de Stonewall, que foi celebrada no evento no ano passado. A data tem a ver com o dia em que a polícia invadiu o bar Stonewall Inn, em 28 de junho de 1969, um dos poucos locais que reunia gays, lésbicas, trans e drags na época.
Naquele dia, os frequentadores do bar resolveram se rebelar contra as constantes batidas da polícia e fizeram história e saíram em marcha pelas ruas da cidade para defender seus direitos. A partir deste acontecimento histórico, várias cidades pelo mundo passaram a promover suas próprias paradas.
A Parada do Orgulho Gay de Nova York caíria exatamente na data em que se celebra o Stonewall, 28 de junho, um domingo. Além do dia do desfile, foram cancelados todos os eventos relacionados à Parada que aconteceriam entre 14 e 28 de junho na cidade.
Clipping Parada do Orgulho Gay de Nova York é cancelada; evento faria 50 anos, UOL Internacional, 20/04/2020
Um Outro Olhar
segunda-feira, 20 de abril de 2020
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Decisão foi publicada no DODF na terça-feira (14/04) após projeto do distrital Chico Vigilante (PT) tramitar por dois anos na CLDF
O governador Ibaneis Rocha (MDB) sancionou a lei que inclui, no calendário oficial de eventos do Distrito Federal, a Parada do Orgulho LGBTS (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e simpatizantes) de Brasília. O ato foi publicado no Diário Oficial (DODF) da terça-feira (14/04).
Aprovada no dia 20 de março, a proposta tramitava desde o ano de 2017 e é iniciativa do deputado distrital Chico Vigilante (PT). O evento é realizado anualmente no mês de junho, em referência ao Dia Internacional do Orgulho LGBT, comemorado no dia 28 do mesmo mês.
Neste ano, caso não haja prorrogação das medidas restritivas causadas pelo novo coronavírus, o evento ocorre no fim de junho.
Estamos felizes com o governador. É fruto de muita luta e resistência da população LGBT. A parada é o maior ato de direitos humanos e é um dos maiores eventos dos DF. São 23 anos colorindo a capital. Reconhecimento fundamental para fazer do DF um território livre do preconceito”, declarou o ativista Michel Platini, presidente do Centro de Defesa do Direitos Humanos e diretor da Aliança Nacional LGBTI no DF.
Contribuição
De acordo com a legislação, o Poder Executivo, por meio de seus órgãos e entidades, passa a contribuir, dentro das possibilidades, com a realização do evento.
Do ponto de vista prático, a inclusão do festival no calendário facilita para os organizadores, por exemplo, a captação de apoio administrativo do poder público para o evento. Com isso, torna mais simples a obtenção de licenças para as próximas edições, liberação de espaços e apoio da estrutura local. O registro também agrega valor simbólico e institucional ao movimento.
Clipping GDF sanciona lei que inclui Parada LGBTS no calendário oficial, por Caio Barbieri, Metrópoles, 14/04/2020
Um Outro Olhar
sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020
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Regido pela maestrina Jaqueline Cunha, a trilha sonora do Siga Bem Caminhoneira de São Paulo tem paródias como "Ser sapatão é bom demais" (Araketu é bom demais)Crédito:Divulgação
Perguntar às mulheres lésbicas organizadoras de blocos de Carnaval qual foi o principal motivo que as levou a criarem seus próprios espaços de folia esbarrou numa questão tão unânime quanto difícil de ignorar. Ninguém se sentia segura para mostrar suas afetividades e carnavalizar nas ruas durante a festa que é, ou pelo menos nasceu para ser, o auge da integração social no Brasil.
Antes de o bloco existir, sempre saímos numa turma grande de amigas e, vira e mexe, dava um probleminha na rua. Se uma já ficasse com a outra, em um bar, por exemplo, já dava uma bafafá”, conta à Tpm a DJ Renata Corr, que comanda a festa e o bloco sapa-bi Desculpa Qualquer Coisa, nas ruas do centro de São Paulo.
A cultura do assédio e do estupro – que existe o ano todo, vale lembrar – se intensifica no Carnaval. Além da censura ainda maior à liberdade de ir e vir dos corpos femininos nos espaços públicos, também existe a lesbofobia, a misoginia e o racismo. Conclusão: sair às ruas se torna sinônimo de correr perigo. Afinal, quem quer se arriscar num contexto de excessos quando seu direito à cidade sequer é garantido em dias comuns?
Depois do nosso primeiro cortejo, no ano passado, recebemos diversos relatos de mulheres que, pela primeira vez, se sentiram estimuladas a sair para curtir o Carnaval, porque antes não estavam à vontade para ocupar esses espaços, não se sentiam representadas”, relatam Fernanda Branco Polse e Isabella Figueira, integrantes do bloco mineiro Truck do Desejo, que saiu nas ruas do bairro Barro Preto, em Belo Horizonte, com uma ala fantasiada com roupas que imitavam vaginas e ânus.
É preciso colocar vaginas na rua e colocar em pauta a genitália feminina – historicamente tão mal falada, temida e vulnerabilizada. É preciso colocar o ânus na rua também e falar sobre ele com dignidade. É o órgão sexual unissex, que nos une, afinal, quem não tem?
Folionas da Truck do Desejo desfilam pelas ruas do bairro Barro Preto, em Belo Horizonte. Crédito: Lorena Zschaber/Divulgação
Lugar de pertencimento e de não-violência
O coletivo Ilú Obá de Min, que se baseia na arte e preservação da cultura de matriz africana e afro-brasileira para empoderar mulheres, é um dos precursores na luta contra a lesbofobia no Carnaval.
Surgimos como bloco em 2005 e não teve estranhamento”, conta Beth Beli, diretora e maestrina do grupo.
Acredito que as pessoas necessitavam de blocos assim. No começo, a gente tinha 30 mulheres. Quinze anos depois, somos 430. Muitas delas são homossexuais ou bissexuais. Além disso, muitas também se descobriram homossexuais no Ilú. Esses blocos são um lugar de tranquilidade para nós, sabe? Tem a ver com esse lugar de pertencimento e de não-violência”, continua Beth.
Já o bloco Toco-Xona, que tem esse nome devido a fama das lésbicas de se apaixonarem depois de serem dispensadas, começou como uma reunião de amigas que só queria se divertir, mas também precisou passar por um processo de emancipação dos padrões e superação de preconceitos para, aí sim, se jogar na brincadeira.
Antes de se tornar “referência em sapatonice” no Rio de Janeiro, o grupo foi tema de uma reportagem de um jornal de grande circulação que as chamou de “lésbicas safadinhas”, causando pânico entre as integrantes – algumas ainda não tinham se assumido no trabalho ou para as famílias.
O processo do Toco-Xona foi o mesmo que acontece com a maioria das mulheres lésbicas: um processo de aceitação. Lá em 2008, não se falava em visibilidade ou resistência”, conta Bruna Capistrano, uma das idealizadoras.
Foi preciso se assumir, se reconhecer para só então ter orgulho. Hoje, nosso desfile é transmitido pela Globo News”, diz Bruna.
Em 2020, o Toco-Xona espera um público de aproximadamente 15 mil pessoas no Aterro do Flamengo, cartão-postal da cidade, e que foi criado por Lota de Macedo Soares, uma das primeiras arquitetas e paisagistas a assumir sua homossexualidade no país.
Cortejo do Toco-Xona, no Aterro do Flamengo, reúne 15 mil pessoas
e tem transmissão pela Globo News, Crédito: Divulgação
“Merecemos seguir bem e ser respeitadas”
Outra mudança positiva e muito bem-vinda que veio junto com o aumento desses blocos foi o reforço da representatividade sapatão. Se, no passado, o estado de desordem típico do Carnaval autorizava a objetificação, a fetichização e o deboche sobre os relacionamentos entre mulheres, hoje a folia é um lugar de ressignificação dos estereótipos. Nomes como Siga Bem Caminhoneira, Truck do Desejo, Siriricando e Ou Vai ou Racha evidenciam que mais do que dirigir seus blocos, as mulheres homossexuais assumiram também o controle das suas narrativas carnavalescas.
Faz todo sentido o nosso nome. A ideia foi fazer um trocadilho pensando na forma pejorativa como algumas lésbicas que não performam feminilidade são chamadas, apropriando e ressignificando o termo ‘caminhoneira’, no intuito de mostrar que não importa quem somos, merecemos seguir bem e ser respeitadas”, afirma a dupla Leka Peres e Didi Lima, que comanda o bloco Siga Bem Caminhoneira, também em São Paulo.
Se o caminhão é a imagem alegórica que representa a força da mulher sapatão, o combustível é a música. O empoderamento que esses blocos incentivam também passa pelo repertório. Regido pela maestrina Jaqueline Cunha, a trilha sonora do Siga Bem Caminhoneira tem paródias que estão intimamente relacionadas com o imaginário lésbico, como “Ê Sapatão" (Faraó - Divindade do Egito) e "Ser sapatão é bom demais" (Ara Ketu Bom Demais).
Com uma veia mais pop, a Desculpa Qualquer Coisa vai apostar nos hits Verdinha e Amor de Que, de Ludmilla e Pabllo Vittar, respectivamente, como as prováveis músicas chiclete do Carnaval. Já no Truck do Desejo, as organizadoras apostam em músicas mais antigas, mas que sempre agitam as minas:
Me fala um bloco que toca 'Vá Com Deus', da Roberta Miranda?! É demais ver a ala da bateria e da dança cantando essa super clássico em ritmo de pagodão baiano”, adiantam.
Para quem quiser ouvir clássicos da MPB sapatônica, beijar sua menina na rua ou apenas curtir o Carnaval num espaço seguro e livre de julgamentos, os blocos lésbicos são o lugar.
Sermos mulheres que amam outras mulheres é um ato político. Vamos contra tudo o que é esperado de uma sociedade patriarcal e acreditamos que a nossa potência, juntas, e o nosso amor é muito maior que isso”, avisam as mulheres do Siga Bem Caminhoneira.
PARA NÃO PERDER O CAMINHÃO:
SÃO PAULO
Desculpa Qualquer Coisa 15/Fev - 14h30 Consolação
Ilú Oba de Min 21/Fev - 17h00 Centro
23/Fev - 14h00 Bom Retiro
Siga Bem Caminhoneira 29/Fev - 14h Rua Rui Barbosa, 453
RIO DE JANEIRO
Toco-Xona 23/Fev - 7h00 Aterro do Flamengo
BELO HORIZONTE
Truck do Desejo 25/Fev - 8h00 Barro Preto Clipping Carnaval Sapatão: Blocos para mulheres lésbicas e bissexuais ganham força, por Natalia Guarato, TPM, 30/01/2020
Um Outro Olhar
quarta-feira, 9 de outubro de 2019
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As namoradas Heloisa Paiva e Luana Giacomini Foto: Extra
Bandeiras de arco-íris e beijos apaixonados. Mulheres bissexuais prestigiaram Ludmilla, que assumiu há cinco meses seu namoro com a bailarina Brunna Gonçalves. A funkeira sobiu ao Palco Sunset por volta das 16h20, para cantar com Funk Orquestra, Fernanda Abreu e Buchecha, no Rock in Rio.
Sempre falei: "Falta funk de sapatão". Ela tinha uns que davam a entender, mas eu via que namorava caras. Quando ela assumiu com a Brunna, eu falei: "Ah, já era hora!" - comemora a paulista Heloisa Paiva, de 18 anos.
Ela chegou com a namorada quase uma hora antes de a funkeira soltar o seu: "Chegueeei".
Curto rock, mas amo dançar. No funk eu me sinto livre. Gosto de sentir essa diferença. E Ludmilla é a miha favorita. Depois que ela se assumiu, virou ídolo - diz Luana Giacomini, estudante da USP.
Iana Gonçalves, de 22 anos, virou fã da artista depois de ela encarar preconceitos para viver livremente seu amor:
A fun base das divas pops do Brasil é de mulheres hétero e homens gays. Quando ela falou que é bi, fez uma diferença enorme para as mulheres que transam mulheres. Eu comecei a seguir tudo dela depois disso. E sou apaixonada pelas duas. Amo!
Iana se diz apaixonada por Ludmilla e Brunna Foto: Extra
Bissexual, Isadora Moutinho estava no festival para prestigiar outro cantor, mas foi ao Sunset ver a diva do rebolado :
Ela precisa ser aplaudida. O que ela fez foi um empurrão para muita gente que não tinha coragem ir em frente com suas orientações.
As amigas Isabela Dusi e Bruna Magalhães elegem a nova música de Ludmilla, "Invocada", como a preferida. Isa, de 25 anos, acrescenta ainda que houve um favorecimento à visibilidade lésbica por Lud:
Entre LGBTs quem tem mais visibilidade são os homens gays - diz Dusi.
Bruna Magalhães vai além:
As pessoas acham que as mulheres gays são mais aceitas, mas não é bem assim. Elas são mais sexualizadas, os homens desenvolvem fetiches vendo duas se beijando. Ter uma diva do funk em cima do palco se assumindo, beijando a namorada e se declarando é muito importante para a luta.
Bruna Magalhães e Isabela Dusi, moradoras de Minas Gerais Foto: Extra
Clipping Ludmilla atrai público de mulheres lésbicas e bi: 'Faltava funk de sapatão', Extra, 05/10/2019
No dia 19 de agosto de 1983, em São Paulo, as ativistas do Grupo Ação Lésbica Feminista – GALF (1981-03/1990) – ver resumo do histórico da organização abaixo - fizeram uma demonstração de protesto em frente ao antológico bar da noite paulistana, o Ferro’s Bar, contra os abusos dos donos do estabelecimento que as impediam de vender seu boletim ChanacomChana, dirigido às lésbicas, num espaço sustentado por lésbicas. Com apoio de ativistas gays, feministas e parlamentares do período, as ativistas do GALF conseguiram entrar no bar que lhes estava vetado e obter a promessa de seus donos de que não seriam mais impedidas de vender seu trabalho naquele famoso recinto, como todos os demais ambulantes, artistas e toda a fauna alternativa do período costumavam fazer. Primeira demonstração do gênero no Brasil, foi chamada por publicações homossexuais da época de nosso “pequeno Stonewall Inn”, em referência à revolta de gays, lésbicas e travestis contra a repressão policial em Nova Iorque (28 de junho de 1969) que daria origem ao Dia Internacional do Orgulho Gay.
Em 2003, o 19 de agosto foi lançado publicamente, pelos grupos Rede de Informação Um Outro Olhar e Associação da Parada LGBT de São Paulo, como Dia do Orgulho das Lésbicas no Brasil com novamente grande repercussão na imprensa, como quando da sua realização. Também, em 19/6/2008, os deputados que integravam a Comissão dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa paulista aprovaram o Projeto de Lei 496/2007, do deputado Carlos Giannazi (PSOL), que instituiu o Dia do Orgulho Lésbico no Estado de São Paulo. Para mais informações sobre o 19 de agosto, acesse “19 de Agosto: Primeira Manifestação lesbiana contra a discriminação no Brasil.
Para lembrar um pouco o ambiente do Ferro’s Bar, segue vídeo filmado em dependências do estabelecimento, com música de Gisele Fink e Míriam Martinho, parodiando as relações explosivas dos casais de lésbicas do famoso point.
Fanchitude de Fancha (letra original) (Gisele Fink/Míriam Martinho)
Brigou comigo
saiu aos berros lá do Ferro’s
chamando a atenção do fancharéu.
Bebeu comigo e meio tonta
deixou a conta na qual bem pronta
eu dei o chapéu.
Saí do boteco atordoada
atrás da descarada
e desmaiei no elevador.
Quando acordei
nem sabia onde estava
pois aquela madrugada
foi demais pra minha dor.
Alucinada entrei no apartamento
e naquele momento a pomba gira me tomou.
Peguei a fancha na garganta dei-lhe um tapa
arranquei-lhe a gravata e a coisa toda começou.
Veio o passado das torturas recordando,
a cabeça esquentando resolvi me separar.
Mas quando olhei pros seus olhos de janela – escancarados -
eu lembrei que depois dela outra fancha vou achar.
Fancha por fancha fico mesmo na esperança
de que um dia esta mude e eu possa só cantar.
Fancha por fancha fico mesmo na esperança
por tão pouco é impossível essa vida abandonar.
Grupo Ação Lésbica Feminista – GALF (17/10/1981- 03/1990): Vanguarda e Resistência
Integrantes do GALF que
participaram do 19 de Agosto: Célia Miliauskas, Elisete Ribeiro Neres, Luiza Granado, Míriam
Martinho, Rosely Roth e Vanda Frias. Na foto acima: Maria Rita (ao lado de Rosely) não participou. Na foto abaixo: Liete (à direita,
sentada, não participou).
Fundação
O Grupo Ação Lésbica Feminista foi fundado, em 17 de outubro de 1981, por duas remanescentes do Grupo Lésbico Feminista (LF), Míriam Martinho e Rosely Roth, mais quatro de suas colaboradoras, que queriam manter um grupo especificamente lésbico, em vez de entrar em algum armário feminista ou qualquer outro. Após tentativas frustradas de reunir ex-integrantes do LF e outras feministas homossexuais em torno ao menos da elaboração da segunda edição do tabloide ChanacomChana (1ª ed. 02/1981), Míriam e Rosely decidiram seguir adiante com outras pessoas e nova configuração.
Para o burlar o preconceito da sociedade conservadora de então e o preconceito internalizado das próprias lésbicas, fora evitar problemas com o cartório, as ativistas do GALF adotaram a mesma estratégia criada pelo Grupo Somos, estatutariamente um clube cultural, e registraram seu grupo como um grupo feminista, preservando a sigla “GALF”. O objetivo do estatuto era pragmaticamente atender as necessidades de abrir conta em banco, uma caixa postal, receber dinheiro via vale postal e outras formalidades. O grupo ficaria incomunicável, entre as lésbicas da época, se usasse a palavra lésbica para esses trâmites institucionais.
Publicações: boletins ChanacomChana e Um Outro Olhar
Foram bem poucas, no entanto, as concessões que o GALF faria à ferrenha heteronormatividade da década de 80. Pelo contrário, o grupo vai se caracterizar como pioneiro da visibilidade lésbica, num período em que inclusive o movimento feminista pregava um armário acolchoado para as lésbicas que o compunham. O mantra era “a necessidade política de se dissolver a identidade lésbica em uma identidade feminista mais geral.” A vivência lésbica devia ser encarada apenas como uma particularidade da vida de algumas mulheres e vivida exclusivamente como opção ou preferência sexual. Politização somente para as vivências heterossexuais.
ChanacomChana n. 12
As ativistas do GALF nunca compraram essa falácia e tinham clareza da importância de as lésbicas politizarem a própria vivência, pois que não faltavam questões específicas a trabalhar e direitos a reivindicar. Assim retomam, entre outras atividades, a publicação do título Chanacomchana, agora em formato de boletim, em dezembro de 1982. Confeccionado e editado por Míriam Martinho como fanzine, a partir de colagens e textos datilografados, o CCC vai reunir produções das integrantes do GALF, sobretudo nos seus três primeiros anos, e posteriormente, com a maior divulgação do grupo, de colaboradoras de todo o país. Foram 12 edições até 1987, abordando questões especificamente lésbicas e da mulher em geral, quando o CCC cede lugar ao título Um Outro Olhar, outro boletim que o GALF publicará até fevereiro de 1990, no total de 10 edições*. Com tiragem média de 500 exemplares, o CCC era rodado em gráficas de universidades e da Câmara Municipal de SP pela cota de parlamentares solidários, como a vereadora Irede Cardoso (então PT), de saudosa memória. Os boletins Um Outro Olhar foram em boa parte xerografados e vendidos fundamentalmente para as associadas do GALF.
Boletim Um Outro Olhar n. 1
*Formalmente, o GALF encerra as portas em março de 1990 com a publicação do número 10 do boletim Um Outro Olhar (fevereiro/abril). Uma de suas últimas atividades foi gestar a Rede de Informação Lésbica Um Outro Olhar, desde os dois últimos meses de 1989, anunciada para abril de 1990 no próprio boletim citado (p. 4).
O Outra Coisa e o GALF em sua sede (maio de 1983) - Acervo Um Outro Olhar
Organização de eventos e participação em encontros e campanhas nacionais do MHB
Na área de militância, a partir de meados de 1982, o GALF começou a dividir sede com o Grupo Outra Coisa de Ação Homossexualista, grupo gay oriundo do racha do Somos, com quem terá uma fecunda parceira até o início de 1984. Em seu espaço comum, conjunta ou separadamente, os dois grupos organizaram reuniões com grupos feministas, candidatos de vários partidos (reivindicando o fim do parágrafo 302.0, que considerava a homossexualidade desvio mental, a custódia dos filhos de casais homossexuais, o fim da repressão policial), mostras de arte como o “Viva a Homossexualidade” e a celebração dos 4 anos do movimento homossexual, além de encontros com intelectuais como Félix Guattari, entre outros. O Outra Coisa também participou ativamente da invasão do Ferro’s Bar, em apoio ao GALF, em particular na pessoa de seu maior articulador, Antonio Carlos Tosta (fundador do Somos, do Outra Coisa, do Movimento Homossexual Autônomo).
O GALF também participou de vários encontros do Movimento Feminista, como, por exemplo, os 8° Encontro Nacional feminista – Petrópolis (7-10/08/1986) e 9° Encontro Nacional feminista - Garanhuns (PE), em 1987,sempre organizando alguma oficina ou debate sobre a questão lésbica nesses eventos, apesar do clima nem sempre acolhedor.
Um evento não tão visível, mas marcante, se deu, em abril de 1982, no Sindicato dos Jornalistas, quando as ativistas do GALF entraram com máscaras em um debate do grupo SOS Mulher, cujo slogan era "o silêncio é cúmplice da violência" e tratava da violência contra a mulher, menos da violência contra as lésbicas, e distribuíram o seguinte folheto, de autoria de Míriam Martinho:
Sobre violência Estamos aqui para expor a nossa opressão. Olhem para nossos rostos e verão máscaras. Estamos aqui para mostrar como temos que viver diariamente: temos que viver assim, com máscaras. Temos que viver mascaradas, nas casas de nossos pais, para não perdermos relações afetivas que nos são caras. Temos que viver mascaradas nas escolas, para não sermos ridicularizadas, humilhadas, agredidas e, até mesmo, impedidas de conseguir um nível mínimo de educação. Temos que estar aqui, mascaradas, porque não podemos denunciar nossa opressão sem máscaras, porque corremos o risco de perder nossas famílias, nossos empregos, nosso direito de estudar sem qualquer tipo de pressão. A sociedade nos impõe a esquizofrenia como estilo de vida e nos deixa num beco sem saída na medida que, praticamente, impossibilita a própria denúncia desta situação. Precisamos romper esse círculo vicioso. Queremos tirar a máscara antes que ela nos cole à face e não possamos mais nos distinguir dela. Queremos que cada mulher tire sua máscara. Queremos propor que o movimento feminista seja um espaço onde as mulheres homossexuais não precisem utilizar nenhum tipo de máscara. Queremos propor que o movimento feminista não reproduza o discurso politiqueiro machista das lutas gerais contra as lutas específicas e que todas as questões referentes a todas as mulheres sejam igualmente prioritárias. Igualmente prioritárias mesmo porque a mulher homossexual também é negra, a mulher homossexual também é dona-de-casa, a mulher homossexual também é prostituta, a mulher homossexual também é operária, a mulher homossexual também está na periferia e calar a respeito dessas múltiplas opressões também nos torna cúmplices da violência".
Igualmente participou das duas principais campanhas do Movimento Homossexual Brasileiro (MHB) da década de 80:
A campanha contra o código 320 da CID, seguido pelo INAMPS no Brasil, que considerava a homossexualidade uma doença mental. Em São Paulo, em 1982, o GALF reivindicou o fim do código junto ao então governador Franco Montoro. Em 1983, articulou-se com as deputada e vereadora Ruth Escobar e Irede Cardoso para promover a exclusão do código do INAMPS e fez palestra na Associação Paulista de Medicina com o mesmo objetivo. Em setembro de 1984, o GALF conseguiu inclusive passar trechos de um texto sobre saúde lésbica, que também propunha a exclusão do código, num documento feminista apresentado durante I Congresso Brasileiro de Proteção Materno-Infantil no Senado Federal.
Em 9 de fevereiro de 1985, o Conselho Federal de Medicina atendeu a reivindicação do MHB retirando a aplicação no Brasil do código 302.0 da classificação internacional de doenças que definia a homossexualidade como desvio e transtorno sexual. A homossexualidade passa a ser enquadrada como outras circunstâncias psicossociais ao lado do desemprego, desajustamento social e tensões psicológicas que podem levar alguém ao consultório médico.
A campanha pela inserção, no inciso IV do artigo 3º na de 1988 (artigo 153 da Constituição de 1969), da frase “contra a discriminação por preferência ou orientação sexual” conjuntamente com os grupos Triângulo Rosa e Grupo Gay da Bahia. Ainda que a campanha não tenha obtido êxito, valeu pela visibilidade dada à questão homossexual na política institucional, sobretudo pela participação do protagonista da ação, João Antônio Mascarenhas (Triângulo Rosa/RJ), em subcomissões da Assembleia Nacional Constituinte (abril/1987).
Participação em encontros internacionais
Míriam Martinho (ao centro de azul) na 8ª Conferência do ILIS em Genebra (03/1986)
O GALF participou de dois encontros feministas latino-americanos e do Caribe, como sempre levando a questão lésbica para os debates desses eventos. No III Encontro Feminista Latino-americano e do Caribe, realizado em Bertioga em agosto de 1985, o GALF realizou com outro GALF (o Grupo de Autoconsciencia de Lesbianas Feministas – Peru, Lima), uma reunião extraoficial que reuniu várias lésbicas presentes no encontro a fim de discutir a então complicada relação das lésbicas com o movimento feminista regional. Participou também do IV Encontro Feminista Latino-americano e do Caribe em outubro de 1987 na cidade de Taxco, México.
Míriam Martinho em manifestação do IV Encontro Feminista Latino-americano e do Caribe (México, 10/1987) -Acervo Um Outro Olhar
Os encontros internacionais mais significativos dos quais o GALF participou, contudo, foram os referentes à articulação do movimento de lésbicas internacional em pleno florescimento naquele período. Em abril de 1980, foi criado durante conferência da IGA (Associação Gay Internacional), o Serviço Internacional de Informação Lésbica (ILIS, em inglês), tornado independente em abril do ano seguinte em Turim, na Itália. Encaminhado por grupos europeus, de forma rotativa, a começar por Amsterdam, o ILIS vai ter papel fundamental na ampliação e fortalecimento dos grupos lésbicos em todo o mundo, particularmente em países em desenvolvimento. O GALF contou com o apoio financeiro e logístico do ILIS para participar de sua oitava conferência, em Genebra, na Suíça, de onde surgiram as redes latino-americana e asiática de lésbicas, e do I Encontro de Lésbicas-Feministas Latino-Americanas e do Caribe, na cidade de Cuernavaca, Morelos, no México, em outubro de 1987. Após 18 anos de serviços prestados à organização lésbica mundial, o ILIS publica seu último boletim em 1998.
Linha do tempo da trajetória do ILIS
GALF - Vanguarda e Resistência
Finalizando, neste breve resumo da trajetória do GALF, cujo extenso inventário de produções e atividades será objeto de outro resgate, vale salientar o papel de vanguarda e resistência representado pela organização durante seus oito anos de existência. De resistência por ter sido o único grupo de lésbicas a permanecer ativo durante toda a década de oitenta, num contexto adverso fosse pela carência de recursos, fosse pela desarticulação do Movimento Homossexual fosse pela hostilidade do movimento feminista do período à politização da questão lésbica em seu meio.
De vanguarda porque manteve, a duras penas, a temática lésbica presente não só nos movimentos em que atuou, como – principalmente – na conservadora e heterossexista sociedade brasileira de sua época. Seja pela produção do sugestivo título ChanacomChana, seja pelas atividades públicas que desenvolveu, como a manifestação do Ferro’s Bar e as participações de Rosely Roth na grande mídia, em particular em dois programas da Hebe Camargo, o GALF foi a grande referência dos anos oitenta não só para o ativismo do gênero como para a população lésbica da época.
Rosely Roth (à direita) entrevistando Cassandra Rios e Irede Cardoso no Ferro's Bar
Mesmo as reflexões presentes nos escritos da organização se caracterizaram pelo vanguardismo, inclusive porque ironicamente derivadas das situações adversas que o grupo experimentou durante sua trajetória. Com a intensa retração do Movimento Homossexual, a partir de 1984, e a hostilidade quanto à visibilidade lésbica que o GALF insistia em cobrar no Movimento Feminista, o grupo ficou praticamente sem interlocutores no Brasil. Findo o chamado ciclo libertário do MHB (1978-1983), pródigo em debates sobre as diferentes facetas da questão e da identidade homossexual, sobreveio a perspectiva estritamente reformista e legalista dos grupos GGB e Triângulo Rosa que não dava espaço para maiores discussões.
Do lado feminista, prevaleceu, como já dito, a ideia de uma suposta necessidade de dissolução da identidade lésbica em uma identidade feminista mais geral, tratando a lesbianidade como uma questão de ordem privada, embora o movimento pregasse que “o privado era político”. Sobrou para o GALF então, a interlocução com os grupos lésbicos do exterior, de várias correntes, em particular com as teóricas lésbicas-feministas e separatistas daquele período, antecipando discussões que só veríamos chegar expressivamente ao Brasil muitas décadas depois.
Por último, ao contrário das inúmeras fabulações a respeito da entidade, o GALF não subsistiu durante toda a década de 80, apesar de supostamente ter seguido um padrão de grupos lésbicos formados por casais que, ao se romper, terminavam ou fragilizavam suas organizações. O Grupo Lésbico-Feminista, que precede o GALF, não foi fundado por um casal nem terminou com o fim dele. Esse coletivo teve várias fundadoras e simplesmente se dispersou após dois anos. E o Grupo Ação Lésbica Feminista também não foi fundado por um casal nem terminou por causa dele, ainda que, ao longo de sua trajetória, tenha formado casais.
O GALF terminou em função do esgotamento de seu ciclo de ativismo junto ao Movimento Feminista. Ficou claro para suas integrantes o quanto era contraproducente levar as lésbicas para o feminismo e, ao mesmo tempo incentivá-las a sair do armário, quando o próprio Movimento Feminista impunha a despolitização das vivências lésbicas empurrando-as para o terreno do privado, da chamada “opção sexual”. Nada incomum, no período de existência do GALF e até na década de noventa, encontrar grupos feministas formados majoritariamente por lésbicas, mas exclusivamente referentes às chamadas questões de gênero, ou seja, questões voltadas para a resolução dos problemas das mulheres heterossexuais em seus relacionamentos com homens. Não havia mais porque manter um grupo lésbico-feminista nesse contexto.
*Miriam Martinho é uma das fundadoras do Movimento Homossexual brasileiro, em particular da organização lésbica, tendo co-fundado as primeiras entidades lésbicas brasileiras, a saber, Grupo Lésbico-Feminista (1979-1981), Grupo Ação Lésbica-Feminista (1981-1989) e Rede de Informação Um Outro Olhar (1989....). Editou também as primeiras publicações lésbicas do país, como o fanzine ChanacomChana (década de 80) e o boletim e posterior revista Um Outro Olhar (década de 90 até 2002). Atualmente administra as páginas Um Outro Olhar e Contra o Coro dos Contentes.
Fundou igualmente o movimento de saúde lésbica no Brasil, em 1994, realizando a primeira campanha de prevenção às DST-AIDS para mulheres que se relacionam com mulheres, em 1995, e editando as primeiras publicações sobre o tema desde essa época (em 2006 publicou a 4 edição da cartilha Prazer sem Medo sobre saúde integral para lésbicas e bissexuais). Participou da organização do I EBHO (1980), organizou dois encontros LGBT nacionais (VII EBLHO/93 e IX EBGLT/97) e foi sócia-fundadora da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT-1995). Participou igualmente de vários encontros internacionais com destaque para a 8ª Conferência Internacional do Serviço de Informação Lésbica Internacional-ILIS (Genebra, Suiça, 28 a 31/03/1986), o I Encontro de Lésbicas-Feministas Latino-Americanas e do Caribe (Cuernavaca, México, 1987) e a Reunião de Reflexão Lésbica-Homossexual (Santiago, Chile/ nov. 1992).
Um Outro Olhar
quarta-feira, 7 de agosto de 2019
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Manifestantesparticipam da Parada do Orgulho LGBT em Belfast, na Irlanda do Norte, no sábado (3). — Foto: Paul Faith / AFP
Manifestantes pediram legalização de casamento homoafetivo durante parada LGBT na Irlanda do Norte
Milhares foram às ruas da capital do país, Belfast, neste sábado (3). A região é a única do Reino Unido que não permite o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. Milhares de pessoas foram às ruas de Belfast no sábado (3) para a parada do Orgulho LGBT. Existe a grande expectativa da aprovação do casamento homossexual na Irlanda do Norte, única região do Reino Unido onde isto ainda não aconteceu.
As cores do arco-íris e bandeiras coloridas deram o ar festivo ao desfile, que aconteceu ao som do hit "It's Raining Men". O evento contou com a participação do prefeito de Belfast, John Finucane, e do primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar.
Membros da Igreja também participaram. Um deles oferecia hóstia nas escadas da catedral protestante de Sainte-Anne, próximo a uma placa onde estava escrito “A Igreja apoia o casamento para todos”, enquanto um outro desfilava com o cartaz “Pedimos desculpas pela forma como a Igreja tratou a comunidade LGBT”.
No mês passado, os deputados britânicos do Parlamento de Westminster, em Londres, mostraram sua vontade de avançar rumo à aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo na Irlanda do Norte. Isso ocorreria com o voto de emendas, que também podem levar à legalização do aborto.
Em circunstâncias normais, o parlamento norte-irlandês seria responsável por legislar sobre estas questões, mas a região está sem Executivo local desde janeiro de 2017, fazendo com que Londres se ocupe de sua administração. Os votos, no entanto, só serão efetivos se nenhum governo local for formado em 21 de outubro na Irlanda do Norte.
Todos devem ter os mesmos direitos, por isso esperamos que isto aconteça. Faremos uma grande festa", comentou a manifestante Mary Francis White, 53, cujo filho gay é vereador de Belfast. O diretor da Anistia Internacional para a Irlanda do Norte, Patrick Corrigan, classificou a mudança política de "um grande avanço nos direitos humanos".
Para Sean O Neil, organizador da Parada do Orgulho LGBT de Belfast, a luta continua.
Neste ano, o evento tem o objetivo de dar destaque aos direitos que ainda são recusados à comunidade: mais atenção às pessoas trans, reconhecimento de gênero, fertilidade, reprodução, igualdade matrimonial”, declarou.
Uma série de fatores levou os deputados de Westminster a tomar uma ação quanto ao assunto. Em maio de 2018, a República da Irlanda organizou um referendo sobre o fim da proibição do aborto, que teve 66% de votos a favor. Já na Irlanda do Norte, a história de uma mãe sendo processada por ter supostamente comprado pílulas abortivas para sua filha de 15 anos provocou grande interesse na imprensa.
Além disso, em abril, a jornalista homossexual Lyra Mckee foi assassinada em Londonderry, na fronteira irlandesa, vítima de balas perdidas do grupo separatista Nova IRA durante um confronto com a polícia. Ainda que sua morte não tenha tido ligação direta com sua homossexualidade, Mckee se tornou um símbolo da luta pela liberação do casamento para todos. Sua companheira, Sara Canning, chegou até a pedir a Theresa May, quando ela era primeira-ministra britânica, para tomar uma ação.
Se a lei entrar em vigor em outubro, os primeiros casamentos poderão começar a ser oficializados em janeiro de 2020.
Clipping Manifestantes pedem legalização de casamento homoafetivo durante parada LGBT na Irlanda do Norte