Freeheld: a luta de uma mulher em estado terminal para deixar sua pensão para a companheira

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Festival de Toronto 2015: Freeheld, com Julianne Moore, vai além do drama pessoal de uma paciente terminal

Tudo vai bem, obrigado, até que a personagem de Julianne Moore descobre que tem uma doença terminal. Você pode até pensar que já viu esse filme. Mas, não, não viu.

Sim, o argumento, serve para explicar as agruras por que passa a personagem-título de Para Sempre Alice, uma renomada professora de linguística, que é diagnosticada precocemente com Alzheimer – papel que rendeu à atriz o Oscar desse ano. Mas a premissa vale também para Freeheld (lançamento em outubro), novo filme protagonizado por Moore, exibido pela primeira vez no Toronto International Film 2015 (TIFF).

As semelhanças, no entanto, param por aí. Na produção, dirigida pelo pouco conhecido Peter Sollett (Uma Noite de Amor e Música), ela incorpora a policial Laurel Hester, lésbica, reservada quanto à sua vida privada, dado o caráter machista do ambiente de trabalho. O que não quer dizer que seja enrustida. E, um belo dia, numa escapadela para uma partida de vôlei – um pretexto para encontrar gente nova –, ela conhece Stacie Andree (Ellen Page).

O namoro engata e tudo que elas querem é ter para quem dar boa noite na hora de dormir, uma casa com quintal, um cachorro – grande, de preferência. Nada muito diferente do que, anonimamente, anseia dois terços da população mundial. E conseguem. Tudo vai bem, obrigado, até que Laurel descobre que tem um câncer de pulmão em estágio avançado.

Mesmo nos momentos mais difíceis do tratamento, é possível notar uma personagem completamente diferente da doente que Julianne Moore interpretou em Still Alice. E, mesmo com a fatalidade, o filme é bem-sucedido em mostrar a atuação profissional da policial, em campo. Sim, ela é lésbica, está doente, mas tem uma carreira, com investigações em curso, de modo que Freeheld foge do “monotema”. 

Tudo o que ela passa a querer é que o benefício da pensão – após servir a corporação de Nova Jersey por 23 anos – seja estendido para a companheira depois que a policial morrer. Elas acabam de assumir uma dívida com a compra da casa e esse seria o jeito de Stacie ter condições de arcar com os custos. Nada mais justo, não?

Não é o que pensam os cinco (quatro, pelo menos) conselheiros (oufreehelders) responsáveis pela decisão. Com argumentos que vão desde o burocrático (nunca antes na história dessa corporação) até o financeiro (mais gasto para a instituição), eles negam sucessivamente o apelo da veterana. Não é preciso ter assistido ao filme para saber que a questão é de outra ordem. Afinal, estamos falando de um casal homossexual.

O filme vai no cerne da polêmica para, pouco a pouco, desmascarar os argumentos – em geral religiosos e/ou hipócritas – dos freehelders. Facilita o fato de ter um conselheiro, ainda que sua atuação seja, em princípio, tímida, do lado das pleiteantes. Papel que cabe a Josh Charles.

Laurel Hester e Stacie Andree na vida real

Essa história, de fato, aconteceu. E recentemente, em 2002 – embora o cabelo de Julianne Moore, à la Farrah Fawcett dos anos 1970, diga o contrário (é fiel, contudo, à realidade da personagem). 

A doença e, sobretudo o aspecto físico da decrepitude diretamente relacionada, no entanto, não é explorada como costumamos ver nas cinebiografias de Hollywood – tão amadas pelos membros da Academia. Depois que Laurel adoece, o tempo em que Julianne Moore aparece em tela é até pouco, se comparada com outros filmes do gênero – inclusive com Para Sempre Alice.

Isso porque Freeheld não é sobre Laurel, mas sobre luta dos direitos civis dos homossexuais; não é um panfleto a favor do casamento gay; é uma convocação no sentido de brigar pelo status de igualdade. Claro, a não ser que você não tenha um coração, é inevitável não se emocionar com o drama pessoal, que serve de pano de fundo para o contexto maior (e não o contrário).

Uma das atrizes mais prolífica em atuação hoje em dia, é lugar comum elogiar a performance de Moore – que está ótima, aliás (ela adota um gestual masculino sutilmente contido). O mesmo vale para Ellen Page, comovente que só como a companheira que vê sua amada partir aos poucos. E não será surpresa se as duas forem indicadas ao próximo Oscar – a segunda vez seguida de Moore (que ainda pode ter a companhia de Eddie Redmayne).

Mas não seria justo deixar de destacar, também, os meninos. Além de Josh Charles, o conselheiro “do bem” e, portanto, gostável desde a concepção, o filme traz Steve Carell como um ativista gay judeu simplesmente hilário (na sessão para a imprensa, que o AdoroCinema acompanhou, os jornalistas riram praticamente em todas as vezes que o personagem apareceu – a gente se inclui aí). 

O personagem é inserido na trama não necessariamente como um aliado de Laurel e Stacie. A causa de Steven (“Steven, com ‘n’ no final para ficar bem gay”, como ele mesmo se apresenta) Goldstein é o casamento de pessoas do mesmo sexo, antes de qualquer drama. Ele chega a dizer para o casal que esse era o caso com o qual ele “sonhava”, para levantar sua bandeira.

E, least but not last, como se diz por aqui: Michael Shannon. EmFreeheld, o “general Zod” assume o papel de Dane Wells, o companheiro (dessa vez, de trabalho) de Laurel. Shannon simplesmente acha o tom certo para o personagem: desconfiado, mas emotivo. Uma pena que o ator seja tão pouco lembrado nas temporadas de premiações. Em 2014, ele esteve presente no TIFF com 99 Homes, ao lado de Andrew Garfield, no qual interpreta brilhantemente um agente imobiliário imoral – e que estreia no fim desse mês nos EUA (sem previsão no Brasil ainda). 

De volta a 2002, quando Julia Roberts entregou o Oscar para Denzel Washington, a atriz disse que não era justo o mundo onde ela tinha uma estatueta e ele não (de melhor ator). Pois Russel Crowe tem a sua e Michael Shannon ainda não. Freeheld e 99 Homes são duas chances de a Academia tornar o mundo um pouco mais justo a partir do próximo ano.



 Fonte: Adoro Cinema, por Renato Hermsdorff, 15/09/2015

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