O Mapa da Homofobia em São Paulo

quarta-feira, 14 de junho de 2017



O Mapa da Homofobia em São Paulo

Em dez anos, 465 vítimas – uma a cada semana, em média – procuraram ou foram encaminhadas à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) para registrar uma queixa de crime motivado por homofobia em São Paulo. Dados exclusivos obtidos pelo G1 por meio da Lei de Acesso à Informação mostram a radiografia dessas denúncias.

INTRODUÇÃO

São 393 boletins de ocorrência registrados – feitos durante os dez anos de existência da Decradi, que, em sua essência, investiga crimes sem autoria conhecida.

A delegacia especializada, criada em 2006, foi idealizada anos depois de o adestrador de cães Edson Neris da Silva ser assassinado por um grupo de skinheads na Praça da República, no Centro da capital, por ser homossexual. 

Nesses dez anos, foram investigados casos emblemáticos, como o do atentado a bomba na Parada Gay que deixou mais de dez feridos em 2009. Neste domingo (18), a Avenida Paulista será palco da 21ª edição da Parada do Orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis). 

O MAPA

O mapeamento feito pela equipe de reportagem mostra todos os casos registrados na Decradi motivados por homofobia.

No mapa, é possível ver detalhes de cada vítima e o respectivo boletim registrado, com o ano, a localidade, a natureza da ocorrência, o sexo e a idade. O levantamento inédito permite identificar onde ocorrem os casos de homofobia na Grande São Paulo.

Para mapeá-los, o G1 teve de fazer um trabalho em parceria com a delegacia que durou mais de quatro meses. Isso porque foram fornecidos pela Secretaria da Segurança Pública à equipe, após o pedido via Lei de Acesso, todos os boletins de ocorrência da Decradi (quase mil), sem diferenciar qual tinha a homofobia como motivação. Foi feito, então, um trabalho minucioso para chegar a cada caso envolvendo o público LGBT na década. 

Do total de boletins de ocorrência feitos de 2006 a 2016, 219 viraram inquérito na delegacia especializada – 55% do total. Não há, no entanto, casos de homicídio mapeados, já que a motivação desse tipo de crime só é conhecida durante a investigação. 

Um outro agravante (também para as estatísticas) é que a homofobia ainda não é crime no Brasil. Ou seja, as denúncias são enquadradas de acordo com a tipificação do crime correlato. São casos e mais casos de injúria, ameaça, lesão corporal, constrangimento ilegal, entre outros. 

Entre as vítimas, há desde um adolescente de 17 anos até um homem de 77 anos. Os principais casos estão circunscritos à região central, onde estão as ruas Augusta e da Consolação e a República e o Largo do Arouche, locais bastante frequentados pelo público LGBT.

DECRADI, 10 ANOS

Em dez anos, o perfil dos agressores mudou. Antes eram vizinhos, colegas de trabalho e até parentes. Agora são anônimos que atacam principalmente pela internet, dizem os responsáveis pela Decradi.

O que não se altera, ao longo do tempo, é o teor das ofensas à população LGBT. Os boletins de ocorrência aos quais o G1 teve acesso revelam casos de agressões gratuitas, de xingamentos e provocações sem sentido em locais públicos, de humilhações dentro de casa e no meio da rua. A equipe de reportagem coletou algumas das frases ditas pelos agressores com o contexto em que elas foram pronunciadas.
A Decradi é a delegacia especializada para coibir e apura todos os delitos relacionados à intolerância e aos delitos de preconceito. Toda forma de preconceito é coibida, apurada e penalizada”, diz a delegada Kelly Andrade, da Divisão de Proteção à Pessoa do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP). 
De 20 a 30 policiais atuam na delegacia especializada. “O número exato é flutuante”, despista Kelly, que aponta quais têm sido os maiores desafios nesses últimos anos: 
Eles são diários e eternos. Nos dez anos, eu acho que o maior é estar sempre à frente da tecnologia. Porque hoje a maioria desses crimes é praticada por meios eletrônicos”. 
Quando o assunto é o combate à intolerância LGBT, algumas vítimas fazem questão que as motivações levem em conta suas identidades sexuais.

Em São Paulo, no entanto, apenas em novembro de 2015 os boletins de ocorrência passaram a contar com um campo para o nome social da vítima e para a motivação. 

Um dos casos mais emblemáticos de crime motivado pela orientação sexual ocorreu bem antes disso: em 14 de junho de 2009, no fim do desfile da Parada Gay, uma bomba explodiu e feriu 13 participantes, todos homossexuais. 

O ataque foi feito por um grupo neonazista chamado Impacto Hooligan. A delegacia especializada identificou e prendeu sete suspeitos pelo atentado. Dois deles chegaram a ser condenados em 2010 por formação de quadrilha, mas em 2015 o caso foi arquivado com a libertação dos presos.

Na Decradi desde sua criação, Nelson Collino Júnior chefia a equipe de investigadores e lembra de um outro caso que ficou marcado: o de um professor de filosofia agredido por ser homossexual. 
Ele foi brutalmente espancado na região da Consolação. Foi bastante pesado, uma coisa muito grave. Ele perdeu vários dentes da boca.” Segundo ele, os agressores foram identificados, presos e julgados. “Através de uma testemunha nós conseguimos fazer o levantamento do grupo, o famoso Devastação Punk.” 
Na opinião da delegada Daniela Branco, titular da Decradi, a atual situação do país tem contribuído para evidenciar ainda mais os casos de homofobia. “Com esse cenário político-social, com movimentos de extrema direita, estou tendo a percepção de que casos contra LGBT, racismo e intolerância religiosa estão mais evidentes”, diz.

Para Agripino Magalhães, ativista e integrante da ONG Aliança LGBTI, faltam mais delegacias especializadas.
Nós só temos uma Decradi. É uma delegacia maravilhosa para combater a intolerância e o racismo, mas ela não é divulgada e expandida. Um LGBT foi agredido no Terminal Bandeira esses dias, foi até a delegacia mais próxima e o delegado falou que não podia atendê-lo. Ele não soube onde ir depois. A divulgação da Decradi devia ser feita pelos órgãos públicos, com cartazes no Metrô e em locais frequentados pelo público LGBT. Isso pode ajudar a diminuir a ação e os ataques de grupos homofóbicos.”
Fonte: G1, 13/06/2017

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