'Escola Sem Partido' quer impedir debates sobre machismo e homofobia nas escolas

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Vote, clicando aqui, contra projeto do deputado-pastor Magno Malta que quer instituir, entre as diretrizes e bases da educação nacional, o "Programa Escola sem Partido"

Por Míriam Martinho

O movimento Escola Sem Partido foi criado em 2004 pelo advogado Miguel Nagib, mas começou a ganhar força sobretudo no ano passado com a apresentação de vários projetos de lei, por ele inspirados, em âmbito federal, estadual e municipal. Entre outros absurdos, esses projetos querem proibir a educação sexual nas escolas e até criminalizar professores, por assédio ideológico, que falarem com seus alunos sobre orientação sexual (contra a homofobia) e gênero (contra o machismo), entre outras discriminações. Supostamente, tais projetos visariam impedir o proselitismo político-partidário e ideológico de esquerda (fazeção de cabeça de alunos) nas escolas almejando a pluralidade de ideias em classe de aula.

Na verdade, contudo, o objetivo desses projetos é bem o oposto. Trata-se de cercear a liberdade de expressão de professores, tidos como de esquerda, e impor uma agenda conservadora no ambiente escolar. Tal objetivo fica bem claro pela redação dos projetos onde se lê que os pais têm o direito a que seus filhos recebam educação condizente com os valores de ordem familiar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa.  Ora, escola não é espelho de família conservadora ou de valores conservadores. A escola representa exatamente a entrada das crianças na sociedade em geral, onde elas terão que conviver com valores diferentes do seu entorno familiar e aprender a respeitá-los. Quem quer que seus filhos recebam nas escolas a mesma educação dada pela família deve inscrevê-los em escolas confessionais, militares ou educá-los em casa (homeschooling). O que não tem cabimento é querer impor a todas as escolas públicas e privadas do país, pela via legal, estatal, valores que não são de toda a sociedade brasileira. 


No caso da educação sexual, esses projetos dizem explicitamente que o "Poder Público não se imiscuirá na orientação sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer ou direcionar o natural desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da ideologia de gênero." Pra quem não sabe, "ideologia de gênero" é um espantalho criado pelos conservadores para assustar mães e pais sobre supostos perigos da escola transformar seus filhos em homossexuais, como se isso fosse possível. A discussão sobre gênero nas escolas visa apenas desconstruir preconceitos e discriminações para que alunas e alunos, diferentes dos demais por alguma razão, possam estudar sem sofrer bullying físico ou psicológico (agressões, humilhações, xingamentos). 

Uma olhadinha no perfil dos autores desses projetos, inspirados pelo famigerado Escola Sem Partido, explica bem qual é a desse pessoal. A maioria deles é da bancada religiosa, especialmente evangélica. Segundo o site Sul21, "11 dos 19 proponentes de projetos inspirados pelo ESP são ligados a alguma igreja. Na Câmara, há três projetos tramitando baseados na proposta Escola sem Partido. O Projeto de Lei (PL)7180/2014, do deputado Erivelton Santana (PSC/BA), o PL 867/2015, do Izalci Lucas (PSDB-DF) e o PL 1411/2015, de Rogério Marinho (PSDB/RN), este sendo o único não ligado a alguma igreja. No Senado, o pastor evangélico Magno Malta (PR-ES) é autor de texto semelhante, apresentado como PLS 193/2016.

Nos legislativos estaduais já são 12 propostas apresentadas. Uma já foi aprovada com o nome de "Escola Livre" (piada) – em Alagoas – e uma arquivada – no Espírito Santo. A primeira foi apresentada pelo deputado Ricardo Nezinho (PMDB), ligado à igreja Batista. O projeto foi vetado pelo governador Renan Filho, mas o veto foi derrubado na Assembleia Legislativa. O outro, registrado como PL 121/2016, foi proposto pelo médico Hudson Leal (PTN).

Em São Paulo, há dois projetos tramitando na Assembleia Legislativa. Um do empresário Luiz Fernando Machado (PSDB), que recebeu o número de PL 1301/2015. E o PL 960/2014, de autoria do evangélico José Bittencourt (PSD). As propostas tramitam em conjunto e já foram aprovadas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Os demais projetos com seus respectivos autores seguem listados a seguir

UFProponenteConfissão
SPLuiz Fernando Machado (PSDB) PL 1301/2015
José Bittencourt (PSD)
PL 960/2014
Evangélico
RSMarcel van Hattem (PP)
PL 190/2015
Cristão Luterano
PRGilson de Souza (PSC) e outros 11
PL 748/2015
Evangélico
ALRicardo Nezinho (PMDB)
projeto aprovado
Batista
RJFlávio Bolsonaro (PSC)
PL 2974/2014
Evangélico
DFSandra Faraj (SD)
PL 1/2015
Evangélica
Rodrigo Delmasso (PTN)
PL 53/2015
Projeto de Emenda à Lei Orgânica (Pelo) 38/2016
Evangélico
ESHudson Leal (PTN)
PL 121/2016 (Arquivado)
GOLuiz Carlos do Carmo (PMDB) PL 2.861/14Evangélico
AMPlatiny Soares (DEM)
PL 102/2016
CEDra. Silvana (PMDB)
PL 273/2015
Evangélica
PEPastor Cleiton Collins (PP)
PL 823/2016
Evangélico
MTDilmar Dal Bosco (DEM)
PL 403/2015
Católico"



O surgimento dessas várias iniciativas de censura a professores e da usurpação de sua liberdade de expressão, garantida a todos os cidadãos brasileiros pela Constituição Federal (Art. 5º, IX), é o mais recente ataque a nossa tão frágil democracia. Atenta também contra outro artigo da Constituição Federal, o 205 , onde se lê:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. 
Atenta ainda contra o combate ao preconceito e a discriminação de mulheres e pessoas LGBT ao querer impedir o debate sobre machismo e homofobia em sala de aula. Para impedir a doutrinação ideológica, a primeira coisa a fazer é simplesmente conversar com o professor sob suspeita de ser doutrinário. Persistindo o problema, pode-se acionar os gestores escolares ou ainda as ouvidorias das secretarias de Educação. Não há necessidade de projetos de lei atingindo toda uma categoria profissional por causa de alguns maus professores. 

Por isso, é preciso se mobilizar contra esse imenso retrocesso. Já houve vitórias contra esses absurdos projetos de lei, com a derrubada de alguns deles em estados e mesmo retirada de outros em algumas cidades. Na página dos Professores contra o Escola Sem Partido é possível acompanhar o andamento dessa batalha. E, no momento, está sendo possível votar contra uma das versões dessa proposta macartista*, proposta pelo deputado-pastor Magno Malta, clicando aqui. Trata-se de consulta pública do Senado Federal sobre a inclusão, entre as diretrizes e bases da educação nacional, de que trata a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,  do "Programa Escola sem Partido". Vote contra. É uma forma de influenciar a posição dos senadores sobre o assunto.

* O senador Joseph MacCarthy foi um político que deslanchou uma verdadeira caça às bruxas nos EUA, nos anos 50, para combater supostos comunistas infiltrados nas mais diversas áreas da sociedade americana. Seus principais alvos foram educadores, artistas, intelectuais, funcionários públicos e sindicalistas. Qualquer suposta ligação de alguém com ideias ou associações consideradas de esquerda levava pessoas a perderem empregos, ter suas carreiras destruídas e até irem presas. Tudo baseado em leis e demissões posteriormente declaradas inconstitucionais e ilegais. 

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