O censo da diversidade: casais homossexuais tendem a ter filhos

domingo, 25 de novembro de 2012

Luciana (à esquerda), Thaís e seus bebês

Após o desastroso artigo de J. R. Guzzo, Parada gay, cabra e espinafre, onde o autor tentou, por todas as falácias, desqualificar a luta das pessoas homossexuais por igualdade de direitos, sob a desculpa esfarrapada de que estas já não vão presas, portanto, não há mais nada a reivindicar, a VEJA publica, na edição desta semana, matéria de Gabriele Jimenez sobre um estudo feito pelo demógrafo Reinaldo Gregori a respeito de casais homossexuais, tratando o tema novamente com naturalidade, como vinha fazendo até o caprino artigo guzzento. Segue abaixo.

Um novo estudo feito sobre dados populacionais coletados em 2010 mostra uma particularidade dos casais homossexuais brasileiros: eles tendem a ter filhos


por Gabriele Jimenez

Uma das mudanças recentes mais notáveis na sociedade mundial de que o Brasil não ficou de fora é a naturalidade em enca­rar o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo. Estimulados por leis, li­vros, filmes e novelas que tratam da homossexualidade como um fato da vida, os gays assumem sua orientação sexual sem constrangimento. Há um forte componente de classe nesse fenômeno Quanto mais ricas e mais instruí­das são as pessoas, maior tende a ser entre elas a proporção de casais que se declaram gays. Um estudo feito pelo demógrafo Reinaldo Gregori, de são Paulo, tendo como base os dados do Censo 2010, confirma essa percepção — e revela uma surpreendente taxa de casais do mesmo sexo no Brasil que já têm filhos. Eles são 20%, em compara­ção com os 16% verificados nos Esta­dos Unidos. 

O Censo 2010 foi o primeiro levan­tamento desse tipo feito no Brasil que tinha no formulário a pergunta sobre o sexo do cônjuge. A resposta era optati­va. Ainda assim, cerca de 68000 pes­soas — 0,18% dos casais — declara­ram ter um parceiro do mesmo sexo. "O censo mostrou que esse novo arran­jo familiar está se tornando menos incomum no Brasil", diz Gregori. É pre­sumível que seja expressivo o número de casais gays que, em 2010, preferiu optar por não revelar sua condição. O censo confirma a tendência de que os casais gays assumidos são mais nume­rosos entre os níveis sociais mais altos, com escolaridade e renda acima da média brasileira. 

Os dados computados pelo demó­grafo Gregori mostram que, enquanto apenas 34% dos chefes de família he­terossexuais possuem mais de dez anos de estudo, entre os casais homosse­xuais declarados esse número chega a 67% e seu rendimento médio, de 5 200 reais, é quase o dobro. A musicista Thais Musachí, 26 anos. e a pediatra Luciana Avelar, 38, juntas há cinco anos, encaixam-se perfeitamente nessa amostra, tanto no que se refere à renda e escolaridade quanto na tendência de ter filhos. Elas conseguiram superar as barreiras biológicas à reprodução re­correndo a um banco de esperma. Lu­ciana gestou em seu útero dois em­briões. Um deles foi produzido com a junção de um óvulo dela e o espermatozoide doado. O outro óvulo foi reti­rado de Thais. Elas curtem agora um casal de filhos de 11 meses. Laura é mais parecida com Thais e Lucca lem­bra mais Luciana. "Para nós, nunca foi importante saber quem gerou quem, nem fizemos exames de DNA para descobrir", diz Thais. que espera uma permissão judicial para colocar na cer­tidão de nascimento das crianças o seu nome ao lado do de Luciana. 

O caminho escolhido por Luciana e Thais para terem filhos é complexo, caro e, portanto, menos frequente. O mais comum é adotar. Mas para ho­mossexuais as dificuldades são maio­res do que aquelas enfrentadas por casais heterossexuais. Segundo uma pesquisa do Ibope feita no ano passa­do, 55% dos brasileiros consideram imprópria a adoção por gays. "A ideia prevalente ainda é que os gays são promíscuos e propensos a abusar se­xualmente das crianças", diz a psicó­loga Mariana Farias, autora de livros sobre o assunto. Mariana lembra que a maioria das pessoas acredita errada­mente que, por influência da situação doméstica, as crianças adotadas por gays fatalmente se tornarão homosse­xuais. Conclui Mariana: "São concei­tos desmentidos em estudos científi­cos, mas que continuam a ter forte influência". 

O psicólogo Carlos Henrique da Cruz, 51 anos, e seu parceiro, o pro­fessor Wagner da Matta, 49, foram confrontados com toda a carga de pre­conceito quando tentaram incluir o nome deles no cadastro de adoções em Natal, no Rio Grande do Norte, em 2004. O pedido de inclusão foi nega­do. "Disseram que nós não podería­mos ser considerados uma família", conta Cruz. Eles conseguiram seu in­tento dois anos depois, no Recife, mas pelo cadastro individual feito por Cruz. Desde 2006. são pais de Pérola, 11 anos, e Pétala, 9, 

As pesquisas apontam para o fato de que os casais gays não fazem as exi­gências que, em geral, são colocadas como condição para adotar. entre elas que a criança seja ainda um bebé. sem problemas de saúde e da mesma etnia dos futuros pais. Duas decisões toma­das recentemente pela Justiça também contribuem para aumentar a chance de pessoas do mesmo sexo formarem uma família. Em 2010, o Superior Tribunal de Justiça autorizou a adoção de uma criança por um casal de mulheres. No ano passado, o Supremo Tribunal Fe­deral aprovou a união estável para os homossexuais. A falta de legislação es­pecífica ainda deixa espaço para inter­pretações diferentes, mas a situação começa a mudar. A enfermeira Cecília de Ávila, de 53 anos, de Uberaba. Mi­nas Gerais, havia colocado apenas seu nome nos pedidos de adoção de dois dos quatro filhos que cria com a artesa Ana Cláudia Santos. 45. Por sugestão do próprio promotor, iniciou os outros dois processos junto com Ana. 

Claro que não se pode exigir que todas as pessoas reajam com naturali­dade diante de casais do mesmo sexo. Embora as estatísticas mostrem cres­cimento, esse arranjo ainda é novidade para muitos. Faz parte do cotidiano dos casais homossexuais lidar com doses diversas de estranheza. "Quando saímos os quatro juntos, as pessoas olham com muita curiosidade. Na es­cola nos apresentamos como pais adotivos, sem maiores explicações. Mas as meninas falam abertamente que têm dois pais e alguns coleguinhas acham que é mentira", relata Cruz, o pai de Pérola e Pétala. A artesa Ana Cláudia conta que Laura, a filha mais velha, passou por uma situação difícil. "Uma menina disse que não ia mais ser ami­ga dela por nossa causa. Informamos a diretora, que conversou com a aluna." Laura, de 10 anos. vive há cinco com suas duas mães e aprendeu a driblar esse tipo de obstáculo. Diz ela: "No começo, sentia um pouco de vergonha, mas hoje eu gosto de contar que tenho duas mães".

Fonte: Veja, n. 48, 28 de novembro, 2012, p. 103-104 

1 comentários:

  1. Beeemmm diferente daquele horror homofóbico do tal Guzzo! Mas eles voltaram ao padrão de naturalidade do tema ou reagiram aos protestos das cartas, artigos, vídeos, etc... contra o artigo que compara gays a cabras!!??

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