Amores violentos: agressões entre casais de lesbianas 

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Estabeleceu-se o dia 25 de novembro como dia de luta contra a violência contra a mulher. Neste dia, estatísticas da violência masculina contra as mulheres são apresentadas e campanhas são realizadas contra o problema. No entanto, um tipo de violência contra as mulheres tão nefasto ou até mais nefasto que a violência masculina geralmente é deixado de lado nestas abordagens. Trata-se da violência que as mulheres cometem contra as mulheres seja a violência mais generalizada da tristemente célebre inimizade feminina seja a violência doméstica entre mulheres.

Assunto indigesto para muitas, a violência entre mulheres pode deixar marcas ainda mais fundas que a violência masculina na medida que suas vítimas não têm a quem recorrer. Os homens violentos contam com o movimento feminista em seus calcanhares e, apesar de forma ainda precária, as mulheres heterossexuais dispõem das delegacias das mulheres e da proteção da heteronormalidade para se amparar. As lésbicas não.

Algumas já viveram inclusive o paradoxo de ter, como molestadoras, lésbicas que se dizem feministas (sic) e que contam com a indulgência do movimento de mesmo nome para com seus abusos. Outras que procuraram apoio em delegacias da mulher tiveram que encarar uma segunda violência, além da já sofrida: a violência do preconceito contra a homossexualidade.

Conscientes de que a violência física ou psicológica venha de quem vier, venha como vier, é sempre violência e deve ser combatida, abrimos espaço para iniciar uma discussão sobre este tema tão delicado reproduzindo abaixo o texto da psicóloga Kátia Horpaczky sobre violência entre mulheres e solicitando a nossas leitoras que nos enviem depoimentos ou relatos sobre casos dessa natureza para que juntas possamos mudar este quadro dramático.

Míriam Martinho

Amores violentos

Para algumas lésbicas, a agressão física é a melhor resposta para os problemas no relacionamento


Antes de começar, no entanto, vamos definir a violência doméstica entre casais como qualquer agressão física, sexual e/ou psicológica em que um dos parceiros tenta estabelecer e manter controle e poder sobre o outro. 

Existe sim violência doméstica (ou seja, dentro da própria casa) entre lésbicas. Muitas desconhecem que em uma relação dessa natureza possa existir esse lado negro da subjugação, da anulação do próprio ser humano, da intimidação, da dor e do silêncio. O raciocínio simples é de que quem ama, seja um casal hetero ou homossexual, não se agride. Não deveria haver espaço para agressões no amor. 

A violência doméstica entre casais gays só começou a ser estudada na década de 90 (no caso dos heterossexuais ela é pesquisada desde 1970) e ainda muita resistência em se falar deste assunto. Atualmente, a questão tende a sair da esfera do desconhecido, ao se desfazer dois mitos: o estereótipo de socialização da mulher (naturalmente, elas são não-violentas) e a visão idílica das relações lesbianas (seriam relações entre iguais, fora de toda forma de poder). O mito existe e seu objetivo é silenciar aquilo que a violência nas relações lesbianas desmascara. Acreditava-se que as lésbicas estavam imunes. Afinal, não estão.

Dou voltas e voltas a tentar descortinar um motivo, um único motivo que possa justificar a agressão física e a agressão psicológica. Não há, absolutamente, qualquer razão para que se tenha um comportamento violento com quem amamos. Ou então, não amamos.

Não quero com isto dizer que pensava que só os homens são violentos e que a relação lésbica estava imune por nela não haver homens. Nada disso. Minha convicção era que um amor sublime, como é o amor entre duas mulheres, estava imune. Também não consigo perceber o que leva um homem ou uma mulher a baterem no marido ou na mulher. Não digo que o amor entre casais hétero seja menos verdadeiro do que existente entre duas mulheres. O fato é que a violência entre os casais heterossexuais é, infelizmente, mais familiar. Os agressores sempre justificam a violência como conseqüência de um ato da parceira. “Ela me fez fazer isto”. “Ela provocou”. “Ela procurou por isto”. Algumas vezes, as próprias vítimas acreditam nisso.

As lésbicas também são vítimas de ataques de ciúmes doentios, de problemas psicológicos graves, de demonstrações de poder dolorosas e de manipulações psicológicas. A violência de um ponto de vista feminista é definida como a tradução do controle e do poder exercido sobre alguém. Existem outras definições:

Esta definição, como todas as que se referem às correntes feministas – está ligada à dominação masculina. Quando tomamos consciência da forma como é definida a violência nas relações lesbianas, encontramos pontos comuns entre elas, mas também algumas diferenças: “Uma lésbica sofre violência quando começa a temer sua companheira, quando modifica seu comportamento por causa de abusos sofridos ou do medo de abusos futuros, quando desenvolve uma consciência particular ou adota tipos de comportamento destinados a evitar a violência e isto contra seus próprios desejos e preferências. O poder e o controle podem se estabelecer sem agressão física, por meio de agressões psicológicas ou verbais. (Centre de Santé des Femmes de Montréal, 1995 : P.9)

Desta forma, assim como nas relações heterossexuais, trata-se do poder e controle que uma exerce sobre a outra. Assim: “Pelo poder e controle que exercem, tentam satisfazer suas necessidades pessoais sem nenhuma referência às necessidades e desejos da outra”. (Centre de Santé des Femmes de Montréal, 1995 : p.9)

O papel do ciúme quando ele entra na relação

O ciúme nem sempre vem de fora para dentro, pode vir de nossas inseguranças, fantasias e medos. Ele ameaça e pode até levar ao rompimento da relação. No relacionamento amoroso estamos sempre pensando no ser amado, no que já foi vivido, na troca de carinho e de prazer, sempre estamos construindo e reconstruindo a relação no pensamento, garantindo assim que continuemos investindo no futuro dessa relação, muitas vezes “idealizando”. E é aí que muitas vezes as coisas saem erradas, pois o que foi “idealizado” não corresponde à realidade. Muitas vezes, há uma grande distância entre o sonho e a realidade.

Uma relação amorosa não se sustenta só com sonhos, ela é baseada, principalmente, com a realidade, com a troca, com o relacionamento em si. A relação idealizada deve estar de acordo com a realidade e, para que isso aconteça, passamos a buscar sinais do amor, provas, atos e gestos amorosos. Quando não encontramos ou não encontramos do jeito que imaginamos, cria-se o ambiente favorável para a instalação do ciúme, que traz junto a possível introdução de um “terceiro” na relação.

Tipos ciumentos

Com o surgimento de um terceiro na relação, ou a simples possibilidade, conduz a alguns tipos de reação e de tentativa de resolução. Um desses tipos é o “tipo heróico” aquele que aceita e admite o interesse e até mesmo o amor do seu par por outra pessoa, tendo como fala: “Pode ir, se é isso que você quer” ou mesmo “Tudo bem, contanto que você seja feliz”.

Mesmo estando com raiva, magoado ou mesmo com ódio, tenta superar, se submetendo a tentar ser do “jeito” que a pessoa amada deseja, ou no mínimo do jeito que ele acha que o “amado” gostaria, passando a imitar e ter como modelo o “terceiro”. Neste caso, quando a relação termina, a pessoa sente-se obrigada a desistir da “amada”, e muitas vezes o faz sentindo muita raiva, mágoa e até ódio. Sua reação é de destruir o passado, as lembranças, as memórias, os presentes, tendo em seguida a apatia e até mesmo a depressão.

Outro tipo é o “passional” sua característica é baseada na exclusividade do prazer. Por exemplo: “Só ela me dá prazer”, “Sem ela não vivo”, não é apenas uma busca é muito mais do que isso, chega a ser uma necessidade, passando do desejo, do prazer, para a dependência e necessidade.

Este tipo acontece na esfera do pensamento, então muitas vezes a introdução do “terceiro” é fantasiosa, só acontece na fantasia, sem correspondência na realidade. O ciúme neste tipo é muito forte e persecutório, podendo tornar a vida da “amada” um verdadeiro inferno.

Existe ainda a “paixão unilateral” que se estabelece na eminência de uma separação e o que o ciúme se instala imediatamente, pois a pessoa vive o tempo todo achando que vai ser abandonada, rejeitada, trocada, descartada. A “amada” passa a ser a única fonte de prazer. “Prefiro morrer a perder a pessoa amada”. A pessoa passa a se menosprezar, se desqualificar, passando a achar qualquer pessoa melhor e mais interessante do que ela. Acha que só ela ama e que só ela sofre. Tem ciúmes da própria sombra.

Doses de ciúmes

Podemos falar em três gradações de ciúmes. O ciúme normal, a pessoa fica triste, tem sentimento de perda ou mesmo pensa ter perdido o “amado”, causando dor e sofrimento. A pessoa sofre uma ofensa ao seu narcisismo e sua auto-estima fica comprometida. Pode também se sentir responsável pelo rompimento e fica ainda mais deprimida. Essas situações podem ser reais e atuais, mas não são sempre racionais, porque muitas vezes podem ter suas raízes em fases mais infantis.

No ciúme projetado a sua característica é a própria infidelidade praticada por um dos parceiros ou no desejo de ser infiel. Não podemos descartar que a fidelidade sempre estará sujeita a tentações, pressões e cobranças. As pessoas que tendem a projetar o ciúme sempre estão negando seus desejos, suas dificuldades ou até mesmo suas infidelidades. Quanto mais sentem essa pressão, mais elas suspeitam da fidelidade do “amado” e assim aliviam sua própria consciência.

A terceira gradação é o ciúme delirante, classificado nas formas da paranóia. É a gradação mais forte, chega a ser patológico. Nesse tipo, o ciumento transforma a relação dual em triangular e o “amado” passa a ser objeto de ressentimento, de frustrações atuais ou do passado, o “amado” passa ser a parte ruim da pessoa. Nesse nível, o ciumento se sente enganado, abandonado, e começa a criar uma realidade cheia de histórias e mentiras, passa a acreditar nessa realidade e começa a reagir. As formas de contra-ataque podem ser das mais brandas até as mais violentas. O ciumento vai envolvendo o “amado” nas suas histórias, confundindo-o, criando pseudo provas com interpretações delirantes. “Estou sendo traído”.

Um manual sobre o tema violência doméstica lançado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) fez lembrar que entre casais de homossexuais, lésbicas, travestis e transexuais também podem ocorrer ameaças, humilhações, tapas e até mortes — nada diferente do que ocorre entre alguns casais heterossexuais. A diferença, quando ela existe, é que nos casais heterossexuais é o homem que costuma bater; nos outros, geralmente, é o mais fraco que apanha.

Números não oficiais divulgados pelo GGB estimam que mais de uma centena de gays, lésbicas e travestis (GLTs) são assassinados por ano, no Brasil. Segundo Luiz Mott, professor da Universidade Federal da Bahia e fiador desses números, entre cinco e dez desses casos seriam de amantes que mataram parceiros.

Para finalizar, gostaria de lembrar que quando nos relacionamos amorosamente, deveríamos também fazer uma distribuição dos nossos sentimentos e afetos em outras relações como amizade, família..etc. Dessa forma, o “outro” não se tornará “tudo” para nós. É importante manter uma vida independente do relacionamento amoroso, pois isso ajuda a enriquecer a relação. São experiências e histórias que podem ser trocadas com a parceira e que vão ajudar a enriquecer e fortalecer o relacionamento no dia-a-dia. É importante lembrar que cada um de nós tem uma história de vida, interesses diversos que podem ser compartilhados. Se, por ventura, você tem uma relação sufocante com sua parceira que não está fazendo bem a você, nem a ela, é preciso conversar. Não destrua uma relação com agressões, sejam físicas ou psicológicas, elas podem causar feridas e mágoas desnecessárias. Não deixe a situação chegar a este ponto. Pense a respeito. Se não conseguir chegar a uma conclusão, procure ajuda. Não manche sua história de amor.

Kátia Horpaczky é Psicóloga Clinica, Psicoterapeuta Sexual de Família e Casal

Publicado originalmente, no site Um Outro Olhar, em 24/11/05

8 comentários:

  1. karla adriana pereira do nascimento7 de agosto de 2012 às 10:09

    Katia Horpaczky é com muita alegria que leio o seu artigo.Sou vítima de violência em uma relação de sete anos com uma jornalista e o tratamento que recebi por parte de autoridades competentes é de despreparo total,pois para alguns quando há violência em um relacionamento entre "iguais" é briga de comadres ou compadre,dá para se defender.Mas o que dizer quando não espera-se que pessoas que lutam pelos direitos humanos possam ser tão desumanos.Ouvi várias vezes que deveria ter feito isso ou batido desse jeito ou de outro,mas a ferida é aberta no momento em que a relação acaba e um dos dois ainda está vivendo um conto de fadas.Brigas esporádicas,mentiras sobre viagens,começo de um isolamento pois tínhamos e fazíamos tudo juntas e acho até mais cruel do que entre heterossexuais pois quando se trata de lésbicas alguém não é tão lésbica assim e apenas utilizou da relação para se dar bem.Desconfie quando o outro quer viver escondido, da família,ainda vai,mas dos amigos e de quem pouco importa o comentário é exagero! E pouca sensibilidade com os sentimentos de quem enfrenta tudo e todos para estar ao lado de quem se ama.Desconfie quando começa as avessas da cinderela quando encontra a sua princesa encantada só que nesse conto viramos gata borralheira exatamente na hora em que dormimos no ponto.Desconfie quando as mudanças no relacionamento só beneficia uma parte.Desconfie quando a outra não suporta te olhar pois o amor nos faz enxergar a nós mesmos e isso não é fácil quando os valores estão concentrados em formas exteriores e padrões ortodoxos.Desconfie quando começa a enxergar no outro a eternidade pois é bem aí que descobrirá a finitude de tudo.Não aprenda a se valorizar pois nessa época se você ainda estiver estudando como você é,foi ou será a outra pessoa já te definiu e conseguiu te convencer de que você não é,não foi e nunca será,e aí será mais uma para o divã.Lembre-se sempre que numa relação achamos que tudo é "gravação de clipe"mas tudo que se passa e a mais pura realidade,apesar de não crermos que um dia a princesa que te despertou é a mesma que te fez adormecer para si.E confie sempre no amor porque se você acredita nele com certeza é esse amor que te salvará o mesmo que um dia você doou sem esperar nada ,apenas afeto e amizade ,e se fortaleça em seu ser porque o amor não é para desesperados mas para aqueles que são capazes de perdoar principalmente a si mesma.Muito obrigada por tudo Kátia a discussão já será positiva para que as leis sejam também para casais homossexuais.Karla Adriana

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  2. Muito bom o artigo. Eu posso dizer que tive as duas experiências. Na primeira vez, eu fui muito ciumenta, mas na minha concepção e na de amigos eu era provocada. Me deixei envolver no jogo e fui pro fundo, me esqueci de mim e doei todo "amor". Na verdade, na época, não sei agora, ela só queria receber. A relação andava em uma direção e ela não era confiável amigos tentanvam me alertar mostrar as características reais dela, mas eu não entendia até passar o inferno que passei. Me recuperei, fiz terapia psicológica. Encontrei uma nova namorada e dessa vez sofri com as cenas de ciúmes doentis chegando a expor minha sexualidade, envolvendo outras pessoas de trabalho e amigos, fazia chantagens emocionais, nunca me bateu, mas ameaçou bater em outras pessoas, chegou a ameaçar a se matar caso eu não voltasse pra ela, hoje ela me persegue invade minha privacidade, me liga várias vezes todo dia, manda mensagens, e-mails..tive que bloqueá-la e mudar o número do celular, mas ela entra no meu prédio insiste na campanhia, no interfone, na janela...eu não atendo os chamados dela, não converso mais porque já o fiz muitas vezes e não adianta porque ela só escuta o que quer e nunca dá em nada. Inclusive a levei ao psicólogo mas ela não está mais indo para a terapia. Eu decidi cuidar de mim, já que essa relação estava me desequilibrando novamente. Na verdade ela ainda me atordoa com essas tentativas de falar comigo. Não sei o que fazer, pois até meus amigos deixaram de sair comigo por causa dela.

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    1. Também vivo um relacionamento onde a outra provoca. Sou ciumenta, mas ela provoca e, quando discuti, ela diz que não aguenta o meu ciume pocessivo. Infelizmente, virou um jogo. Sinto ciumes e ela provoca, parece que faz bem ao ego dela.
      Não estou aguentando mais esse joguinho dela, mas a amo.
      Mas esta insuportável.

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  3. oi,fiquei surpresa com o q li pois me acho ciumenta,mais não consigo me ver maltratando um amor assim em nome do ciúme .realmente é lamentável viver assim .

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  4. Já vivi isso algumas vezes ..
    Onde eu já estive nos dois lado da história , já fui muito ciumenta mas também me recuperei e aí vivi na pele cenas de ciúmes e crises , também sofri agrecao física e psicológica ..
    Não sei como lidar com isso é nem o que fazer .

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  5. Estou buscando ajuda para tratar minha namorada, ela sabe que me agredir é errado, mas ainda assim fica doida deendendo da conversa e surta. Não sei o que fazer, pedi o término várias vezes, mas ela ameaça se matar e fica mais doida ainda, não sei o que fazer mesmo.

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