Estreante Carol Fazu comenta papel como lésbica em Segundo Sol

sexta-feira, 28 de setembro de 2018 0 comentários

Carol Fazu, a Selma de Segundo Sol (Foto: Isabella Pinheiro/Gshow)
Carol Fazu, a Selma de Segundo Sol (Foto: Isabella Pinheiro/Gshow)

Interpretando lésbica em núcleo polêmico, estreante Carol Fazu comenta papel em Segundo Sol

Um dos núcleos que vêm causando mais polêmica na novela Segundo Sol é o que envolve Selma – Carol Fazu -, Doralice (Robertha Rodrigues), Maura (Nanda Costa) e Ionan (Armando Babaioff). O autor João Emanuel Carneiro surpreendeu o público e promoveu um triângulo amoroso, o que foi criticado por algumas pessoas, que o acusaram de confundir a cabeça das pessoas sobre o tema LGBT.

Estreante na TV, a interprete de Selma concedeu entrevista ao site Gshow e ignorou a polêmica. Para ela, o papel é de grande importância para o público sobre o assunto e afirmou que as pessoas estão torcendo pelas duas lésbicas da trama.
As pessoas estão vibrando com o tema da novela, torcem pelo amor das personagens e falam da importância do debate sobre o assunto para combater o preconceito, que ainda existe, infelizmente. É uma delícia o reconhecimento do trabalho”, disse ela, que comemorou o trabalho ao lado de medalhões da TV brasileira, como Giovanna Antonelli.
Sempre fui fã dela, que é uma atriz completa e talentosa. Outro dia contracenei com o Francisco Cuoco, que faz parte da história da TV. Olha que honra, só tenho a aprender. Fico muito admirada e me emociono em estar perto de ótimos profissionais”, destacou.
Diferente de Selma, Carol revelou que a maternidade não é prioridade em sua vida. 
Tem mulheres que têm o instinto de ser mãe, independentemente de estar em uma relação. Sempre que pensei em ter um filho, pensei em formar uma família”, revelou.
Ela destacou que hoje em dia esperar não é um empecilho.
Hoje, a idade não é uma questão. Há a ciência e tecnologia de congelar os óvulos. É bom prolongar o prazo. Acabei priorizando a minha carreira. A maturidade me ensinou que tudo tem seu momento”, contou.
Fonte: TV Foco, por 09/09/2018 

Apoio à reprodução assistida para casais de lésbicas e mulheres solteiras na França

quinta-feira, 27 de setembro de 2018 0 comentários


Comitê de Ética ratifica apoio à reprodução assistida para casais de lésbicas e mulheres solteiras na França
Comitê de Ética ratifica apoio à reprodução assistida para casais de lésbicas e mulheres solteiras na França

É um novo passo que pode estender o direito da procriação medicamente assistida (PMA) a todas as mulheres na França. Acionado pelo governo, o Comitê Consultativo Nacional de Ética (CCNE) voltou a emitir um parecer nesta terça-feira (25) a favor da modificação da lei da bioética na França para que casais formados por lésbicas e mulheres solteiras que queiram ter filhos possam recorrer a inseminações artificiais ou a fecundações in vitro. 

Em comunicado, o CCNE divulgou que a impossibilidade para muitas famílias de terem uma criança hoje é “um sofrimento que deve ser considerado”. O comitê voltou, desta forma, a emitir sua opinião favorável a estender a PMA a todas as mulheres, a exemplo de como já havia feito em 2017

Ongs feministas e militantes LGBT comemoraram o anúncio. “Temos muita esperança de que a lei será modificada e passará a servir aos casais formados por mulheres e também às mulheres solteiras; há um forte apoio do governo para isso. Essa reflexão foi feita por defensores de direitos, pelo Estado, pelo Conselho de Ética e pesquisas mostram que os franceses também são favoráveis a essa extensão”, avalia o porta-voz da Associação das Famílias Homoparentais (ADFH), Fabien Joly, em entrevista à RFI. 

Atualmente, a lei francesa da bioética estabelece que a PMA – seja a inseminação artificial ou a fecundação in vitro – é autorizada apenas aos casais heterossexuais inférteis. A possibilidade para que casais formados por duas mulheres ou mulheres solteiras pudessem recorrer a esses métodos era uma promessa de campanha do presidente francês, Emmanuel Macron, e é liderado hoje pela ministra da Igualdade entre Mulheres e Homens, Marlène Schiappa.

Foi o próprio governo que pediu um parecer no CCNE antes de abrir o debate sobre a da PMA para todas as mulheres por legisladores. O projeto de lei sobre a questão deve ser apresentado antes do final deste ano e será debatido pela Assembleia Francesa no início de 2019. 

Conservadores e religiosos se opõem

A convocação do CCNE pelo governo incendiou os principais grupos conservadores da sociedade francesa. Como o Manif Pour Tous – coletivo de associações que se formou na época do debate sobre a legalização do casamento entre as pessoas do mesmo sexo na França, aprovado em 2013. 

“A sabedoria, o engajamento, a razão, a justiça, a igualdade para a criança não dizem que não precisamos de uma lei que permita uma filiação sem pai”, protestou Ludovine de La Rochère, presidente do Manif Pour Tous. Ela promete liderar grandes manifestações contra o parecer do CCNE, “porque estão interferindo no direito da criança”.

Representantes da Igreja Católica também se manifestaram contra a possibilidade de estender a PMA a casais de lésbicas e mulheres solteiras, baseado no mesmo princípio que a modificação da lei pode resultar em filhos sem pai. “Pedimos atenção para algumas consequências que essa lei pode ter, particularmente o fato de autorizar o nascimento de uma criança que será, juridicamente, privada de pai. É uma grande mudança na sociedade. Gostaríamos de prevenir que a presença de um pai não é ilustrativa”, avalia o bispo de Limoges, Pierre-Antoine Bozo, em entrevista à RFI. 

O Conselho do Culto Muçulmano da França (CFCM) se alinha à visão da Igreja Católica. “No Islã, queremos preservar a filiação e, é claro, na religião muçulmana, a procriação só pode ser feita por heterossexuais casados e apenas nesta situação a PMA é autorizada”, disse à RFI o vice-presidente do CFCM, Anouar Kbibech.

52% dos LGBT da França querem ter filhos

No mesmo dia em que o parecer do Comitê Consultativo Nacional de Ética sobre a PMA foi anunciado, uma pesquisa realizada pelo Instituto Francês de Opinião Pública (Ifop) mostrou que 52% dos cidadãos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) no país em idade de procriar (com menos de 45 anos) querem ter filhos. Para boa parte deles, a possibilidade não faz parte de uma perspectiva a longo prazo: 35% dos entrevistados desejam fundar uma família nos próximos três anos.

Várias outras pesquisas mostram que os franceses são majoritariamente a favor da questão. Um levantamento realizado pelo Ifop em janeiro deste ano apontou que 60% da população apoia a realização da PMA por casais formados por lésbicas e 57% por mulheres solteiras.

“A dupla filiação maternal ou paternal já é aceita desde 2013, quando o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi aprovado, permitindo que casais homossexuais possam adotar. Ou seja, já foi debatido e decidido que ter dois pais ou duas mães não prejudica os interesses da criança. Por isso, penso que, apesar da agitação dos conservadores e dos religiosos, não há um cataclismo ou fim da civilização acontecendo”, defende Fabien Joly. 

Para o porta-voz da ADFH, a aceitação de diferentes tipos de famílias passa por uma evolução de pensamentos, já em curso na França. “Se pudermos fazer uma comparação, há um tempo atrás, crianças vindas de pais e mães que se separaram eram incomuns nas escolas; hoje eles são praticamente a maioria, sem que isso seja um problema. Nos próximos anos, crianças que fazem parte de famílias formadas por pessoas do mesmo sexo não serão mais objetos de questionamento, isso será algo completamente convencional”, conclui. 

Além do parecer sobre estender a PMA a todas as mulheres, o Comitê Consultativo Nacional de Ética também se pronunciou sobre a gestação de substituição, conhecida no Brasil como barriga de aluguel (GPA na França). O órgão renovou nesta terça-feira sua oposição ao método, que é proibido pela legislação francesa e centro de outro polêmico debate no país. Em julho, a Corte de Cassação da França autorizou a transferência de certidões de crianças nascidas fora do país, através de gestações de substituição, além da autorização para a adoção destas crianças pelo marido ou da esposa de seus pais biológicos.

Fonte: RFI, 25/09/2018

Diretora de filme lésbico processa Quênia para poder exibir sua obra em casa e ter indicação do país ao Oscar

terça-feira, 25 de setembro de 2018 0 comentários

Diretora Wanuri Kahiu, de "Rafiki", ao centro, com as atrizes Sheila Munyiva e Samantha Mugatsia,
em Cannes - REUTERS/Jean-Paul Pelissier

Diretora de filme de amor lésbico processa Quênia para reverter proibição
Wanuri Kahiu busca reverter a suspensão para que o longa possa ser cogitado a uma indicação do país ao Oscar

RIO - A diretora queniana Wanuri Kahiu, de “Rafiki”, um filme proibido em sua terra natal (ver trailer abaixo), por contar uma história de amor entre duas mulheres, entrou com uma ação judicial para reverter a suspensão para que o longa possa ser cogitado a uma indicação do país ao Oscar.

“Rafiki”, que significa amiga na língua suaíli, foi o primeiro título queniano a estrear no Festival de Cannes. Ele é baseado em “Jambula Tree”, conto premiado da escritora ugandense Monica Arac de Nyeko.

Para disputar a indicação do Quênia à categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar de 2019, o filme precisa ter sido lançado no circuito nacional, mas o país do leste africano o proibiu em abril alegando que ele promove o lesbianismo. O prazo para um lançamento é 30 de setembro.

Wanuri Kahiu processou o chefe do Comitê de Classificação Cinematográfica do Quênia, Ezekiel Mutua, e o procurador-geral.

O comitê, que tem que verificar os roteiros antes do início das filmagens, impôs a proibição, dizendo no Twitter: “Qualquer pessoa que for encontrada de posse dele estará violando a lei”. A lei em questão remonta aos tempos coloniais e determina que o sexo gay é punível com 14 anos de prisão.

A proibição representou uma reversão do comitê, já que anteriormente Mutua havia elogiado o filme por ser “uma história sobre as realidades do nosso tempo”. Em 2015 o comitê também barrou o filme “Cinquenta tons de cinza”.

A homossexualidade é um tabu em grande parte da África, onde os gays enfrentam discriminação ou perseguição. Mas nos últimos anos defensores dos direitos de lésbicas, bissexuais, gays e transgêneros vêm se tornando cada vez mais explícitos.

Fonte: O Globo, 12/09/2018, via Reuters


Casal de lésbicas francesas proibido de dar o nome de “Amber” ao filho

segunda-feira, 24 de setembro de 2018 0 comentários


Justiça francesa proíbe casal de lésbicas de dar o nome de “Amber” ao filho
No país, autoridades podem impedir que um nome seja dado se for considerado “prejudicial” para a criança

Na França, um casal de lésbicas está brigando com a Justiça para poder dar o nome de “Ambre” – o equivalente em inglês a Amber, um nome comum para meninas na Inglaterra – ao filho nascido em janeiro deste ano.

De acordo com a mídia local, o nome “Ambre” apareceu na França pela primeira vez em 1950 e é o feminino de Ambroise, que significa “imortal”. Porém, o nome é raramente dado no país até mesmo para meninas.

O casal foi denunciado pelo responsável por registrar o bebê no cartório e a Justiça entendeu que o nome deveria ser proibido porque “confunde a criança de uma maneira que poderá ser prejudicial” por ser considerado feminino.

Em entrevista ao France Bleu, o casal disse considerar a decisão muito injusta e questiona se não há um fundo de homofobia. “A sociedade é muito injusta e deixa nomes ridículos passarem, mas esse não! Ambre é um nome clássico reconhecido por poder ser dado aos dois gêneros”, disse Alice Gondelle, mãe do menino.

O casal está tentando reverter a decisão da Justiça e o caso deverá ser julgado novamente em abril de 2019. Até 1993, os pais franceses precisavam escolher como chamariam os filhos com base em uma lista de nomes considerados “aceitáveis” pelas autoridades. Isso não existe mais no país, mas a Justiça pode continuar banindo nomes considerados “prejudiciais” aos bebês. Os últimos casos de nomes proibidos que ganharam repercussão internacional foram Nutella, Fraise (morango) e Manhattan.

Fonte: Crescer Online, 13/09/2018

A vida de gays e lésbicas na velhice

quinta-feira, 20 de setembro de 2018 2 comentários

Naiara (E): "As pessoas se torcem para olhar. 'Onde já se viu
 duas velhas sapatonas no meio da rua?'"Andréa Graiz / Agencia RBS

A velhice entre iguais: como é a vida de gays e lésbicas depois dos 60 anos
A rotina na terceira idade inclui a paixão e, também, o sexo. Mas, para os homossexuais, pode haver particularidades. GaúchaZH ouviu idosos sobre seus afetos e suas relações

Elas simulam o primeiro beijo até hoje: se há algum desentendimento, um selinho que depois passa para um toque de lábios mais demorado, quando uma não deixa a outra se afastar, tem o poder de lembrá-las da fortaleza do relacionamento de mais de três décadas e, ao mesmo tempo, do frescor de que esse amor ainda desfruta. 

A comerciária aposentada Mary Saupe Malavolta, 66 anos, com os cabelos grisalhos que nunca quis pintar, já está plenamente instalada na terceira idade, grupo formado pelos indivíduos a partir dos 60. Falar de envelhecimento é comum para uma população que está se tornando cada vez mais longeva, mas a velhice dos homossexuais ainda é tabu até mesmo entre o público LGBT. Desafios como a deterioração da forma física e da saúde, a necessidade de amparo, a solidão e a falta de políticas públicas específicas podem dar tons mais dramáticos às vivências desse grupo, nativo de um tempo em que as relações entre pessoas do mesmo sexo eram reprovadas com muito mais veemência.

Mary e a companheira, a servidora pública federal aposentada Ana Naiara Malavolta Saupe – uma adotou o sobrenome da outra –, 51, estão juntas há 33 anos. Enfrentaram caras feias e grosserias no começo, namoraram escondidas, tiveram suas próprias barreiras a superar, como qualquer par, mas jamais passaram por uma situação que provocasse um rompimento. São reconhecidas como um casal não apenas nas rodas por onde circulam e pelos vizinhos, mas também quando são somente duas anônimas na multidão: andam de mãos dadas, abraçam-se na parada de ônibus, afagam-se quando sentadas lado a lado. A tolerância com a diversidade deveria ter aumentado muito em todo esse período, mas elas ainda chocam.
Sai comigo e com a Mary na rua um dia. As pessoas se torcem para olhar. "Onde já se viu duas velhas sapatonas no meio da rua?" — relata Naiara.
Alguns querem tirar a prova e as questionam se são mãe e filha, dando abertura para a resposta natural:
Não, ela é minha esposa. 
Andréa Graiz / Agencia RBS

A sensibilidade do tema e o forte preconceito ainda vigente ficaram evidentes nas dezenas de tentativas de Zero Hora para convencer idosos homossexuais a contarem suas histórias. A reportagem carecia de voluntários dispostos a falar abertamente, sem se proteger por trás de nomes fictícios ou letras iniciais, e a se deixarem fotografar. Possíveis entrevistados, quando contatados, sentiram-se até ofendidos. Alguns toparam conversar, narrar suas rotinas – a prática de frequentar saunas para socializar e se satisfazer sexualmente, os encontros clandestinos, a dificuldade de arranjar parceiros devido à idade –, mas apenas como desabafo, sem cogitar jamais que as confidências viessem a público. Muitos saudaram a ideia de ver o tema no jornal como um meio de conscientizar os leitores e dissolver preconceitos, mas se desculparam por não terem interesse ou coragem de encarar a repercussão. Um conhecido senhor de mais de 80 anos alegou que uma tia sabia de sua orientação, mas jamais suportaria passar pela exposição do sobrinho.
Se já é difícil ser gay no dia a dia, imagine quando todos os vizinhos e parentes enxergarem minha foto estampada no jornal falando sobre minha homossexualidade — alegou outro dos personagens sondados para dar um depoimento.
Não é questão de se esconder, de ser enrustido, o que não sou, mas expor minha vida em jornal não faz minha cabeça — desculpou-se um terceiro, de 68 anos. — Somos pessoas que pertencem a uma geração muito reprimida. Na época de juventude, éramos vistos como coisa demoníaca, um pecado, um insulto a Deus, uma aberração. Fomos achatados por uma cultura religiosa, educacional e familiar, o que é bem diferente da gurizada de hoje, muito mais livre, solta, natural nos seus gestos e atitudes, que teve pais que não a sufocou com conceitos retrógrados e pobres.
Mary, 66 anos, e Naiara, 51, moradoras de Viamão, estão juntas
há mais de três décadas Andréa Graiz / Agencia RBS

Quando pequena, como quase toda menina, Mary brincava com bonecas. Com uma diferença fundamental nos papéis atribuídos a ela e aos brinquedos: o contexto não era de mamãe e filhinhas, mas de namoradas que se beijavam. As duras reprimendas da mãe eram acompanhadas de palmadas na bunda e beliscões nos braços. Mary se sabia diferente, mas levou muito tempo até descobrir o que era. Seguiram-se amores platônicos pela professora e por uma menina da escola, além de tentativas de casinhos com meninos – por pressão de familiares e amigos –, cujos beijos lhe provocavam repulsa. 
Eu não tinha a quem recorrer, organizações que pudessem acolher ou tirar dúvidas. A homossexualidade era considerada anormal. Eu nem conhecia a palavra lésbica. Conhecia a palavra que a minha mãe usava: machorra — recorda a comerciária, durante uma manhã de agosto em que conversou com a reportagem, na companhia de Naiara, diante do fogão a lenha de casa, em Viamão. 
A primeira relação com uma mulher aconteceria apenas por volta dos 30 anos. Mary virou motivo de chacota e, ao mesmo tempo, um troféu a ser conquistado: naquela idade, ainda era uma "princesinha", virgem, disputada por garotas que queriam lhe ensinar as artimanhas da transa entre iguais. Em um período de muito sofrimento, Mary era cobrada para que se assumisse. À época, os termos "coturno" ou "sapatilha" designavam os papéis masculino e feminino na relação. 

Um episódio traumático traria uma certeza. Lateral-direita de boa técnica e condicionamento físico, Mary disputava um campeonato feminino de futebol no Litoral quando deu um chute forte que atingiu em cheio a coxa de uma jogadora. A atleta se queixou, começaram as reclamações, um burburinho, "manda embora essa sapatão!", "não pode!", "é homem!". De repente, a fúria da quadra incendiou a plateia ao redor.
Sapatão! Machorra! — urrava quase uma centena de torcedores. 
As crianças olhavam para Mary como se mirassem um ET. Ela segurou o choro. Amigos a incentivaram a "ficar surda" para a balbúrdia. O jogo recomeçou, a lateral marcou incríveis 10 gols e deu mais quatro ou cinco boladas nas adversárias. Seu time ganhou. 
Aquilo me fortaleceu em algumas convicções. Saí arrasada, cara, mas sem nenhuma dúvida do que eu era — recorda.
Naiara estava na turma que deu força a Mary na partida. Apesar do fracasso da abordagem inicial, anos antes, na boate Vitreaux, quando Mary aproveitou a trilha sonora para revelar suas intenções em relação à jovem atraente, bem mais moça do que ela, cantando Deixa Eu te Amar, de Wando ("Quero te pegar no colo/ Te deitar no solo e te fazer mulher"), ambas já haviam entrado uma na vida da outra para não mais sair.

Duplo estigma

Envelhecer, para a população homossexual, pode ser mais pesado devido a um duplo estigma: além dos muitos enfrentamentos que homens e mulheres têm no espaço social, eles ainda sofrem com a rejeição dentro do grupo. Ou seja, gays e lésbicas idosos, frequentemente, são desprezados ou ignorados por seus pares mais jovens. O sociólogo Murilo Peixoto da Mota, do Núcleo de Estudos em Políticas Públicas de Direitos Humanos na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), descreve um movimento comum de recuo, protetivo, na idade avançada. 
 O homem que, ao longo da vida, lutou para se autoafirmar como homossexual, quando consegue tornar isso público, depara com o seu envelhecimento. Então, muitos voltam para o armário depois de terem lutado para sair do armário — explica o autor de Ao Sair do Armário, Entrei na Velhice... Homossexualidade Masculina e o Curso da Vida.
Mota percebeu resistência ao assunto inclusive em suas pesquisas:
 É um tema do gueto na academia. A academia olha de lado: que importância tem estudar gay velho?
Outros marcadores podem tornar a experiência do envelhecimento ainda mais dolorosa. Carlos Eduardo Henning, antropólogo, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador na área da gerontologia LGBT, cita, além da homossexualidade e da velhice como geradores de preconceito, a raça e a classe social. A experiência varia em graus de dificuldade para gays e lésbicas idosos de classes altas ou baixas e para os negros, por exemplo. 

Henning encontrou as primeiras publicações sobre o envelhecimento LGBT datadas da década de 1960, apresentando um cenário sombrio, sobretudo para os homens, solitários e excluídos dos espaços de socialização, tomados pela mocidade. Era como se os gays idosos não existissem. Decorrido mais de meio século, houve avanços. Hoje, relata o pesquisador, a representatividade é um pouco mais ampla, graças à atuação de militantes e à inserção do tema no enredo de filmes, séries e novelas – Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg provocaram polêmica ao se beijarem no primeiro capítulo de Babilônia, trama exibida em 2015 pela Globo (RBS TV). Para Henning, agora é possível, graças a exemplos positivos, vislumbrar um futuro para os homossexuais. 
Algumas pesquisas mostram que, para você se conceber como velho, não teria como se conceber como gay. Quando as pessoas não veem modelos bem-sucedidos de velhice, não conseguem conceber o que é isso, vira um vácuo de representação. Esse traço de imediatismo era muito presente há 10 anos. Muitos diziam: "Estou vivendo o momento, não vou chegar à velhice, não quero envelhecer". Agora a gente está vendo que a velhice é um projeto possível. A juventude de hoje começa a pensar que um futuro como velho LGBT é algo bem distinto de antigamente. Muitos entrevistados me disseram: "Eu nunca me imaginei chegando até aqui" — conta Henning, também pesquisador do Ser-Tão – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade, ligado à UFG.
Apesar da militância pelas causas lésbica e feminista, Mary tinha até anos atrás uma trava que a levou a buscar apoio psicológico: fugia das demonstrações públicas de carinho. Naiara, também ativista, cobrava:
 Estou aí falando de liberdade e a gente não consegue sair de mãos dadas. Como assim?
As sessões, durante um ano e meio, provaram-se libertadoras.
 Me reafirmei como lésbica. Não tenho que ter medo de expressar a minha sexualidade, e é um direito que tenho o de ser respeitada por isso. Comecei a dar entrevista, sair de mão dada com ela, abraçá-la... Chamo ela de "mor" em qualquer lugar agora — orgulha-se Mary.
A visibilidade, garantem as duas, é protetora, empodera. A vergonha e o medo, por outro lado, dão brecha para agressões e chacotas. Se ouve algum comentário depreciativo ou piada de mau gosto, Mary encara: 
Qual é o problema que o senhor tem com isso? No que posso ajudá-lo? Tem alguma dúvida? Quer saber alguma coisa? Porque eu sou lésbica!
Tanta segurança também impulsiona Mary a intervir em defesa de outras mulheres. Em mais de uma ocasião, flagrou homens forçando proximidade com jovens em ônibus lotados. Furiosa, chamou a atenção das vítimas, que, muitas vezes, entretidas com os celulares, nem perceberam o que estava se passando.
 Por favor, senta aqui no meu lugar, menina — pediu Mary certa vez. — Senta aqui que eu quero ver se vão se esfregar em mim como estão se esfregando em ti! — falou, alto, atraindo a atenção dos demais passageiros.
Ao trocar de posição, encarou o abusador, indicando com as mãos o seu próprio corpo:
Tá, meu querido, vai ou não vai? Não gostou do material? Vamo lá!
Começou uma movimentação no coletivo, outros usuários se oferecendo para atirar o sujeito pela janela, Mary dispensando a ajuda e alegando estar no comando da situação. Na parada seguinte, o agressor desembarcou.
 Não aguento mais esse tipo de coisa — revolta-se ela.
No exercício de uma intimidade tão duradoura, Mary e Naiara observam em detalhes as mudanças em seus corpos. Mary sentiu a diminuição da libido na menopausa. No toque e no beijo, sua falta de vontade para o sexo já era percebida pela parceira, o que nunca foi motivo de atrito, graças a muita conversa. A comerciária diz não se constranger por estar 15 anos à frente. Questionada sobre o que a incomoda defronte ao espelho, tem dificuldade em encontrar a resposta. Pensa e responde: as varizes. No geral, a diminuição da força e do vigor. Para Naiara, a atração continua intacta. 
Adoro o barrigão dela! — diverte-se a servidora pública aposentada, provocando uma gargalhada geral. — (O envelhecimento dela) não afeta minha libido, de jeito nenhum. As pessoas são condicionadas a achar que tem a ver com a estética. Não tem! Tem a ver com o cheiro, a química, a intimidade. Adoro o cheiro dela. A cumplicidade que a gente tem... Somos duas mulheres, não há entendimento melhor do que esse. Ela sabe que sou apaixonada por ela.
Mary retribui:
 Nós tiramos na loteria quando nos encontramos.
A residência do bairro São Lucas está à venda. O plano, antigo, é uma mudança para a Bahia – o pai de Mary, de 87 anos, vai junto. É hora de aproveitar a vida, justificam elas. Pretendem também organizar uma espécie de comunidade, cercando-se de pessoas que possam cuidar umas das outras conforme a idade aumenta.
Morrer é da vida, né? A probabilidade é de que eu vá antes — comenta Mary, explicando que esse tema não é proibido nas conversas. 
Quero mais 33 anos do ladinho dela — deseja Naiara.
Fonte: GauchaZH, 07/09/2018

Homossexualidade deixa de ser crime na Índia

sexta-feira, 14 de setembro de 2018 0 comentários


Homossexualidade deixa de ser crime na Índia
Supremo Tribunal revoga lei imposta pelos colonizadores britânicos que descrevia o sexo entre gays como “delito antinatural”.

A decisão foi recebida em festa. No exterior do Supremo Tribunal da Índia, em Deli, centenas de ativistas explodiram em abraços, aplausos e lágrimas. A lei que até esta quinta-feira de manhã criminalizava o sexo gay na Índia era uma das mais antigas do mundo e foi preciso percorrer um caminho cheio de obstáculos para a anular.
É a nosso favor”, gritou uma jovem, Smriti, enquanto abraçava outras três e antes de ser cercada por câmaras de televisão, descrevem os jornalistas no local. Smriti recebeu uma mensagem de texto de um jornalista que estava no interior do tribunal. “Há muito trabalho por fazer, mas é um enorme primeiro passo”, disse a universitária, de 19 anos. “Já não somos criminosos no nosso próprio país”.
Criminalizar relações sexuais é irracional, arbitrário e manifestamente inconstitucional”, afirmou o juiz presidente Dipak Misra na leitura da sentença, cita a emissora pública britânica BBC no seu site.
Estava a tornar-me num ser humano cínico com muito pouca esperança no sistema. Mas isto volta a mostrar que, no fim, somos uma democracia funcional onde a liberdade de escolha e de expressão ainda existem”, afirmou ao jornal The Guardian Ritu Dalmia, uma entre cinco indianos que assinaram a petição legal na origem deste veredicto.
Restaurar a dignidade


Segundo Geeta Pandey, correspondente da BBC na capital indiana, os ativistas estão a falar de “um novo começo para as liberdades pessoais”. Admitindo que o mais importante será conseguir mudar atitudes num país conservador onde os líderes de todas as religiões condenam a homossexualidade, Pandey recorda que “quase sempre as leis têm um papel importante na mudança de mentalidades” e que, “ao reconhecer o direito da comunidade ao amor, o Supremo restaurou a dignidade que durante muito tempo lhes foi negada”.

O atual Governo é extremamente conservador, mas o preconceito atravessa todo o espectro político: em 2011, o então ministro da Saúde Ghulam Nabi Azad, do Partido do Congresso (agora na oposição), descreveu a homossexualidade como uma doença.

Na prática, o que os juízes analisaram agora foi a sentença de um julgamento de 2013 que ratificou a lei conhecida como Secção 377. Mas com esta decisão parece finalmente ter chegado ao fim o turbulento percurso para legalizar a homossexualidade na Índia moderna: entre 1994 e 2011, uma série de julgamentos saltaram de tribunal em tribunal, com os juízes a evitarem chegar a deliberações finais.

E já em 2009, o Supremo de Deli revogara a Secção 377 do Código Penal, considerando que a proibição de “relações sexuais contra a ordem natural” violava os direitos à vida, liberdade e igualdade inscritos na Constituição indiana. Quatro anos mais tarde, o mesmo tribunal que esta quinta-feira pôs fim a uma lei com 160 anos considerava que o seu uso era tão pouco frequente, e visava uma “parte tão minúscula” da população, que não podia considerar-se que violava os direitos constitucionais dos indianos.

Na altura, o Supremo deixou milhares de indianos em choque, vendo como uma parte fundamental da sua vida e identidade voltava a ser um crime punível com prisão perpétua. “Foi uma surpresa e um veredicto muito estranho”, diz Mohan, um advogado de Deli ouvido pelo Guardian, que pede para usar apenas o seu primeiro nome, ainda preocupado com os preconceitos que pode enfrentar no trabalho.

Direito à Privacidade


Muitos advogados e ativistas trabalharam incessantemente para revogar a decisão do Supremo, mas só em 2017 tiveram a oportunidade que antecipou o progresso definitivo.
O que mudou tudo foi o julgamento sobre privacidade do ano passado”, explica Gautam Bhatia, advogado e jurista. “Em Agosto de 2017, o Tribunal Supremo afirmou que há um direito fundamental à privacidade e, no âmbito dessa deliberação, cinco juízes consideraram que a decisão de 2013 era errada.”
Foi algo sem precedentes. Juízes a comentarem um caso sem qualquer ligação para dizer que esse estava errado. Mas assim que o disseram mataram a Secção 377, implicitamente se não de modo formal”, afirma Bhatia ao diário britânico.
A morte formal chega agora, uma decisão que legaliza comportamentos que muitos indianos defendem que eram completamente aceitáveis na sua cultura antes dos colonizadores britânicos chegarem para impor a sua moral vitoriana, com um conjunto de leis “contra o vício público e a imoralidade instituídas em todo o império”.

Fonte: Público PT,  por Sofia Lorena, 06/09/2018

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