Casais de mulheres falam de sua vida em comum, dos filhos e do preconceito

domingo, 2 de junho de 2013

Os casais (da esq. para a dir.) Keicy e Samantha e Keila e Renata revelam particularidades da relação












Casais de mulheres revelam as particularidades de suas relações

Por Camila Dourado 


Depois de Daniela Mercury apresentar publicamente sua mulher, Malu Verçosa, a questão da união estável entre homossexuais no Brasil virou tema de discussão e ganhou mais força. A atitude veio no momento em as declarações da cantora Joelma e do pastor Marco Feliciano sobre gays revoltavam grande parte da população e impulsionavam manifestações contra a homofobia.

Depois de anos de muita luta, no dia 14 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) finalmente aprovou uma resolução que obriga os cartórios de todo o país a realizar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Para comemorar e continuar com a conscientização, a 17ª parada do orgulho LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e trangêneros) acontece neste domingo, 2 de junho, na Avenida Paulista, com o tema "para o armário, nunca mais!". 

Como qualquer casal heterossexual, um casal gay tem vantagens e desvantagens de acordo com as características da personalidade e do dia a dia de cada um. "Não há diferenças nem para melhor e nem para pior. A vida a dois é determinada por fatores relacionados ao cotidiano e àqueles que são decorrentes do amor, e tudo isso está presente em todos os tipos de relação", afirma o psicoterapeuta Flávio Gikovate, que lançou recentemente o livro "Sexualidade sem Fronteiras" (MG Editores). 

Amor intenso

Amar alguém do mesmo sexo, no entanto, tem peculiaridades como um guarda-roupa dobrado e, no caso delas, duas TPMs. Quando se trata de um casal de mulheres, é comum que a dinâmica da relação seja mais intensa, emocional, carinhosa e tenha mais diálogo. 

Para a roteirista Mariana Lima, 32, e a revisora e tradutora Larissa Rocha, 32, que vivem juntas há três anos, a intensidade é um aspecto muito particular do universo feminino. "Somente uma mulher é capaz de explorar e potencializar toda a complexidade de outra mulher", diz Mariana. "As mulheres também são muito carinhosas e sedutoras", diz Larissa.

A supervisora de mídias sociais Renata Andreolli, 32, e a supervisora de atendimento Keila Roberta Oliveira, 37, juntas há seis anos, também concordam que a intensidade dos sentimentos é uma peculiaridade evidente. "Sentimos tudo em dobro: o amor, o ódio. São muitos sentimentos misturados. Durante um único dia, qualquer situação, por menor que seja, é urgente. Não existe o amanhã, precisamos do hoje para continuar sonhando e querendo viver a relação", diz Renata.

Para o psicólogo e psicoterapeuta Klecius Borges, especializado no atendimento a homoafetivos e suas famílias e autor do livro "Muito Além do Arco-Íris" (Edições GLS), características biológicas e culturais relacionadas ao gênero feminino podem se destacar forma duplicada em um relacionamento entre duas mulheres. "Isso pode facilitar ou dificultar o relacionamento, dependendo das pessoas envolvidas", afirma.

Quando positiva, a intensidade feminina abre espaço para uma forte cumplicidade entre as mulheres. "Conversamos muito. Temos assunto que não acaba mais --sobretudo DRs--, e estamos sempre nos ajudando. Somos muito companheiras", diz a chef de cozinha Graziela Araújo, 31, que vive há quatro anos com a cantora Luciana Moraes, 29. "Além disso, dá para dividir tudo, coisas comuns da vida de mulher, como o absorvente, o desodorante, as roupas e a maquiagem", diz.

Para a ilustradora Samantha Reis, 31, noiva da estudante de gastronomia e assistente de cozinha Keicy Faria, 25, além do companheirismo e da troca de experiências, a ajuda mútua com as responsabilidades de casa e da família é um ponto importante. Em um casal de mulheres, a tendência é que não exista a antiga e ultrapassada figura do chefe de família, ainda presente entre alguns casais heterossexuais.

É um modelo que contribui para a quebra de paradigmas, abrindo espaço para que novos formatos de relacionamento se firmem na sociedade.

Para Keicy, esse modelo não deve depender do tipo de casal. "Isso tem a ver com pessoas que se amam de verdade, que abraçam todas as dificuldades da convivência e que topam tudo para fazer o casamento dar certo", diz. 

Fidelidade e liberdade sexual

Gikovate acredita que a particularidade mais marcante entre os casais de mulheres esteja relacionada à fidelidade. "As mulheres têm o sexo mais fortemente vinculado ao amor do que os homens e são menos visuais. Sendo assim, tendem para a fidelidade nos relacionamentos afetivos estáveis", diz.

Para ele, as mulheres lidam melhor com a sexualidade do que o homem. "Elas são mais livres para experimentar as trocas de carícias eróticas com outras mulheres sem que se sintam estigmatizadas, sem que ponham em dúvida sua feminilidade", afirma. Para a chef de cozinha Graziela, o fato de conhecer bem seu próprio corpo e como alcançar o prazer faz com que a mulher consequentemente saiba do que a outra gosta, o que favorece muito na relação sexual. "Na teoria, sabemos o que e como fazer", diz ela.

Filhos

Renata tem dois filhos, Henrico,10, e Eduardo, 7, e Keila chegou para completar a família. "São eles que nos mostram, todos os dias, a importância da família", diz Renata. Segundo ela, embora a escola que seus filhos frequentem aborde diferentes formas de formação familiar, há uma realidade com que precisam lidar: as outras crianças carregam para a sala de aula o preconceito que aprendem dentro de casa.

"Vivemos em uma sociedade impiedosa. Nossos filhos têm acompanhamento para entender melhor o que causa o preconceito e como lidar com ele. Para eles, não há diferença entre relações homoafetivas e heterossexuais. Eles entendem como uma forma de amor, porque é exatamente assim que aprenderam desde o nascimento".

Enfrentando o preconceito

Aguentar olhares e comentários preconceituosos ao dar alguma manifestação pública de carinho é frequente entre os casais gays. "Percebo isso muitas vezes e incomoda, mas não impomos restrições a nós mesmas porque alguém está olhando", diz Graziela. 

Segundo o psicoterapeuta Klecius Borges, enfrentar o preconceito e sair do armário pode ter um significado ainda mais forte para as mulheres. "Para algumas pode ser apenas o exercício livre de seu desejo e afetividade dirigida a outra mulher. Mas, para outras, pode significar a libertação de um padrão patriarcal de dominação e de submissão ao masculino. É a possibilidade de escolher um amor que atenda a seus verdadeiros desejos e necessidades", afirma ele.

Por isso, atitudes como a de Daniela Mercury são vistas com admiração por muitas mulheres. "Embora ela não precise provar mais nada para ninguém, o mundo precisa de gente admirada como ela saindo do armário espontaneamente para mostrar que qualquer um pode gostar de pessoas de qualquer sexo, que é algo natural", diz Mariana.

Fonte: UOL Mulher, 02/06/2013

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