Juntas há 37 anos, Ana e Maura agora puderam oficializar sua união!

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Casamento de Ana Lúcia Scapolatiello e Maura de Almeida Moraes (de óculos). Foto: Edu Cesar

“É uma satisfação poder fechar uma história de amor com chave de ouro”

Por causa de um amor surgido em plena Ditadura Militar, Ana e Maura enfrentaram o preconceito e a rejeição da família. Mas 37 anos depois, a relação continua forte e agora é reconhecida pela lei

Juliana Moraes


“Estou tão nervosa que entrei fumando no cartório e quase levei uma bronca”, confessa Maura de Almeida Moraes , 57 anos, enquanto apaga rapidamente o cachimbo com as mãos trêmulas, minutos antes de se casar. A outra noiva, Ana Lúcia Scapolatiello, 63, faz graça para descontrair a tensão evidente no semblante de ambas. “Olha lá, você se comporte, ou eu vou falar para o juiz que a resposta é ‘não’”, provoca a companheira de 37 anos, abrindo um largo sorriso.

Apesar de dividirem o mesmo teto há quase quarenta anos, as culinaristas paulistas Maura e Ana só recentemente conquistaram o direito de oficializar a sua união e garantir os mesmos direitos legais que os casais heterossexuais recebem.

“Quando nós entramos com o pedido de casamento, em janeiro, a lei ainda não estava em vigor”, explica Maura, se referindo decisão do judiciário do estado de São Paulo, que desde 1º de março garante equivalência de diretos entre casais gays e héteros que se casam no civil.“

Quem tem que decidir o meu futuro na hora da doença é quem mora comigo, quem me conhece (Maura)

“Resolvemos casar no civil porque queríamos conquistar todos os direitos de um casal. E ainda existem as questões médicas envolvidas, de hospitalização, de herança e tudo mais. Quem tem que decidir o meu futuro na hora da doença é quem mora comigo, quem me conhece”, afirma Maura com uma certeza inabalável.

Convictas e conscientes de seus direitos, ela oficializaram seu casamento e trocaram alianças na ensolarada manhã do último sábado (20), num cartório da Praia Grande, no litoral paulista. Para a cerimônia simples, mas carregada de emoção, foram convidados apenas amigos íntimos e alguns familiares.

Mas a impossibilidade de “casar no papel” não é nem de longe a maior dificuldade que as duas enfrentaram por causa de seu amor. Por esse sentimento, Ana e Maura enfrentaram os familiares e sofreram preconceito nas ruas. Sem apoio dos pais, as duas começaram a namorar em um momento político conturbado no País.

“Em 1975, ainda existia a Ditadura Militar, era tudo muito mais complicado. A gente era obrigada a se encontrar escondidas”, lembra Ana. “Sofremos pressão das famílias. Quando a gente saía para um chá, sempre tinha alguém seguindo, tínhamos que mudar de hábitos para ninguém pegar a gente. Era uma vergonha você ter um filho homossexual, éramos tratadas como se tivéssemos uma doença infecciosa”, completa Maura.

“Em 1975, ainda existia a Ditadura Militar, era tudo muito mais complicado. A gente era obrigada a se encontrar escondidas” (Ana)

A maneira encontrada para fugir da não aceitação dos pais veio com um grande pesar: o afastamento de toda a família. Mantendo contato à distância com os irmãos e os sobrinhos, Ana e Maura até se mudaram da capital paulista para a praia. “Quando você não tem apoio das únicas pessoas que poderiam te ajudar a passar por isso...”, emociona-se Maura, interrompendo sua fala.

Prosseguindo, Maura fala mais das dificuldades que elas enfrentaram em todos esses anos. “Nós nos amamos, então tivemos que nos afastar de todos aqueles que tentaram nos prejudicar. Vivemos só nós duas. Nunca tivemos uma casa para comemorar Natal, fim de ano, ninguém que nos chamasse para algum evento de família. Então nós duas levamos as nossas vidas, e isso não interessava a mais ninguém. Com amor, blindamos a vida e não deixamos ninguém se intrometer. São raras as pessoas que entram em casa”, desabafa ela.

Se por um lado, o convívio familiar foi conturbado, por outro, os anos de luta trouxeram maturidade ao casal. “Nós temos cumplicidade. Passamos pela etapa da paixão, depois pela da serenidade e amor, agora estamos na fase do amor e da cumplicidade. Chegamos ao ponto em que ninguém precisar abrir a boca. Basta um olhar”, diz Ana.

“Vivemos só nós duas. Nunca tivemos uma casa para comemorar Natal, fim de ano, ninguém que nos chamasse para algum evento de família. Então nós duas levamos as nossas vidas, e isso não interessava a mais ninguém. Com amor, blindamos a vida (Maura)

Elas veem o casamento como uma forma de coroar os 37 anos de união. “Para nós teve um motivo maior. A gente sentiu como se estivesse fechando um ciclo que a gente não via como poderia ser fechado. A gente pensou que nunca teria um fim e a gente viu que dava, sim. É uma satisfação poder fechar uma história de amor com chave de ouro", analisa Maura. 

A cerimônia foi marcada por gargalhadas e também por lágrimas. Discretas, as noivas optaram por não dar o beijo na boca após o tão esperado “sim”. “Temos que celebrar o amor”, conclui Maura, que agora adotou o sobrenome da mulher e se chama agora Maura de Almeida Moraes Scapolatiello.

Fonte: Juliana Moraes, do iG São Paulo | 26/04/2013 

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