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Religião e Homossexualidade: por uma espiritualidade inclusiva!

sábado, 2 de março de 2013 0 comentários

Paulo Stekel
Paulo Stekel tem 42 anos, é natural de Santa Maria (RS), mas reside atualmente em Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre (RS). Músico, jornalista, professor autodidata de línguas sagradas e especialista em decifração de escritas antigas, cresceu como católico, porém se converteu ao Budismo em 1995. Assinou declaração de união estável, em 2007, em cartório de Porto Alegre, com seu companheiro de quase 12 anos e busca um templo budista para celebrar o casamento religioso.

Paulo também atua como ativista em assuntos relacionados a à espiritualidade e aos direitos LGBT por meio do blog e do movimento Espiritualidade Inclusiva que lançou simultaneamente em dezembro de 2011. Conversamos com ele, na entrevista que se segue, sobre seu trabalho e a difícil relação entre as religiões e a homossexualidade.  

UOO - Paulo, qual escola do Budismo você segue? E como o Budismo encara a questão da homossexualidade?
Paulo Stekel (PS)Eu sempre quis me aproximar do Budismo. Aos 9 anos de idade li meu primeiro livro que falava em Budismo e desejei intensamente ser iniciado por um lama tibetano. Me tornei budista em 1995, quando recebi iniciação na Escola Niyngma do Chagdud Gonpa orientado por S.E. Chagdud Tulku Rimpoche, em Santa Maria, minha cidade natal. Recebi ensinamentos de diversos lamas e instrutores budistas desde então. Ainda que tenha chegado ao Budismo formal através do Vajrayana, popularmente chamado de “Budismo Tibetano”, me considero apenas “budista”, sem qualquer preferência ou preconceito quanto a linhagens ou escolas. Respeito todas as linhagens e todos os mestres.

No tocante a como o Budismo encara a homossexualidade, posso dizer que ele é bem menos desfavorável ao assunto que as religiões teístas ocidentais. Não há condenações expressas na doutrina budista, nem obrigações, nem proibições. Tudo depende da percepção de cada praticante e de como ele transforma suas percepções em conhecimento, sabedoria e amor compassivo. Apesar de alguma ou outra referência levemente negativa quanto à sexualidade não-heteronormativa advinda de certos mestres budistas, são opiniões pontuais e não representam a palavra oficial do Budismo e muito menos do Buda sobre o assunto. Há países predominantemente budistas – como o Japão – que possuem uma farta literatura demonstrando que as relações homossexuais sempre foram aceitas de alguma forma na sociedade. Demonstrei isso no extenso (e polêmico) artigo O Buda Gay, que publiquei no blogue do Movimento Espiritualidade Inclusiva em 2012. 

UOO - Você é assumido nos ambientes budistas que frequenta? 
PS: Em todos eles e fora deles! Sou assumidamente budista e assumidamente gay em todos os ambientes, o que não significa desfraldar em cada lugar uma bandeira do Buda e outra do arco-íris. Mas, ao interagir com as pessoas, aos poucos minhas convicções – religiosas e sexuais – vão ficando claras para todos. Faço isso de um modo que julgo tranquilo, sem ficar me limitando nem forçando a barra para me expressar como sou em minha essência ou demonstrar aquilo no que acredito e vivo diariamente.

UOO - Seu companheiro também é budista? Se sim, já tentou “casar” em algum templo? 
PS: Meu companheiro não é budista. É umbandista. Isso nunca foi um problema, mas uma oportunidade muito preciosa de ambos conhecerem melhor a religião um do outro sem, com isso, ultrapassarem-se as fronteiras do respeito, descambando para algum proselitismo ou conversão de um para a religião do outro. Afinal, todo o envolvimento espiritual com uma tradição religiosa deve vir de uma decisão interna intransferível e intocável.

Quanto a “casar” em algum templo, no caso, um templo budista, já manifestei meu desejo. Contudo, quando fiz esse pedido ao Chagdud Gonpa, por volta de 2008, o argumento absurdo que me foi apresentado em contrário era o fato de que apenas eu era budista, meu companheiro não. Isso não me convenceu. Foi um deslize do Chagdud Gonpa que, infelizmente, só depõe contra a seriedade do trabalho despreconceituoso que se pretende estar sendo realizado lá. Diante desta negativa realizamos uma cerimônia simbólica de um “casamento universalista”, que foi dirigido por um sacerdote africanista e assistido por dezenas de amigos e amigas, em sua maioria, heterossexuais... 

Atualmente, estamos avaliando com outro grupo budista – não tibetano – a possibilidade da realização de tal cerimônia (sutilmente) negada pelo Chagdud Gonpa. 

UOO - Quando lançou sua página “movimento espiritualidade inclusiva” e quais são seus objetivos? 
PS: O blogue e o próprio Movimento Espiritualidade Inclusiva foram lançados simultaneamente em dezembro de 2011. O Espiritualidade Inclusiva é um movimento social nascido em Canoas (RS), mas com ação em âmbito nacional, constituído pelo coletivo de pessoas pertencentes à comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) e por seus simpatizantes, apoiadores e divulgadores. É um movimento social, organizado em coordenadorias com caráter consultivo e deliberativo, afinado com a agenda LGBT internacional e a Declaração dos Direitos Humanos, de natureza não-partidária e que não defende uma religião em particular em detrimento das demais.

O Movimento possui dois objetivos principais: enfrentamento, crítica e denúncia da homofobia em geral e da homofobia religiosa em especial; enaltecimento, visibilidade e apoio às ações inclusivas vindas do meio religioso-espiritual, sejam de religiões ou espiritualidades consideradas inclusivas, sejam ações pontuais advindas de religiões historicamente homofóbicas. 

UOO - Você deu o nome de “movimento” a seu blog porque também realiza atividades fora do ambiente virtual. Quais são elas e quais seus projetos futuros? 
PS: Exatamente. O blogue é apenas um dos canais do Movimento Espiritualidade Inclusiva. Temos um conjunto de propósitos práticos que, aos poucos, estão sendo implantados, como as coordenadorias estaduais e os Grupos de Encontro nas cidades, que objetivam o compartilhamento de experiências, entre outras coisas.

O trabalho dos Grupos de Encontro se baseia em 5 propostas: Inclusividade (Inclusão dos LGBT em todas as áreas da sociedade em condições de igualdade, em especial no meio religioso e espiritual); Combate à Homofobia (especialmente a homofobia religiosa); Formação do Cidadão LGBT (um cidadão LGBT consciente de seu lugar no mundo saberá lutar por seus direitos com muito mais propriedade); Movimento LGBT Amplo (Crítica, auto-crítica e afinação do discurso sempre que possível e lógico no que concerne às deliberações do que chamamos de Movimento LGBT amplo nacional e internacional); Cultura LGBT (estudo e compreensão desta cultura). 

Quanto ao mecanismo de ação, os Grupos de Encontro sempre consideram as 3 atividades principais do Movimento a ser desenvolvidas dentro e fora das reuniões: 

1ª – Produção de material teórico para efeitos práticos: artigos, debates, ensaios, teses, etc. Tudo isso deve ser compartilhado em nosso blogue oficial para acesso de toda a sociedade e para melhorar a argumentação da comunidade LGBT. Todos aqueles que possuem o dom da palavra e da escrita são chamados a contribuir com o movimento. 

2ª –Compartilhamento de experiências a respeito de inclusão, homofobia, descobrir-se LGBT, assumir-se, anseios espirituais, etc. Este compartilhamento pode ocorrer por escrito e publicado no blogue oficial na forma de relato e também durante as reuniões dos Grupos de Encontro, seminários municipais, regionais ou estaduais e outros eventos que venham a ser organizados.

Paulo Stekel (centro) na organização da 4ª Parada Livre de Canoas (RS), em novembro de 2012

3ª – Ações próprias ou em caráter de apoio do tipo organização de ou participação em palestras, seminários, encontros, intervenções, protestos, passeatas, auxílio a LGBTs em situação de perigo ou conflito de natureza religiosa, engajamento em políticas públicas ou campanhas do terceiro setor (ONGs LGBTs ou não) que tenham afinidade com as propostas do movimento, etc.

Fora isso, temos participado de eventos de natureza religiosa (diálogo interreligioso, marchas religiosas, eventos universalistas, etc.) e de natureza pró-LGBT (seminários, congressos e palestras sobre sexualidade e orientação sexual, paradas livres, concursos miss gay, etc.), como forma de mostrar nossa proposta tanto a religiosos quanto a LGBTs. Aqui em Canoas, fazemos parte da Comissão Interreligiosa que se reúne com a Prefeitura e somos uma das entidades da sociedade civil envolvidas na organização da Parada Livre da cidade, que tem se pautado por uma apresentação mais ativista e conscientizadora que apelativa ou fútil, mas sem retirar a diversão da festa. 

UOO - As religiões abrâamicas (judaísmo, cristianismo, islamismo) estão entre as grandes inimigas dos direitos homossexuais no mundo contemporâneo. Acredita que o preconceito contra os homossexuais é inerente a essas doutrinas ou tudo não passa de questão de interpretação dos textos ditos sagrados? 
PS: A interpretação dos textos sagrados acaba por ser, no final das contas, a práxis da religião viva, ou seja, da religião enquanto fenômeno histórico seguindo na linha do tempo. Isso é mais importante do que pensar que o preconceito é inerente. E essa interpretação, como a própria História demonstra, vai mudando ao longo do tempo. Em umas religiões, a interpretação avança mais rapidamente em direção a uma justiça social conectada com a modernidade; em outra, claudica e capengueia lentamente. É o caso, ao meu ver, das religiões abraâmicas, mas não em seu todo, pois as correntes de que são constituídas não possuem todas a mesma interpretação. Desta forma, em linhas gerais, o Judaísmo se furta a falar claramente no assunto e, desta forma, suas ações diretas contra LGBTs são menos intensas; o islamismo tende a falar abertamente contra LGBTs e seu modo intenso, quando conectado à lei islâmica (a sharia), acaba por justificar ações criminosas contra a vida de pessoas unicamente por causa de sua orientação sexual; o Cristianismo é mais leve no tocante a ações violentas contra LGBTs, mas isso não o livra de ser considerado um promotor da violência através da incitação causada pelo discurso homofóbico de alguns de seus líderes.

UOO - A que atribui o crescimento das denominações neopentecostais no Brasil? E qual a razão para sua obsessiva campanha contra os direitos LGBT? 
PS: Sendo bem sincero, acho que os neopentecostais crescem tanto porque suas doutrinas prometem coisas muito mais materiais que espirituais a uma população majoritariamente miserável, sem educação, sem perspectiva de desenvolvimento e abandonada espiritualmente por aqueles que eram seus preceptores até então, diga-se, os líderes católicos. Estes últimos se preocuparam mais em enriquecer a Igreja e esqueceram, de fato, dos pobres. Alguns católicos se insurgiram contra isso, e o Vaticano de certo modo os calou. Então, sobrou uma vaga para os neopentecostais, onde os mais letrados e espertos são os que ganham em cima dos mais ignorantes, salvo raras exceções.

A obsessiva campanha anti-direitos LGBT dos neopentecostais se deve, creio, a uma soma de fatores: o machismo inerente à sociedade brasileira; a normatização visível nos modos neopentecostais de exigir dos fiéis certa vestimenta, postura, adesão a “campanhas” arrecadadoras, estilo de vida “santa” e comportamento “cordeirinho” que aos gays não agrada nem um pouco, já que, em geral, quebram paradigmas; o literalismo na interpretação bíblica aliado a uma visão teológica deficiente pouco dada à contextualização e à adaptação à vida moderna – a não ser naqueles pontos que interessam à eficácia da evangelização. Este último fator é determinante pois, na definição de “vida santa” neopentecostal não há espaço para o que foge da família constituída por um homem e uma mulher. Então, o LGBT é considerado aberrante. 

UOO - O pastor Silas Malafaia se tornou provavelmente o maior inimigo dos direitos LGBT no Brasil, mas o ativismo parece não saber fazer-lhe frente. A que atribui essa ineficiência? 
PS: Cheguei à conclusão de que Malafaia até tem um certo grau de inteligência e sabe que está indo além da conta, mas se aproveita muito bem disso para chegar a seu objetivo: eclipsar seus concorrentes – diga-se, Macedo, Santiago e mesmo R. R. Soares. Pretende, inclusive, fazer a diferença, enfatizando o estudo teológico, a ética e a qualificação em seu staff de pastores. Pura estratégia de marketing! O que ele quer mesmo é crescer mais do que os concorrentes. Os LGBT nem sequer são seu alvo principal. Isso foi uma circunstância. Seu alvo principal, para quem souber perceber as sutilezas, são os outros pastores milionários que estão por aí. Ele apenas usa os LGBT para conseguir aparecer na mídia. Não tem gás para muito mais que isso.

Quanto à forma como muitos ativistas têm tratado a homofobia de Malafaia, um pouco da ineficiência se deve ao discurso ideológico de alguns e à ignorância sobre religião de outros, ou ambas as coisas. Contrapor fanatismo (ideológico) a fanatismo (religioso) em argumentação tem como resultado a anulação de ambos, gerando uma batalha sem vencedores. Radicalismos não funcionam. Sem conhecer o adversário e sua doutrina não é possível vencê-lo em seu próprio terreno. Nós, no Movimento Espiritualidade Inclusiva, procuramos conhecer o universo de todas as religiões e espiritualidades, para podermos confrontar a homofobia advinda delas em seus próprios campos de ação, sem qualquer tendenciosidade ideológica, partidária ou religiosa, já que nos pautamos no Estado Laico. 

UOO - Após a entrevista do pastor Malafaia a Marília Gabriela, surgiu uma campanha LGBT para cassar seu registro de psicólogo. Você não acha que essa ação é contraproducente já que ele não exerce a profissão? Não seria mais adequado tentar processá-lo por dano moral coletivo com base na analogia que fez entre homossexuais e bandidos? 
PS: Com certeza, seria mais eficaz, pelo menos no sentido de causar mais opinião pública. A cassação do registro foi uma atitude pequena, pouco expressiva nesse caso, já que, como você disse, ele não exerce a profissão de psicólogo. A cassação tem apenas um valor simbólico, mas uma responsabilização por dano moral coletivo teria um valor real em favor da dignidade da pessoa LGBT.

UOO - Graças a um acordo de lideranças, nesta última quarta-feita (27/02), o PT abriu mão da vaga da presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara em favor da sigla cristã PSC que faz parte da base de apoio do governo Dilma Rousseff. A lista desse partido para o cargo é encabeçada pelo deputado federal e pastor Marco Feliciano (PSC-SP), notório homofóbico e racista. Qual sua opinião sobre essa "novidade"?
PS: O Pastor Deputado Marco Feliciano é muito pior que Malafaia, não só por ser menos inteligente, mas também por ser muito mais mal-intencionado. Ao lado de Magno Malta, é um dos fundamentalistas mais ignorantes e perigosos do Brasil. Ter alguém assim presidindo a Comissão de Direitos Humanos na Câmara dos Deputados é como deixar a raposa cuidando das galinhas, algo absurdo e que, infelizmente, toda a base governista está permitindo.

Se ele acabar sendo mesmo o presidente da comissão e se, referendado, não for destituído, mesmo por força de apelo popular, seja pela petição da ONG Avaaz ou protestos generalizados, teremos em nosso país a semente do mais vil fundamentalismo cristão racista e homofóbico, algo só visto até aqui nos EUA, onde pastores insanos matam a si e a seus fiéis envenenados, armam atentados terroristas e atacam homossexuais de todas as formas possíveis. É isso o que queremos para nosso Brasil? Nós, do Movimento Espiritualidade Inclusiva, não!

Se ele ficar na comissão, nos juntaremos aos muitos que protestarão contra o que ele representa e, não querendo ser profético, podemos estar diante de algo que pode descambar para combates violentos de natureza ainda desconhecida... infelizmente."

UOO - Há muitas igrejas inclusivas cristãs, apesar de todo o preconceito da doutrina oficial. Você acha que vale mais a pena construir igrejas, templos, centros, etc... especificamente LGBT do que tentar mudar a cabeça das igrejas institucionalizadas? 
PS: Sendo, mais uma vez, bem sincero, acho que não. Se a tendência das Igrejas Inclusivas for funcionarem como uma alternativa LGBT às denominações homofóbicas que estão aí mais como espécie de igrejas PARA LGBTs, sua perenidade está ameaçada. Sou muito mais favorável à criação de divisões inclusivas LGBT nas religiões, igrejas e doutrinas já existentes do que novas denominações que se assemelham a “religiões gays”. É uma forma mais legítima de lutar por direitos. Isso se coaduna com o propósito principal da dignidade LGBT no campo religioso-espiritual, como entendido pelo Movimento Espiritualidade Inclusiva: buscar o reconhecimento por parte das religiões-espiritualidades da NATURALIDADE da diversidade de gêneros e orientações sexuais. Não buscamos tolerância, condescendência, mas o reconhecimento desta naturalidade cada vez mais comprovada por pesquisas científicas sobre a orientação sexual em animais, por exemplo. Mas, reconheço nas Igrejas Inclusivas um trabalho útil num sentido relativo quanto à conscientização da sociedade sobre a diversidade que circunda a todos.

UOO - Considerando o papel de boa parte das religiões no fomento e manutenção dos preconceitos contra as pessoas homossexuais, quais ações de contra-ataque considera imprescindíveis? 
PS: No Movimento Espiritualidade Inclusiva nos propomos a utilizar o meio mais eficaz para esse intento: pesquisar, reconhecer e denunciar o preconceito embutido nas religiões através de nossos estudos e artigos, como os publicados em nosso blogue. Isso causa o debate, a réplica, a tréplica e supre os ativistas mais inteligentes com os argumentos aprofundados adequados para se contra-atacar quando necessário. Aliás, entre os inúmeros elogios que os artigos de nosso blogue recebem estão exatamente aqueles que fazem referência ao quanto alguns ativistas encontram nele material de suporte a suas argumentações com a família – especialmente quando são famílias evangélicas – , no trabalho, na escola ou mesmo entre amigos gays ainda em conflito. O argumento é e deve ser nossa maior arma contra o preconceito. Afinal, se o preconceito é um pré-conceito, um conceito desenvolvido antes do conhecimento do objeto, a melhor forma de contrapô-lo é através do conhecimento que existe como um lapso; enfim, devemos nos propor a causar um colapso, se me permite o trocadilho. De um colapso, nasce o novo conceito, talvez menos discriminatório.

UOO - Por fim, deixe uma mensagem para nossas (os) leitoras e leitores. E grata pela entrevista. 
PS: Tenho vivido há 42 anos num processo intenso de busca por conhecimento externo e por autoconhecimento. Sei que sou mais do que aparento aos outros e a mim mesmo. Então, não sou um homem gay, um homem músico, um homem jornalista, um homem escritor, etc. Sou mais que os rótulos que possam alcunhar-me ou que eu mesmo venha a me dar. Quando percebi isso, e devo muito ao Budismo por chegar a essa compreensão, não me tornei um ativista LGBT fanático, mas alguém que busca a igualdade no sentido relativo, algo que se aproxima da justiça social desejada por todos, mas com diferenças de oportunidade, já que as capacidades individuais são variáveis. 

Minha principal mensagem a todos os LGBT é: conheçam-se primeiro, mas conheçam-se muito além de gêneros e orientações sexuais; conheçam-se por inteiro, por fora e, principalmente, por dentro. Assim, vocês serão muito fortes, inatingíveis em suas essências e realmente dignos como seres vivos conscientes e autoperceptivos. Desta forma, nenhum preconceito os atingirá no coração. 

Minha mensagem aos não-LGBT é exatamente a mesma, pois nesta visão não há separação entre LGBT e não-LGBT. Somos um todo complexo e, para conhecermo-nos melhor, o espelho do outro visto com serenidade pode ser um mestre fantástico. 

Sarva Mangalam! (Haja benefício para todos os seres sencientes!)

Movimento Espiritualidade Inclusiva 
e-mail: espiritualidadeinclusiva@gmail.com

Assine a petição contra a indicação do pastor Marco Feliciano para a Presidencia da Comissao de Direitos Humanos da Câmara Federal

Cordéis contra o preconceito

segunda-feira, 9 de abril de 2012 1 comentários

cordel
Salete Maria
Entrevista com Salete Maria, do blog Cordelirando, sobre seus cordéis inovadores que atacam a homofobia

UOO: Salete, primeiro fale um pouco de você: sua idade, etnia,  sua profissão, formação, cidade onde vive, se é casada ou solteira, etc.
Salete Maria (SM): Sou Salete Maria, cordelista, brasileira. Moro em Juazeiro do Norte, Ceará, cidade considerada a Meca do Sertão em face da figura mítica do Padre Cícero Romão Batista. Nasci em São Paulo por força de um problema social muito sério: o desemprego que, agravado pela seca, assolou o nordeste do país e tangeu meus pais, assim como seus conterrâneos, para o sudeste em busca de “uma vida melhor”. Toda minha ascendência é nordestina. Sou bisneta de romeiros pernambucanos, neta de cearenses analfabetos e filha de resistentes sociais. Meu pai é um lavrador que em São Paulo virou pedreiro e minha mãe é uma camponesa que em São Paulo foi faxineira. Vim ao mundo em 1969, mais precisamente no dia 7 de março. Tenho cinco irmãos e uma filha. Sou advogada, professora universitária e militante de direitos humanos.  Por conta da minha história de vida, desenvolvi a compreensão de que o direito se constrói nas lutas sociais, com muita peleja e poesia. Defendo o pluralismo jurídico e literário e coloco minha formação e minha arte a serviço das causas dos excluídos e marginalizados. Sou solteira e atualmente desenvolvo estudos sobre gênero e direito, em nível de doutorado, na Universidade Federal da Bahia, em Salvador. Escrevo contos, poemas e, sobretudo, cordéis.  

UOO:  Fale um pouco sobre o cordel: sua origem, suas características, seus principais expoentes. 
SM: Eu não conheço consenso acerca da origem da literatura de cordel. Muitos afirmam que é de origem européia. Todavia, já ouvi “vozes sábias” dizerem que esta literatura já existia  desde a época dos povos conquistadores de origem greco-romana; havendo chegado, por volta do século XVI, a península ibérica, mais precisamente a Espanha e Portugal. Nestes lugares este tipo de literatura recebia o nome de “pliegos sueltos”, “folhas soltas” ou “volantes”. Aqui no Brasil o cordel chega com os colonizadores e se instala, primeiramente, na Bahia, em Salvador, e depois se expande para o resto do nordeste.

Muitos sustentam que a característica fundamental do cordel é o fato de ele ser uma espécie de poesia popular, impressa e divulgada em folhetos ilustrados com xilogravura. Todavia, já existem controvérsias sobre isto, uma vez que este “popular” é bastante discutível, sendo também possível a utilização de outras formas de ilustração, tais como desenhos e clichês grafados em zinco, por exemplo.

Dizem que o cordel ganhou este nome porque os folhetos eram expostos amarrados em cordões, estendidos em pequenas lojas de mercados populares ou até mesmo nas ruas, em Portugal.  O  custo do cordel, tal como foi e ainda é produzido, é bastante baixo, comparado com o custo de outras literaturas. Ademais, geralmente estes folhetos são vendidos pelos próprios autores. O cordel ainda goza de um certo prestígio em estados como Pernambuco, Ceará, Alagoas, Paraíba e Bahia. Dizem que tal sucesso é atribuído ao baixo preço e ao tom jocoso presente na narrativa da maioria dos trabalhos. Em geral, os temas tratam de fatos que vão desde a vida cotidiana até grandes fenômenos como secas, cangaço, religiosidade, heroísmo, milagres, festas, política, disputas, etc. Todavia, já existem cordelistas no Brasil discutindo e re-significando este tipo de literatura, inclusive propondo uma crítica ao cordel tradicional, como é o caso da Sociedade dos Cordelistas Mauditos, da qual eu faço parte.

cordelQuanto ao modo de apresentação, ainda é possível se encontrar cordéis sendo acompanhados pela viola em recitais públicos, porém em menor quantidade.
Quanto aos ditos expoentes, pode se dizer que os livros e pesquisas sobre cordel, em consonância com outras formas de historiografia, confere maior visibilidade aos poetas homens, uma vez que a maioria dos entendidos e experts neste campo só destaca os grandes vates, dando a entender que não existem mulheres cordelistas no mundo do folheto. E isto também se reproduz na fala e na prática de muitos amantes do cordel ou até mesmo de respeitados e reconhecidos  produtores deste gênero literário. Uma prova disto é o fato de que a Academia Brasileira de Literatura de Cordel, sediada no Rio de Janeiro registra entre os “imortais” ocupantes das 40 cadeiras, apenas seis mulheres, cuja produção, no meu entender, se apresenta num tom bastante favorável à manutenção deste status quo; valendo destacar que no estatuto desta Academia, apenas 25% de suas cadeiras estão reservadas a não-moradores da capital carioca, ou seja, não há apenas um desequilíbrio na representatividade feminina, há também uma exclusão de ordem geopolítica que impossibilita o ou a cordelista da margem de ser reconhecido pelo cânone.

Sobre os grandes nomes, se você perguntar a qualquer pesquisador ou mesmo cordelista “bem informado”, vão dizer que o poeta da literatura de cordel que fez mais sucesso até hoje foi Leandro Gomes de Barros (1865-1918), que deve ter escrito mais de mil folhetos. 

No entanto, existem muitos poetas por este Brasil afora, mormente no nordeste do país, com excelentes produções, porém ainda sem oportunidade de apresentar seu trabalho. 

UOO: O cordel é uma expressão artística tipicamente nordestina, mas também se encontram cordelistas em outras partes do Brasil. Quais seriam e quem são os artistas mais conhecidos.SM: No Brasil, realmente, o cordel tem sido mais produzido no nordeste, onde ele chegou primeiro, se instalou e encontrou um ambiente fértil para sua expansão e apreciação. Pernambuco, Paraíba e Ceará se destacam entre os estados onde sua presença é mais forte. No Ceará, a região do Cariri, onde eu moro, é um verdadeiro celeiro de produção de literatura de Cordel. É na cidade de Juazeiro onde ainda existe em pleno (porém difícil) funcionamento a Gráfica Lira Nordestina, grande patrimônio e rico legado da produção de cordel no país.

Por outro lado, e sobretudo por conta do êxodo, das diásporas às quais já me referi, o cordel segue sendo apreciado e confeccionado em outros cantos do país. Em estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas é possível encontrar cordel em espaços e feiras de produtos nordestinos.

Como disse, são mais conhecidos os cordelistas homens, havendo sempre o destaque nas diversas obras sobre a temática para poetas como Leandro Gomes de Barros (1865-1918) e João Martins de Athayde (1880-1959), enquanto precursores. As obras em geral e a imprensa oficial têm dado destaque ainda, dentre tantos, aos seguintes nomes: o baiano Antonio Teodoro dos Santos (1916), o pernambucano Apolônio Alves dos Santos (1926); o cearense Arievaldo Viana Lima (1967); o paraibano Cícero Vieira da Silva (1936); o pernambucano Caetano Cosme da Silva (1927); o alagoano Enéias Tavares dos Santos (1932), o paraibano Francisco das Chagas Batista (1882); o pernambucano Francisco de Souza Campos (1926); o paraibano Francisco Firmino de Paula (1911); o paraibano Francisco Sales de Arêda (1916), o pernambucano Inácio Carioca (1932), o pernambucano Jota Barros (1935), o baiano João Damasceno Nobre (1910); o sergipano João Firmino Cabral (1940), o alagoano João Gomes de Sá; o cearense João Lucas Evangelista (1937); o paraibano João Melchiades Ferreira da Silva (1869); o paraibano Jose Camelo Resende, o pernambucano José João dos Santos, conhecido como mestre Azulão, o pernambucano Zé Pacheco, o pernambucano Manoel Monteiro, o baiano Minelvino Francisco Silva, o paraibano Silvino Pirauá, dentre outros. Eu, particularmente li e bebi muito nestas fontes e tenho muito apreço e devoção por Patativa do Assaré. 

Todavia, já existem importantes estudos acadêmicos sobre a produção feminina na literatura de cordel, merecendo destaque a pesquisa da professora da Universidade Federal do Ceará, campus Cariri, Francisca Pereira dos Santos, (Fanka) que também é cordelista e tem  trabalhos publicados sobre  esta questão. Esta pesquisadora já cataloga mais de 30 mulheres produtoras, sendo que a maioria delas mora no nordeste do país. Em sua obra intitulada Romaria de Versos sobre mulheres cearenses autoras de cordel, ela destaca as poetisas Arlene Holanda, Mana, Josenir Lacerda, Maria Anilda, Maria do Rosário, Maria Ivonete, Maria Luciene, Maria Matilde, Maria Vânia, Bastinha e eu. 

Com vistas também a provocar um debate sobre este problema há um cordel meu intitulado MULHER TAMBÉM FAZ CORDEL, que pode ser acessado em nosso blog. Neste cordel contamos a história do início da produção escrita de cordel pelas mulheres no Brasil, mostrando que a primeira a publicar um folheto teve que assinar com pseudônimo masculino, nas primeiras décadas do século passado. Todavia, como as maioria das mulheres fora condenada ao analfabetismo por muito tempo, isto não quer dizer que elas não faziam poesia. Minha avó mesmo, como já disse, sempre recitou e sempre criou, porém no campo da oralidade, já que este era o seu único e possível lugar de manifestação.

cordel
 Existem muitas mulheres escrevendo cordel hoje no Brasil, dentre as quais eu me incluo e sou apresentada como um diferencial, mas não apenas por ser uma mulher escrevendo cordel, mas por ser uma mulher que escreve cordel sobre temáticas femininas, inclusive visibilizando, por este veículo, as mulheres lésbicas.

UOO: Agora nos fale um pouco sobre como se envolveu com cordel.
SM: Bom, eu sou neta de D. Maria José e sobrinha de Zé Alexandre. Ela poeta, cordelista, cega e analfabeta que “dizia” sua poesia e a de outras pessoas que ela escutou durante a toda a vida. Faleceu aos noventa anos, em 2003, sem nunca ter aprendido a ler ou escrever. Foi a primeira mulher a fazer versos que eu conheci. Escutei muito ela recitar. Li muitos cordéis pra ela também.
Meu tio Zé Alexandre mora também em Juazeiro do Norte, é um grande poeta, faz rimas primorosas e muito me influenciou com seus rabiscos e sua sensibilidade poética, já que ele quase não publica. Sempre li para meus parentes da zona rural que, em regra, ou não sabiam ler ou liam muito pouco, e tinham na literatura de cordel uma atividade de deleite ou mesmo um veículo de notícias. Comecei lendo, depois fui produzindo e hoje tenho vários títulos publicados e dois deles premiados.

UOO: Quantos cordéis você já compôs e onde os divulga, além de por seu blog Cordelirando? 
SM:   Tenho mais de quarenta cordéis publicados. Mas tenho muito mais compostos. Nem sempre posso publicar. Nem sempre publico logo que escrevo. Costumo divulgar nos eventos, faço doação para pesquisadores, admiradores e outros cordelistas. Nunca escrevi pensando que as pessoas pudessem apreciar o meu texto porque é um texto muitas vezes polêmico, carregado de paixão e luta, muito intertextual. Através do meu cordel eu dialogo com várias outras literaturas e formas de arte. Escrevo também cordel pensando na música, na cantoria e no teatro, enfim. Tenho o blog intitulado Cordelirando onde publico desde 2007. É um espaço de divulgação.

Mas eu gosto muito também do cordel impresso, da capa, do formato, enfim, da estética real. Recentemente uma grande cantora paraibana, chamada Socorro Lira, resolveu, estimulada por duas grandes amigas em comum, musicar meu cordel intitulado MARIA DE ARAÚJO E SEU LUGAR NA HISTÓRIA (ou a Beata Beat Cult). Este meu cordel trata da história de uma beata lá de Juazeiro do Norte que ao receber a hóstia em comunhão protagonizou um “milagre” que fez com que o Padre Cícero se tornasse o grande taumaturgo do nordeste.

O fato é que a beata fora secundarizada na história, e eu busco narrar o acontecido, num texto teatral irônico, provocativo, dramático, que mistura bendito e embolada, dando visibilidade a esta mulher que era e ainda é um ser marginal na grande história da minha terra. Pois bem. Socorro Lira, ao musicar este cordel, sob a direção da baiana Gal Meirelles, gravou um DVD que vai ser lançado até o final deste ano, junto com uma coletânea de 8 cordéis meus. O projeto recebe o título de dois outros cordéis meus: CORDELIRANDO e MULHER TAMBÉM FAZ CORDEL.

Além disto, atores juazeirenses, tais como Joaquina e André de Andrade têm feito leituras dramáticas do meu trabalho, com apresentação pública em projetos patrocinados pelo Banco do Nordeste do Brasil-BNB. A poetisa potiguar Dath Haak   também recitou e disponibilizou na internet três dos meus cordéis, dentre eles Lesbecause e do Direito de ser gay.  Eu mesma, apesar da timidez, sempre recito em rodas de amigos e às vezes antes de ministrar algumas palestras.

UOO: Qual o tema principal de seus cordéis? E quanto eles se diferenciam dos cordéis tradicionais?
SM:   Veja, no ano 2000 foi criada a Sociedade dos Cordelistas Mauditos, em Juazeiro do Norte. Esta turma é composta por jovens poetas de grande entusiasmo. Integrei esta Sociedade desde o seu nascedouro. Mas antes disto, desde 1996, eu já publicava. Escrevo há bastante tempo. Tenho cordéis sobre variados temas. Na sua totalidade são sobre questões marginais e periféricas. A maioria sobre mulheres, relações de gênero, homossexualidade, cidadania e afins. Também já falei de assédio moral, velhice, analfabetismo, violência, saúde, política, etc. Mas a temática preferencial é a das mulheres e homossexuais. 

Antes de ser da Sociedade, eu já falava das temáticas que os cordelistas mauditos abordam. Pensamos que a diferença entre nós e os ditos tradicionais se dá tanto na forma quanto no conteúdo. Na forma, inovamos com a capa, que além da xilogravura usamos colagens, desenho, foto, etc. E às vezes ilustramos até as folhas internas do cordel. No conteúdo, procuramos abordar de modo crítico, denunciativo, propositivo e emancipatório questões que os cordéis tradicionais tratam no sentido de manter o status quo. Demonstramos a questão da violência contra a mulher, do discurso homofóbico, machista, racista, sexista presente em muitos dos clássicos da literatura de cordel.

Atualmente nossa ‘sociedade’ tá meio dispersa porque os cordelistas precisam trabalhar para sobreviver, mas mesmo assim eu gosto de destacar o valor dos meus colegas. Poetas como Hélio Ferraz, Fanka, Soneca, Batata, Orivaldo, Nicodemos, dentre outros, são os poetas ditos mauditos do Cariri. E são muito bons. Logicamente que de tão mauditos têm divergências entre si, mas isto faz parte da proposta. Eu tenho sido a que mais tem produzido e a que antes da sociedade já tinha este espírito de poesia social e crítica. Fizemos um manifesto que dizia mais ou menos assim: A nossa comunicação se dá através da poesia de cordel, traço da nossa identidade nordestina. Odiamos tecnicistas sem sentimentos literários. Somos contra o lugar comum da globalização que cria signos massificantes e uniformiza o comportamento estético. Nosso movimento movimento pretende, sob uma ótica intertextual, utilizando vários códigos estéticos, redimensionar a literatura de cordel para um campo onde todas as linguagens sejam possíveis. Não somos nem erudito nem popular, somos linguagens. Entramos na obra porque ela está aberta e é plural. Somos poeta e guerreiros do amanhã. A poesia escreverá, enfim, a verdadeira história. Viva Patativa do Assaré e Oswald de Andrade.

De 2000 para cá eu andei revendo algumas questões. Na verdade, não sou exatamente eu ou os mauditos que nos apresentamos como os “diferentes”, são os “iguais” que nos acusaram de não saber fazer cordel, de trair o cordel tradicional. Muitos sustentam que  nós não fazemos literatura de cordel porque nós estamos quebrando tabus e questionando  dogmas do cordel. Mas isto já é tão previsível que meu cordel tem sido acusado de muitas coisas. Eu mesma já sofri ameaça até de morte por causa dos cordéis, já fui ameaçada de processo. Mas eu vou e faço outro cordel ou então parafraseio o poeta Pessoa e indago: viver é preciso? Viver para mim só é possível e só é necessário fazendo poesia, vivendo poesia, dizendo poesia. Enfim, cordelirando....

UOO: Você já compôs cordéis específicos sobre a questão homossexual e lésbica. Quais são?
SM: Compus vários cordéis ditos gays, sim. Falo sobre o que me mobiliza, sobre o que me diz respeito. Tudo que é humano nos diz respeito, disse o filósofo. Os homossexuais, homens e mulheres, dizem que sem eles os direitos não são humanos e eu poetizo: Sem os homossexuais não existe humanidade, não existe poesia. Então, eu escrevo sobre isto, sim.

Meu primeiro cordel ostensivamente gay eu comecei a rabiscar sozinha e aí eu resolvi convidar uma cordelista da sociedade dos mauditos, a Fanka, para produzir comigo, em parceria. O nome deste cordel é A HISTORIA DE JOCA E JUAREZ, que versa sobre um romance que se passou em 1913, na cidade de Juazeiro. Trata-se de um amor proibido entre um zabumbeiro e um jardineiro do Padre Cícero. Procuramos retratar o discurso da igreja, a hipocrisia social e intercalamos personagens fictícias com figuras reais. É um cordel romanceado publicado em 2001.

Mas existem muitos outros que escrevi sozinha, tais como O GRITO DOS MAU ENTENDIDOS que versa sobre uma assembléia de homossexuais, onde eu brinco com personagens do mundo artístico e falo de um evento onde se discute a discriminação e a violência contra gays, tudo intertextualizando com músicas que tem um sentido gay, etc.   Tem outro chamado O QUE É SER MULHER? que não é unicamente gay, mas provoca uma discussão sobre as sexualidades e há uma passagem em que eu pergunto se um homem não pode ser mulher ou se uma mulher não pode amar outra mulher e tal. Tem um outro intitulado DIA DO ORGULHO GAY, no qual eu narro a origem da data do orgulho. Tem um que se chama DO DIREITO DE SER GAY (ou condenando a homofobia) que é próprio para o teatro e que foi recitado pela poetisa Dath Haak.

Tem um que se chama LESBECAUSE onde eu faço uma ode às lesbianas. Tem o que se chama MULHERES FAZEM, onde eu brinco com possibilidades... E, por último, MARIA, HELENA que narra um romance entre duas mulheres do sertão, devotas, simples e lésbicas. Todos estes cordéis podem ser acessados no blog ou então consultados no acervo da cordelteca do SESC de Juazeiro do Norte. 

UOO: Os cordéis têm uma função didática, entre outras. Como tem sido a reação do público hétero aos cordéis de temática homo?
SM: Com efeito, o cordel tem uma função didática, educativa, sim. Para se ter uma idéia, muitas pessoas no Ceará foram alfabetizadas a partir do cordel. A literatura de cordel foi a minha primeira literatura. Todavia, muitos textos de cordel também podem trazer grandes problemas para a formação, para a educação das pessoas. Li, na infância, um cordel chamado A Peleja do Cego Aderaldo com Zé Pretinho. Este cordel reproduz muito preconceito, é baseado em estereótipos de cego imprestável, inútil e de negro sujo, incapaz...   

Às vezes me torno antipática denunciando estes “clássicos” que muitas vezes são enaltecidos até mesmo por acadêmicos, mas que na verdade são textos extremamente nocivos à idéia de respeito às diferenças, etc. Tenho recebido muitos elogios e muitas críticas também não apenas pelos cordéis de temática homossexual. Mas também tenho recebido prêmios e tenho sido alvo de muito interesse por parte de pessoas que acham que faço um trabalho legal. Na verdade a minha literatura, ou o meu “cordelírio”, tem cumprido uma função política muito forte, assumida e declarada.

Eu realmente gosto e me alimento deste tipo de arte que, infelizmente ainda é bastante marginal, secundária, periférica, menor e desimportante nos círculos e circuitos literários. Por meio dela, eu cuido de questões também consideradas ácidas, inconvenientes, incômodas, etc. Porém, alguns pesquisadores no Brasil já estão investigando academicamente, em nível de especialização, mestrado e doutorado o meu trabalho. Ganhei dois prêmios nacionais de literatura de cordel que me foram concedidos pela Fundação Cultural do Estado da Bahia-FUNCEB nos anos de 2005 e 2006, respectivamente. Em Juazeiro, cidade onde moro, os gays recitam meus cordéis antes de abrir palestras, debates, etc. Há artistas dramatizando meus textos, inclusive o cordel DO DIREITO DE SER GAY, que é um monólogo num tribunal do júri.

Muitos dos meus textos são feitos para o teatro. Então, a temática homo tem chamado a atenção do público, sobretudo pelo fato de vir a partir da literatura de cordel.   A Revista Cult, de 2003, salvo engano, traz um dossiê sobre literatura gay, onde se indaga se é uma bandeira política ou um gênero literário. O professor Gilmar de Carvalho, grande conhecedor da literatura de cordel, tem um texto nesta revista onde ele fala da nossa produção, cita inclusive meu trabalho. Então, em geral, tem sido boa, algumas pessoas estão considerando a nossa produção de cordel como um todo e em especial os de temática  gay, lésbica, enfim, homossexual. 

UOO: Além de elaborar cordéis, você desenvolve outras atividades em prol da cidadania LGBT? 
SM: Veja, sou professora do departamento de Direito da Universidade Regional do Cariri-URCA, fiz opção por ser uma advogada popular, com formação em direitos humanos, estudos gênero, feminismos, mulheres, sexualidades. Concluí em 2002, uma dissertação de mestrado intitulada O Princípio da Igualdade Jurídica e a Discriminação contra Homossexuais: ações e omissões dos poderes públicos no Brasil, pela Universidade Federal do Ceará.

Elaborei os estatutos de duas ONGs Gays no Cariri cearense. Dei assessoria jurídica gratuita a estas entidades, ajudando, portanto, a construção da cidadania LGBT numa região onde há um forte componente de machismo e homofobia, mormente em face da tradição religiosa. Realizei inúmeras palestras, participei de muitos debates, escrevi e ainda escrevo textos sobre o assunto, publiquei na Revista Artemis, etc. Procuro dar minha contribuição.

Estive em Cuba dialogando com mulheres lésbicas e heterossexuais sobre gênero, direito, etc. Sou também um ser cuja sexualidade está em permanente construção. Portanto, não dou uma contribuição desinteressada. Eu, de alguma forma, também sou gay, minhas idéias, meu modo de ser e estar no mundo é marginal, é questionador, é periférico, é gay, por excelência.

UOO: Muita gente vem reclamando hoje em dia da burocratização do Movimento LGBT, apontando seu distanciamento da população LGBT e propondo atividades artísticas como forma de fazer política por uma via menos chata. O que você acha disso?
SM:  Eu penso que é por aí. A aproximação e até a própria (con)fusão do movimento LGBT com os partidos e com o poder institucionalizado muitas vezes engessa, sufoca, imobiliza. A realidade tem demonstrado isto. Não sou uma pessoa anti-partido, ao contrário, já fui até candidata ao governo do meu Estado nas eleições de 2006. Aliás, a única a defender publicamente a criminalização da homofobia e a união entre pares do mesmo sexo naquele habitat. Estou, como muita gente neste país, com um pé atrás com esta política que vivenciamos, que nos fora vendida com um discurso e que se nos apresenta de modo torto, obtuso, enfim.   

cordelTampouco faço um discurso da arte pela arte. Penso que  política e poesia é reflexão e ação constante. A discussão de tudo o que interessa aos seres vivos deve ocupar estes espaços. O discurso pela veia artística é um discurso prazeroso. Costumo dizer que faço uma poética-político-exótico-erótica. Não faço nada sem o prazer de fazer e de viver. Não suporto o amordaçamento da criatividade em nome de uma ideologia, de um edital, de uma campanha, de uma candidatura, de uma burocracia que visa domesticar e roubar a radicalidade da luta pelo respeito ao ser humano. Penso que podemos avançar dialogando com todos e todas que desejam um mundo melhor sem nos algemar, sem nos impedir de grita contra toda e qualquer espécie de opressão, institucionalizada ou não.

UOO: Por fim, deixe uma mensagem para nossas leitoras.
SM: Quero dizer que para mim foi um prazer falar para vocês. Quero seguir dialogando. Tenho um texto que diz que Um outro direito é possível. Tento construir um outro olhar sobre o mundo jurídico, e também sobre a arte em geral, sobre a literatura e em especial sobre a literatura de cordel. Ou seja, partilho com vocês da idéia de que é possível lançar UM OUTRO OLHAR sobre tudo, mormente sobre as sexualidades. Então, me encho de entusiasmo com o contato com gente que quer ser feliz, que quer amar e que pensa que a arte pode ser um modo de se publicizar isto. Obrigada por me ajudarem a seguir cordelirando sempre e mais. Um abraço afetuoso para todas.

Publicado originalmente no site Um Outro Olhar em 24/04/09

Maternidade Lésbica: mulheres que gostam de mulheres  e são mães!

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012 7 comentários

Venturas e desventuras da maternidade nas palavras de nossas entrevistadas de Brasília (DF), Lusilene, digitadora, 39, que tem uma menina de 6 anos, e Recife (PE) Amanda, 33, produtora, que tem um menino de 1 ano e 8 meses.

UOO: Primeiro, falem um pouco de suas vidas. Vocês se identificam como lésbicas ou bissexuais?

Amanda: Agora como lésbica, mas já tive experiências com homens.
Lusilene: Olha, eu me identifico mais como lésbica do que bi, pois, apesar de já ter namorado homens, quando era mais nova, prefiro as mulheres porque a gente se entende melhor. Moro sozinha com minha filha. Viemos para Brasília em 2005. É uma cidade onde me identifico muito porque foi aqui onde tudo começou.

UOO:  Vocês tiveram filhos numa produção independente ou num casamento formal?

Amanda: Produção independente...
Lusilene:  A minha filha veio por acaso, foi um descuido. No começo foi difícil admitir que estava grávida.

UOO:
  Se casaram, casaram por pressão social ou familiar ou por amor simplesmente?

Amanda: Não casei. o pai do meu filho é um amigo.
Lusilene:  Nunca me casei nem pretendo me casar com homens.

UOO:  Vocês sempre quiseram ser mães ou acabaram sendo para atender as convenções sociais que afirmam que todas as mulheres devem ser mães?

Amanda:  Não planejei, mas tinha vontade sim.
Lusilene:  Nunca pensei em ser mãe, não me imaginava como mãe, mas agora afirmo que ser mãe é muito bom.

UOO:  Vocês têm quantas crianças? Meninas e meninos? E quantos anos ela(s), ele(s) têm?

Amanda:  Tenho 1 menino de 8 anos..Lindo de morrer e muito amado.
Lusilene:  Só tenho uma filha de 6 anos.

UOO:  Sempre se interessaram também por mulheres? E sempre vivenciaram esse interesse ou só após a separação?

Amanda:  Tive minha primeira namorada aos 14 anos. Sempre soube do meu interesse por mulheres.
Lusilene:  Sempre me interessei por mulheres, e isso já vem desde a minha adolescência; só que tinha medo de me assumir totalmente.

UOO:  E como tem sido o relacionamento de sua(s) namorada(s) com seus filhos?

Amanda:  Estou com o que considero meu primeiro relacionamento sério e longo, por isso, o contato maior com o assunto foi mesmo com ela, e eles se adoram (meu filho e minha namorada). Ele já sabe de tudo porque acho que um exemplo que posso deixar pra ele é de que se deve ir atrás do que se ama, e ser quem se é, sempre.
Lusilene:  Não tenho namorada atualmente, mas quando tive o relacionamento foi péssimo: ela não gostava da minha filha e queria que eu desse mas atenção a ela do que pra minha filha. Só que eu sabia dividir as coisas, e ela não entendia. Por isso terminamos.

UOO:  Vocês acham que as mães lésbicas sofrem mais preconceito da sociedade do que as lésbicas que não têm filhos?

Amanda:  Acho que sim porque temos que conviver com mães, professoras, e, infelizmente, as pessoas do meu convívio que não aceitam a minha condição, usam isso pra me atingir mais fundo. Só que eu me faço respeitar e sem fazer nada, apenas sendo quem sou. Quem tem o que fazer são eles, aprendendo a lidar com a diferença.
Lusilene:  Acho que sim, mas ainda não sofri esse tipo de preconceito, porque não gosto de falar da minha vida pessoal com as pessoas no trabalho, e tenho amigas que tem filhos e não sofreram nenhum preconceito. De qualquer forma, acho que as pessoas têm que respeitar a opção de cada uma.

UOO: A família de vocês sabe que se relacionam com mulheres? Se sim, como eles encaram? E os pais de suas crianças?

Amanda:  Minha família sabe, e tenho a sorte de ter uma mãe que me apóia. Alguns irmãos não apóiam (são 5, sou a sexta, caçula, imagine...), mas, como disse, só vão até onde eu deixo. E o pai do meu filho nunca se meteu nessa área da minha vida.
Lusilene:  A minha família não se mete muito na minha vida, mas, se eu arrumar alguma namorada, com certeza já saberei a opinião deles porque eles não admitem que eu namorei uma mulher e falam que é uma doença e etc. O pai da minha filha não sabe que ela existe; a gente só ficou uma vez, e ai aconteceu.

UOO:  Quais os problemas que vocês enfrentam como mães lésbicas: com a família, com amigos, no trabalho, na escola?
Amanda:  Coisas do tipo ver meu filho chateado por causa de crianças que não vieram na festinha dele, e eu sabendo pelo que foi ...Pessoas da família dizendo que eu não posso expor ele a esse tipo de coisa, ou até olhares tortos, na escola.. e coisas do gênero.. Mas também tenho grandes pessoas comigo e com ele, que me ajudam muito. Não faço disso um drama porque não é nem quero que ele ache que seja. Tiramos de letra e somos felizes.
Lusilene:  Vários. É difícil a gente se encontrar. Os meus amigos gays se afastaram de mim, quase não falo com eles.. No trabalho, ninguém sabe que sou lésbica. Na escola, minha filha fica sendo motivo de piadas....mas estou dando um jeito nisso.

UOO: : E da própria população lésbica? Vocês acham que as lésbicas preferem as mulheres sem filhos?

Amanda:  Acho que varia, como numa relação heterossexual: tem gente que prefere sem, que prefere com, e para quem não faz diferença.
Lusilene:  Lógico que elas preferem as mulheres sem filhos, por isso que ainda estou sozinha.

UOO:  Por fim, que mensagem gostariam de deixar para as leitoras e leitores da UOO?
Amanda:  Nunca deixem de fazer e ficar com quem amam, todos os tipos de amor, e preconceito é coisa de gente limitada, não se limite a elas..bjs.
Lusilene: Que lutemos pelos nossos direitos e que sejamos mais unidas porque precisamos vencer todos os preconceitos que existem.

Originalmente publicada em 09/05/07 no site Um Outro Olhar

Baila Comigo: Dança de Salão para o público LGBT

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012 4 comentários

Conheci Giovane Salmeron durante as comemorações do Dia do Orgulho Lésbico (19 de agosto) de 2006, quando ele ministrou uma aula de dança de salão para as participantes do evento, introduzindo-as nos primeiros passos do mambo e do bolero, culminando com um arretado forró. Após uma hora e meia de bailado, todas estavam suadas e exaustas, mas com sorrisos radiantes pela dinâmica e a diversão da atividade.

Em outubro de 2008, Giovane abriu seu próprio espaço em São Paulo onde também desenvolveu o Projeto Duco et Ducitur (do latim “conduzo e sou conduzido”) para o público LGBT. Como ele disse - e eu concordo -, "A Dança, enquanto prática social, nos dá a sensação de pertencimento e estabilidade de que tanto precisamos e merecemos."

Posteriormente, Giovane se mudou para Aracaju (SE), onde reside até hoje e, claro, continua dançando. Clique aqui para acessar sua página no Facebook ou aqui para lhe mandar um e-mail. Esperamos que Giovane retome o projeto que iniciou aqui em Sampa onde quer que permaneça morando.

Ao final da entrevista, a bela dança de duas mulheres no filme Tango (1998), de Carlos Saura, e a apresentação de um casal masculino no International Queer Tango Festival em Berlim (2011).

Míriam Martinho
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UOO:
Giovane, primeiro, um pouco de você, de sua formação. Qual sua idade, sua orientação sexual, sua formação acadêmica como dançarino ou arte-educador, quando começou a dançar...
Giovane Salmeron (GS)Sou paulistano, com família na zona leste da capital, mas há 12 anos vivo na região central da cidade. Nasci em 09 de março de 1978 e tive já as minhas histórias com as meninas, o que me fez amadurecer e completar, neste ano, 12 anos de relacionamento com outro homem, com quem a cada dia vivencio novidades (mas a dança ainda não o tocou...).

Sou Licenciado em Artes Plásticas pela Escola de Comunicações e Artes da USP, Pedagogo pela Universidade Ibirapuera e Especialista em Dança e Consciência Corporal pela FMU/SP. Na Dança, além da Pós-Graduação, me graduei no quinto nível da Royal Academy of Dancing of London – Ballet Clássico, por meio do Estúdio de Dança Marina Lambertti, na região do aeroporto de Congonhas. Na época, eu tinha 21 anos e, assistindo a um vídeo de Cats (o musical da Broadway) eu senti que, mesmo vindo de uma família que não valorizava a Dança, eu seria capaz de dançar e fui à luta.

O problema era conseguir uma bolsa de estudos, então, com as páginas amarelas na mão, fui entrando em contato com várias academias até que a Marina me aceitou. Sou muito grato à ela por essa atitude e por me incentivar a iniciar uma turma na época da Dança de Salão.

Com relação à formação em Danças Sociais, entre workshops, vídeos e eventos, tomei aulas na academia de Andrey Udiloff em Pinheiros (a quem sou muito grato apesar de os nossos projetos serem diferenciados) e no estúdio da Stella Aguiar (que além da gratidão foi e tem sido uma ótima parceira de trabalho). Quando do auge do Tango, tive aulas com Graziella (professora das domingueiras de Tango do Café Piu-Piu) e, claro, com muitos outros professores e estúdios em Buenos Aires.

Atualmente, sou professor de Danças Sociais particular, atendo grupos em domicílio, ministro aulas no Núcleo Criativo e atuo como Personal Dancer em São Paulo, interior, Rio de Janeiro e Buenos Aires.

UOO:  E qual sua trajetória na área de dança e mais especificamente da dança de salão? Que projetos já realizou?
GS: 
Na Dança de Salão, iniciei numa academia de Fitness, na rua Augusta, em São Paulo, que em muito me auxiliou no início da carreira, trabalhando posteriormente com grupos particulares na ECA/USP, Academia Movimento & Dança na Vila Buarque, Interlagos, UNIB (realizei em 2007 o 1º Retiro de Dança e Consciência Corporal que terá sua segunda edição em 2009), SESC Paulista, SESC Consolação (ambos em parceria com Stella Aguiar), Pricewaterhouse & Coopers (também numa parceria com Stella) e, agora, além dos particulares, tenho me dedicado ao meu Projeto mais antigo e atual, o Núcleo Criativo, no qual desenvolvo minhas pesquisas sobre condução e dança entre parceiros de mesmo sexo.

UOO:  Como você situa a dança de salão hoje em termos de gosto popular: abrange todas as faixas etárias ou é uma atividade mais dos apreciadores dos ritmos clássicos (forró, samba, bolero...)?
GS: As Danças Sociais, sob minha perspectiva, estão hoje divididas, basicamente, entre dois públicos: os jovens, que se apropriam da dança como linguagem e buscam uma virtuose técnica, competitiva, em que imperam os modismos (Forró Universitário, Salsa, Zouk e mais atualmente o Tango Eletrônico), e os adultos, de meia idade ou que passam pela melhor idade que, consideram a dança momento apropriado para a troca de idéias, para vivências saudosistas, seguindo a etiqueta e um código social mais tradicional.

De certa maneira, antes de lidarmos com a diversidade sexual, é preciso compreender que, a Dança de Salão, enquanto prática social, ainda é incipiente no Brasil e que, estamos agora, colhendo os frutos de 20 anos atrás, quando a Lambada incitou milhares à prática da Dança à dois e o interesse pelo aprendizado técnico.

Hoje, o panorama que se apresenta, reserva aos jovens uma performance por vezes exagerada, em detrimento da etiqueta, das regras sociais por eles consideradas antiquadas e aos adultos, mais tradicionalistas, o fardo do satirizado “Baile da Saudade”, onde se saúdam aos clássicos, em especial o Bolero, o Fox-Trot e a Valsa.

UOO:  Em outras atividades que mexem com o corpo, há necessidade de um certo condicionamento físico prévio. Você faz esse condicionamento em suas aulas? Pessoas de todas as idades podem dançar?
GS: O que costumo fazer, quando o grupo corresponde ao estímulo, é um aquecimento, acompanhado por uma música de prática, dentro da temática da aula, tratando de aquecer as articulações, alongar a musculatura e relaxar os pontos de tensão mais evidentes para favorecer a sintonia com a atividade. Costumo dizer que se deixa o mundo lá fora, desliga-se os celulares para curtir aquela única hora da semana que é só sua e de mais ninguém.

Quanto à faixa etária, não há limites. Quando recebo um novo aluno, trato de perguntar se há algum impedimento físico que limite a atividade ou se há uma predisposição à labirintite, o que limita os giros a serem realizados. No mais, tenho uma regra, sempre superestimar os meus alunos. Claro. Faço sempre mais do que eles acham que podem e utilizo informações rítmicas, visuais e sensoriais para auxiliá-los em sua superação.

UOO: Quantas aulas em média são necessárias para fazer bonito na pista? Qual o ritmo mais fácil e o mais difícil de aprender?
GS: No geral, com aproximadamente 03 meses de aulas ininterruptas, uma vez por semana, já estimulo os alunos à sair para dançar, em grupo. Com 06 meses, a base está firme e surgem as figuras intermediárias. Seguramente, após 01 ano assíduo de aulas, a segurança e a criatividade tornam-se prazer na dança.

Quanto à questão rítmica, as modalidades mais fáceis, ao contrário do que acreditam os aprendizes, são aquelas mais rápidas e frenéticas, recheadas de giros, como o forró, rock, e o soltinho, onde há mais possibilidade de improviso. Já o bolero, a rumba e o tango, por ter uma marcação mais definida, exigem mais paciência e concentração dos alunos. Quanto mais lenta a música, aumenta o desafio de manter-se em sintonia com o parceiro.

UOO: Quando decidiu iniciar um trabalho específico de dança de salão com a população LGBT?
GS:
 Quando em viagem a Buenos Aires, fui convidado à dançar por um senhor que ao final me apresentou a esposa. Neste momento pude perceber que, focalizando em novos objetivos que não a sedução, a busca de um parceiro sexual, a dança pode ser objeto de prazer entre duas pessoas de mesmo sexo. Iniciei então uma pesquisa e participei do 1º Festival Internacional de Tango Queer de Buenos Aires, em 2007, quando então pude perceber que o mundo está aberto à esta novidade, principalmente a Europa e América do Norte.

UOO: Existe uma diferença na abordagem da dança de salão para os casais homo e hétero?
GS: Sim. Em primeiro lugar, a questão social da condução. Homens são condutores naturalmente aceitos e mulheres, como na sociedade, devem ser conduzidas, orientadas.

Quando surge um casal homo, em primeiro lugar é preciso definir se há um condutor e um conduzido ou se ambos farão os dois papéis. Acho mais interessante a segunda opção, o que torna o trabalho mais demorado e instigante, uma vez que, a cada novo movimento, ambos terão de aprender as duas possibilidades condutivas.

UOO: Fale um pouco de seu Projeto Duco et Ducitur (do latim “conduzo e sou conduzido”), de como surgiu, de seu objetivo.
GS: Surgiu durante a elaboração do Projeto de Especialização em Dança e Consciência Corporal da FMU/SP, quando observei e pontuei práticas sociais de dança em São Paulo e Buenos Aires. Então, percebi a necessidade de ensinar aos casais homo a linguagem social da dança.

Outras iniciativas surgiram por parte de outros profissionais, mas creio que os problemas e o êxito desta atividade está na integração dos casais depois do aprendizado. Eles participam das aulas assiduamente, mas na hora de dançar de fato, em locais apropriados, não se sentem aceitos, impelidos, apoiados.

Por exemplo, um puxão de orelha nas meninas que freqüentam o Café Vermont Itaim: há nessa casa uma das pistas mais aconchegantes que já vi. Durante a apresentação das bandas, com hits dançantes, a pista fica vazia. Apenas quando o DJ executa a seleção eletrônica é que a pista ferve. Por que motivo? Desta maneira, vamos sedimentando a idéia de que gay só curte Tecno, Bate-estaca, o que não é verdade.

Quando observamos os rapazes que freqüentam o ABC Bailão, percebemos que, sob o pretexto da música eletrônica, muitos deles se deixam embalar pela dança a dois durante as seleções de Forró, Bolero, Vanerão, Rock e Samba, oferecidas pela casa.

O Projeto Duco et Ducitur, vem possibilitar não apenas uma revisão metodológica do ensino da dança, mas a prática em locais reconhecidos, por meio da inserção destes casais nos espaços tradicionalmente direcionados à dança de salão, ensinando a linguagem corporal da dança contextualizada aos espaços onde ela de fato acontece.

UOO: Em outubro deste ano (2008), você inaugurou seu espaço de trabalho Núcleo Criativo Giovane Salmeron em São Paulo. Qual a proposta desse espaço, além da promoção da dança de salão naturalmente?
GS: 
Oferecer a possibilidade de aprendizado das Danças Sociais sob a perspectiva da Diversidade, ensinando homens e mulheres ambos os papéis condutivos na Dança, estimulando a troca de papéis e o desenvolvimento de novas movimentações baseadas naquelas já tradicionais. Além disso, realizar encontros, workshops, práticas e claro, propiciar a sociabilização dos alunos.

UOO: Além do trabalho no Núcleo Criativo, que outros projetos você vem desenvolvendo e que pretende encaminhar em 2009?
GS: 
Como disse, sou Personal Dancer (profissional contratado para dançar com aqueles que não possuem um par fixo ou querem treinar a linguagem da dança) e à cada dia tenho ampliada a minha gama de clientes e destinos, entre eles Rio de Janeiro, Vitória, Buenos Aires, Capital e interior, além de eventos e navios temáticos voltados ao público dançante. Ainda que apenas 01 deles seja homem, espero que outros parceiros surjam durante a minha trajetória.

Em 2009, pretendo oferecer no Núcleo Criativo, workshops, espaços para discussão sobre diversidade, dança e sociedade, projeção de filmes temáticos, debates e claro, muita prática de dança. Além disso, organizar o 2º Retiro de Dança e Consciência Corporal, repetindo o sucesso da primeira edição em 2007.

Além disso, à cada dia estimular mais e mais casais homoafetivos a desenvolver a técnica e o prazer pela dança a dois ou a duas.

UOO: Você declarou em artigo que os casais de mesmo sexo já vem sendo aceitos com mais naturalidade em espaços de dança de salão convencionais. Poderia citar alguns deles não só em São Paulo como em outras cidades?

GS: 
Naturalidade é a palavra que utilizei por fazer parte do grupo e ter muita firmeza em impor a minha presença nestes locais. Está claro que, em todos eles, no primeiro momento, há um impacto (muito mais freqüente quando dançam dois homens juntos), mas que, como costumo dizer, dura 05 minutos ou duas músicas (é o tempo que leva para aqueles que estavam no bar ou no banheiro retornar e reiniciar a discussão).

Em São Paulo, locais como as domingueiras do Clube Homs, organizadas pela figura simpática de Nayah, o Havana Club, o Café Vermont Itaim, o ABC Bailão, o União Fraterna, são locais onde já estive e claro, guardadas as proporções, superei os 05 minutos.

É difícil, não vou ocultar a verdade. Numa dessas casas, a mais badalada, onerosa e requintada, tentaram nos fazer parar e sair. Conversando com superiores, fomos convidados a permanecer e, infelizmente, a gerência da casa foi substituída. Utilizei-me, em email de agradecimento à Gerência Geral do estabelecimento, da lei Nº 10.948, DE 5 DE NOVEMBRO DE 2001 e por fim o funcionário foi demitido. Não era a minha intenção, mas de fato, não busco tolerância, busco respeito. Se tiver de ser assim, assim será.

UOO: Você conhece outros trabalhos análogos ao seu em outras cidades brasileiras que pudéssemos indicar?
GS: 
Sei que no nordeste, em especial Bahia, há muitos pesquisadores envolvidos com questões afins, mas não há ainda uma proposta que una pesquisa e metodologia numa única empreitada. Em São Paulo, há academias que se propõe à receber casais homossexuais em condições especiais, porém há sempre a questão de onde dançar depois do aprendizado.

A minha busca não está apenas no ensino, está na contextualização. Nós somos o “novo”, a “novidade” há muito tempo. Agora é hora de sermos apenas parte da realidade. Dentre os objetivos do Projeto Duco et Ducitur, estão as ações educativas direcionadas aos estabelecimentos voltados às Danças Sociais, para a recepção de casais homoafetivos e troca de papéis condutivos. Planejo para 2009 a distribuição de uma cartilha que versará sobre etiqueta na dança e respeito às paridades diferenciadas.

Quanto às iniciativas voltadas ao público LGBT, cito o Festival Internacional de Tango Queer, que acontece em Buenos Aires durante o segundo semestre (entre novembro e dezembro), que teve a sua segunda edição entre 01 e 07 de dezembro de 2008 e tem gerado uma série de outras ações não apenas na Capital Argentina, mas na Suécia, Austrália, Japão, Canadá, Reino Unido, Holanda e Estados Unidos. No Brasil, (ainda) não há repercussão, devido à resistência dos latino americanos a aderirem ao movimento. Na edição de 2007, apenas 01 latino americano (eu) figurava entre europeus, canadenses, japoneses e americanos.

UOO: Por fim, Giovane, deixe uma mensagem para nossas leitoras e leitores. E muito obrigada pela entrevista.
GS: 
Como mensagem, tenho em mente a imagem do encontro realizado junto a Um Outro Olhar no prédio da Ação Educativa, na Consolação, em 19 de agosto de 2006, quando mulheres de muitas cores, muitos anseios e muitos amores se reuniram para dançar, para extravasar, para viver. Espero encontrá-las em breve, para o despertar de novas possibilidades, de novos desafios e descobertas.

A Dança, enquanto prática social, nos dá a sensação de pertencimento e estabilidade de que tanto precisamos e merecemos.Pense nisso! Dançar não é o bastante. Tolerar não é o bastante. Amar o próximo, talvez o seja. Um forte abraço!



Outras cores e vozes do arco-íris, democracia e direitos LGBT: gays libertários (liberais) e de direita

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012 0 comentários

A entrevista com  Washington e Gustavo, fundadores respectivamente dos blogs Q-Libertários e Gays de Direita segue após a introdução à História do Movimento LGBT abaixo.

Introdução à História do MHB ou MLGBT


Autor: Míriam Martinho

O Movimento Homossexual Brasileiro, ou MLGBT, como se diz atualmente, surgiu em 1978, em São Paulo e no Rio, com a publicação do jornal Lampião da Esquina (RJ) e a formação do grupo Somos de Afirmação Homossexual (SP). Embora igualmente mal-visto tanto pelos adeptos da ditadura militar (de direita) quanto pelos militantes da esquerda ortodoxa, o MHB nasceu sob os eflúvios da contracultura, movimento associado à esquerda não-tradicional que estendia o conceito de política ao corpo, ao comportamento dos indivíduos, à questão sexual e de gênero. 

Logo nos primeiros momentos do movimento, um dos primeiros embates políticos resultou exatamente do choque de perspectivas entre ativistas da esquerda tradicional, autoritária (ligada a grupos marxistas-leninistas, trotskistas, maoístas, stalinistas) e a esquerda contracultural, libertária, que buscava novas maneiras de se pensar e de se fazer política através de formas não-rígidas, não-antagônicas, não-hierárquicas, onde deveria prevalecer a solidariedade comunitária desde as tarefas cotidianas até o sexo e o amor. Político era tudo e, para fazer política, não se precisava estar em um partido. 

Esse embate levou ao racha do grupo Somos que se cindiu em três partes: com o nome Somos ficou o grupo ligado à Convergência Socialista/CS (esquerda tradicional), acusada de querer cooptar e aparelhar a organização com vistas a integrá-la à luta contra a ditadura e à luta de classes; o pessoal “anarquista”, que viria a formar o grupo Outra Coisa de Ação Homossexualista, e o Grupo Lésbico-Feminista (LF). Forçoso lembrar aqui, num aparte, que o LF já existia, como grupo autônomo, desde maio de 1979, e que, no dia do racha do Somos (17 de maio de 1980), apenas formalizou sua saída, motivada também ou principalmente por sua aproximação do movimento feminista e do ideal feminista da manutenção de um grupo exclusivamente feminino. De uma forma geral, contudo, o LF compartilhava da visão contracultural (ainda que algumas de suas integrantes revelassem simpatia pelas teses da CS), tanto que, em outro momento, posteriormente, irá se re-unir com integrantes do Outra Coisa numa mesma sede (1982-1984). 

O racha do Somos repercutiu em todo o incipiente movimento homossexual brasileiro, divulgado pelo jornal Lampião da Esquina e pela correspondência entre os grupos do período. A maioria apoiou as críticas à Convergência Socialista e endossou a bandeira de um movimento autônomo, apartidário, ainda que capaz de alianças com parlamentares de partidos que apoiassem a causa dos direitos homossexuais. De fato, os problemas relacionados à Convergência, à questão político-partidária e à autonomia do movimento homossexual ficaram restritos, como tema e fonte de conflito, apenas ao caso do racha do Somos. Mesmo antes do final desse primeiro ciclo de ativismo tupiniquim, de 1978 a 1983, a questão político-partidária praticamente desaparece e cede lugar à questão da identidade homossexual, como ponto conflitante, só reaparecendo efetivamente em fins dos anos 90. No mais, o MHB entra em declínio acentuado, devido à crise econômica e principalmente à chegada da AIDS (que levou muitos ativistas gays para os grupos de prevenção à síndrome), mantendo-se  os grupos que sobreviveram dentro da bandeira liberal dos direitos iguais, nem mais nem menos. 

Na década de noventa, já a partir do VII Encontro Brasileiro de  Lésbicas e Homossexuais (SP, 1993), tem-se de volta ativistas ligados à esquerda tradicional, provavelmente como reflexo da rearticulação das esquerdas latino-americanas, após o colapso dos regimes comunistas no Leste Europeu e alguns países asiáticos, através do chamado Foro de São Paulo (1990). O espírito da contracultura, que já se findara na própria década de oitenta, desaparece por completo, e a política volta aos esquemas tradicionais, no modelo sindicalista e estudantil, formando-se também núcleos GL do Partido dos Trabalhadores (PT), entre outros, que passam a atuar dentro do MHB ou MLGBT. 

No fim da década de 90, no XIX Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Travestis (XIX EBGLT-1997), os glpetistas e outros integrantes de grupos da esquerda autoritária já reiniciam seu processo de tomada de poder, cooptação e aparelhamento do movimento homossexual, processo que chegará ao auge com a eleição de Lula à Presidência da República. De 2003 até hoje, o movimento LGBT se desfigurou por completo, funcionando mais como correia de transmissão do PT (como diria o escritor João Silvério Trevisan) e de ideologias da esquerda “viúva do muro de Berlim” do que como defensor das reivindicações de igualdade de direitos para as cidadãs e os cidadãos LGBT. O ápice desse processo ocorre agora com a participação de ativistas LGBT nas Conferências de Comunicação (Confecom, 17/12/2009) e de Cultura (em outubro de 2009) e no endosso ao chamado Programa Nacional de Direitos Humanos-3 (21/12/2009) , onde, em meio a reivindicações reais de direitos humanos, aparecem propostas claramente autoritárias do governo, como restrições à liberdade de imprensa e de expressão e ameaças ao direito de propriedade (entre outros sintomas de arbítrio), como se sabe pilares da declaração universal de direitos humanos (li num blog desse tipo de esquerdista: a propriedade não tem valor ou proteção em si mesma, mas somente quando se encontre cumprindo sua função social...sic).


Por outro lado, a partir de 2009, ao que tudo indica como reflexo da rearticulação das forças democráticas no Brasil e na América Latina, começaram a surgir também pessoas LGBT que se assumem como libertários (liberais) e até de direita. Tendo em vista que a democracia, valor maior, depende, entre outras coisas, do equilíbrio de forças entre as diferentes ideologias do espectro político e de sua livre expressão, convidei Washington e Gustavo, fundadores respectivamente dos blogs Q-Libertários e Gays de Direita,  para uma conversa sobre esquerda x direita, liberalismo, conservadorismo e os direitos homossexuais, o movimento homossexual, entre outras questões, esperando poder contribuir para o enriquecimento do debate sobre nossas escolhas políticas, sobretudo neste ano de eleições presidenciais. Busco também cumprir a tradição de pioneirismo e quebra de tabus que caracteriza minha militância, abrindo espaço para os que, nesse momento, destoam do coro dos contentes.

  Miriam Martinho, 57 anos, é uma das fundadoras do Movimento Lésbico no Brasil, tendo organizado as primeiras entidades lésbicas brasileiras, a saber, Grupo Lésbico-Feminista (1979-1981), Grupo Ação Lésbica-Feminista (1981-1989) e Rede de Informação Um Outro Olhar (1989....). Editou também as primeiras publicações lésbicas do país, como o fanzine ChanacomChana (década de 80) e o boletim e posterior revista Um Outro Olhar (década de 90 até 2002). Atualmente edita o site Um Outro Olhar On-Line (www.umoutroolhar.com.br), lançado em junho de 2004 e o blog Contra o Coro dos Contentes.
  Fundou igualmente o movimento de saúde lésbica no Brasil, em 1994, realizando a primeira campanha de prevenção às DST-AIDS para mulheres que se relacionam com mulheres, em 1995, e editando as primeiras publicações sobre o tema desde essa época (em 2006 publicou a 4 edição da cartilha Prazer sem Medo sobre saúde integral para lésbicas e bissexuais). Participou da organização do I EBHO (1980), organizou dois encontros LGBT nacionais (VII EBLHO/93 e IX EBGLT/97) e foi sócia-fundadora da Associação Brasileira de Gays,Lésbicas e Travestis (ABGLT-1995). Participou igualmente de vários encontros internacionais com destaque para a IX Conferência Internacional do Serviço de Informação Lésbica Internacional-ILIS (Genebra, Suiça, 28 a 31/03/1986), o I Encontro de Lésbicas-Feministas Latino-Americanas e do Caribe (Taxco, México, 1987) e a Reunião de Reflexão Lésbica-Homossexual (Santiago, Chile/ nov. 1992).


Outras cores e vozes do arco-íris, democracia e direitos LGBT: gays libertários (liberais) e de direita

Washington, do blog Q-Libertários,  tem 29 anos, é graduado em Geografia e trabalha como professor das redes pública e privada de educação, além de fazer alguns trabalhos como geógrafo free-lancer. Vive em Belo Horizonte e mantém seu primeiro relacionamento homossexual de longo prazo.

Gustavo, do blog Gays de Direita, tem 28 anos, é graduado em Administração de Empresas, nasceu e mora em Campinas. Namora há três anos  e planeja morar junto com o namorado em 2010. Nas horas livres gosta de ler, mexer com carpintaria, motores e carros. Gosta de sair com amigos, preferindo bares em vez de boates. Nos domingos, vai à missa com o namorado numa paróquia perto de sua casa.

UOO: Vocês mantêm dois blogs, Gays de Direita e Q-Libertários, que vão na contramão da perspectiva  com que a maioria de ativistas e blogueiros LGBT aborda a questão da homossexualidade que é tradicionalmente mais à esquerda ou de esquerda. Então pergunto, primeiro, quando decidiram lançar os blogs e qual o objetivo deles?

Gustavo:
A ideia de criar o blog surgiu em uma festa na casa de um amigo, onde percebi que praticamente nenhum homossexual ali compartilhava dos mesmos ideais de cunho esquerdista do movimento gay. Além disso, em conversas com amigos em outras ocasiões, notei que havia muita desinformação em relação a temas do interesse dos homossexuais e desconhecimento acerca do verdadeiro caráter da militância LGBT no Brasil.

O blog tem o objetivo de incentivar o debate sobre assuntos da atualidade a partir de uma perspectiva conservadora. Pensamos em vários nomes, mas acabamos optando por “Gays de Direita” mesmo. Julgamos que os resultados de nossa iniciativa têm sido muito positivos: apesar de uns xingamentos, temos recebido muitos elogios e críticas de pessoas que pensam como a gente, além de ter despertado a admiração até mesmo de alguns heterossexuais, que acabaram se tornando fãs do blog. Evidentemente, as publicações do blog não necessariamente representam a opinião de todas as pessoas envolvidas no grupo. Da mesma forma, não esperamos que os leitores concordem com tudo o que é publicado, pois alguns temas inclusive são bastante controversos.

Washington: Não tive, a princípio, a intenção de criar um blog que relacionasse política com assuntos LGBTs. Entristecia-me qualquer tentativa de mesclar identidade sexual com ideologia política. Contudo, ao fazer buscas na internet por sites de temática LGBT percebia que boa parte deles estava atrelada, politica ou ideologicamente, a partidos e movimentos de esquerda. Nessa época, eu já não me considerava de esquerda, embora não quisesse aceitar. Fui doutrinado pelos meus professores a pensar que a esquerda possuía o monopólio dos bons sentimentos. Após uma série de reflexões e estudos, percebi que não compartilhava com a visão de mundo socialista. Procurei por sites ou blogs gays que tivessem alguma afinidade com o que pensava, mas não encontrei nenhum, pelo menos em língua portuguesa. A partir daí, resolvi criar o blog. Sobre o objetivo do mesmo, acredito que seja apresentar às lésbicas, aos gays, aos bissexuais e aos transgêneros a visão que nós, libertários, possuímos da sexualidade humana e dos direitos civis e individuais.

UOO: Gustavo, dizer-se de direita no Brasil, no contexto pouco democrático atual, é como assumir um estigma. Exige coragem portanto. Assumir-se gay e de direita exige muito mais, principalmente porque a direita sempre foi vista como inimiga das pessoas homossexuais, tendo de fato assumido posturas muito reacionárias. Fale um pouco sobre essa (aparente?) contradição. 
 
Gustavo: Intuitivamente, observo que a impressão das pessoas comuns em relação ao socialismo é muito mais negativa do que em relação à direita. Por isso, eu não vejo essa interpretação como uma percepção generalizada dentro da população gay ou fora dela. É perfeitamente normal que homossexuais defendam idéias de direita. Há gays católicos, gays que são virgens e gays que defendem relações monogâmicas e estáveis. Parece-me que quem quer saber de “revoluções” é a cúpula do MHB, totalmente influenciada pelo discurso marxista e alheia aos interesses e necessidades da população homossexual.

As pessoas gostam de falar que existe uma contradição entre ser gay e de direita porque a direita, de um modo geral, não assume um posicionamento pró-gay; no entanto, também não assume uma posição anti-gay. São um ou outro os casos de pessoas de direita que se manifestam de forma contrária aos gays, coisa que também ocorre nas esquerdas.

Minhas pesquisas a este respeito apontam que o MHB, em conjunto com outros movimentos e indivíduos defensores do socialismo, tem adotado uma estratégia gramsciniana de penetração na mídia, cinema, artes em geral, escolas etc. com o objetivo de difundir uma imagem negativa e incorreta a cerca da maneira pela qual, por exemplo, o capitalismo, os militares e Igreja Católica abordam a homossexualidade.

Hoje no Brasil não existe mais ensino, mas sim doutrinação, tendo a verdade sido substituída pela propaganda. E este é o cerne da questão do blog: colocar uma luz sobre a evidente doutrinação que existe dentro da militância e fora dela. Eu acho que o gay brasileiro precisa parar de acreditar no que dizem por aí e passar a investigar os fatos por conta própria.

UOO: Washington, você identifica seu blog como para homossexuais libertários e de centro-direita. Gostaria primeiro que me definisse o que é ser libertário e a relação dessa corrente de pensamento com a questão homossexual. Como também os anarquistas se identificam como libertários, gostaria que estabelecesse qual a diferença entre libertários liberais e de esquerda. Segundo gostaria que explicasse também como define  ser de centro-direita e no que isto se diferencia de ser de direita sobretudo no referente à questão LGBT.

Washington:
O libertarianismo ou libertarismo é uma filosofia política que defende a maximização das liberdades individuais e a minimização do Estado. Na Europa, o termo é usado como sinônimo de liberalismo clássico. Contudo, nos Estados Unidos, a palavra “liberal” ganhou novos contornos. Lá, ela designa uma pessoa adepta de uma economia controlada atrelada ao Estado-providência. Assim, os verdadeiros liberais americanos adotaram o nome de libertários. Embora muita gente enxergue os Estados Unidos como um país bipartidário (democratas versus republicanos), há outros partidos, entre eles o Partido Libertário, o terceiro maior partido do país. Não sei se você sabe, mas o Partido Libertário americano foi o primeiro partido a endossar os direitos para a comunidade LGBT, incluindo o direito de se casar com quem quiser, independente do gênero. Em 1974, o Partido Libertário pediu a revogação das leis contra homossexuais. O libertarianismo difere do anarco-comunismo pelo fato do último ser contrário à propriedade privada e ao dinheiro. Além disso, o anarco-comunismo prega a tomada do poder pela revolução, atitude essa condenada pelos libertários. Durante o processo de criação do blog pensei em exclusivamente libertários. Entretanto, optei por incluir o termo “centro-direita” para ampliar o leque de opções para quem é adepto dessa corrente. Quando se fala em “direita” pensamos em uma série de estereótipos que foram criados pela esquerda. Nada mais injusto e covarde. A “direita” é diversa e congrega uma série de ideias e concepções, muitas conflitantes. Em alguns meios, é comum definir os liberais como de centro-direita.

UOO: Vocês acreditam que essa polarização direita x esquerda que requentaram nos dias de hoje procede? Ela já não havia sido superada por outra visão mais abrangente que apontava para a possibilidade de se superar a dicotomia Estado x mercado?  Ou a questão direita x esquerda vai além dessa dicotomia e não há um meio-termo possível?

Gustavo: Com certeza ainda procede. Eu acho que a definição de direita e esquerda vai além dessa dicotomia, é muito mais abrangente do que as considerações entre liberdade de mercado ou dirigismo estatal. Também defendemos um modelo de Estado menos dominante e uma economia liberal, mas procuramos nos concentrar no modo pelo qual Estado e sociedade interagem na atualidade.

Uma das questões que merecem ser discutidas é esse modelo de Estado, construído a partir de 1988, que protege demasiadamente os ditos “movimentos sociais” e, com isso, acaba criando uma atmosfera de falsa cidadania, na qual os desejos de um pequeno grupo passam a definir a agenda pública. Eu vejo uma insatisfação muito grande, entre os homossexuais, quanto à pretensão da militância gay em criar um modelo de homossexual. Não é raro ver militantes LGBT dizendo que querem proibir a Bíblia, acabar com a família, controlar mídias, instalar “ditaduras do proletariado”, entre outras coisas.

A larga maioria da população brasileira não odeia os homossexuais mas também não quer que eles fiquem ditando regras acerca de como seus filhos devem ser educados, sobre como as pessoas devem se comportar no trabalho ou como devem pensar a respeito de suas doutrinas religiosas.

Washington: Provavelmente não, mas essa discussão é algo que se agrava em muitos países. A polarização entre esquerda e direita remete à Revolução Francesa. Todavia, a divisão entre essas duas correntes varia conforme a época. Antes, a direita foi monarquista; hoje é republicana. Alguns pontos e posturas defendidos pela esquerda atual deixariam Lênin de cabelo em pé. Houve tentativas de encontrar um meio-termo entre as duas grandes correntes: a social democracia, o liberalismo social, a terceira via e o próprio centrismo. Contudo, essas visões e seus defensores não apresentam uma proposta clara, o que abre espaço para interpretações dúbias e bizarras.

UOO: Vocês são bem críticos do atual Movimento LGBT brasileiro. Por quê? Porque o movimento foi aparelhado pelo PT, portanto partidarizado, ou por que o consideram muito de esquerda simplesmente? Se a partidarização fosse de direita (supondo que isso fosse possível), veriam a situação com outros olhos?

Gustavo: Há vários porquês. Primeiro porque noto que boa parte dos militantes é formada por pessoas interessadas em captar recursos públicos ou simplesmente criar projetos para acrescentar no seu “currículo de militante gay”. Não é raro encontrar nessa militância cientistas sociais, jornalistas e advogados que não tiveram sucesso em suas carreiras e buscam na “causa gay” uma desculpa para maquiar seu fracasso profissional.

Segundo, na própria discussão dentro do movimento, vislumbramos uma série de ideias bizarras, chegando-se ao cúmulo de identificar como “aliados” partidos de ideologia comunista, com histórico de massacre de gays sem precedentes em toda a história da humanidade. Esta pregação pelo socialismo está tornando a militância cada vez mais distante do gay comum, impedindo que os militantes compreendam suas reais necessidades. Por esta razão, o público LGBT se sente pouco estimulado a participar da militância, não se identifica com os discursos, preferindo seguir adiante com a própria vida.

Por exemplo, a ABGLT recentemente esteve num evento realizado em Cuba, o pior país da América Latina para os homossexuais. Os gays cubanos têm protestado contra Mariela Castro que se esforça em passar uma imagem de defensora dos direitos gays; seus programas, no entanto, não passam de fachada, não mudando em nada a vida dos gays daquele país. Outro fato bizarro foi a mesma ABGLT ter praticamente ficado em silêncio diante da vinda de Ahmadinejad ao Brasil, em novembro. É verdade que a ONG em questão manifestou o seu apoio à comunidade judaica, mas apenas nominalmente. Aquele era um momento em que os gays deveriam ter se juntado com os judeus e protestado contra Ahmadinejad, considerando que, no Irã, a tortura e a execução de homossexuais são legalizadas. O presidente da associação chegou a dizer, em entrevista, que pediria ao governo Lula licença para protestar, deixando patente que quem manda na ABGLT é o PT.

Terceiro, o movimento gay fica constantemente mudando o foco de suas reivindicações: ora milita pelo “matrimônio” gay, ora tenta aprovar o PLC 122/2006, ora busca eleger candidatos homossexuais. Essa alternância de estratégia acaba custando muito nos campos tático e operacional e, vendo como administrador, parece-me que esses ativistas têm feito um péssimo trabalho. Não é de se estranhar que não conseguem alcançar nenhum dos objetivos concretos a que se propõem, sejam eles bons ou ruins. Eles não têm obtido êxito nem em dar o primeiro passo que consiste em reunir os homossexuais para criar um movimento sólido. Os atuais grupos de militância gay são todos patéticos, com um contingente que varia entre 5 ou 15 pessoas em cada grupo, com pouquíssimas exceções. A ABGLT, que se gaba de ser representante de 220 grupos homossexuais, não passa de um embuste, já que a quantidade de grupos gays no Brasil, segundo um levantamento feito por nós no ano passado, não passava de 110. Isso sem mencionar o fato de a ABGLT ser uma organização fechada, não passa de um grupo de comadres marxistas, como se ser gay demandasse necessariamente ser socialista.

Por fim,  não vejo nenhuma possibilidade de haver uma partidarização à direita no atual cenário do movimento gay. Não acho inclusive que o movimento deveria assumir uma tendência, mas simplesmente procurar priorizar as reais necessidades dos homossexuais brasileiros.

Washington: Não diria que sou um crítico, apenas não compartilho do discurso radical e fundamentalista de determinados setores do movimento LGBT brasileiro. Acho um equívoco essa partidarização apontada por você. A questão dos direitos civis deveria ultrapassar as disputas eleitorais de direita e esquerda. O movimento homossexual vive num mundo fora da realidade. Talvez por influência da esquerda marxista, existe um preconceito contra o setor privado. Como se o dinheiro usado para financiar ONGs, Paradas e entidades LGBTs viesse de Júpiter e não pelo dinheiro do governo, que vem justamente do sistema econômico. Aliás, há aí duas coisas que repudio nesse exemplo: a submissão de entidades homossexuais ao Estado assim como o uso de dinheiro público nas mesmas. Lembra o fascismo italiano, quando os sindicatos ficaram atrelados ao Estado. Acho isso perigoso. Se, hipoteticamente, os movimentos LGBTs fossem subordinados a partidos de “direita”, repudiaria da mesma maneira. O movimento homossexual deve ser independente. Contudo, desejo que haja uma maior abertura do movimento homossexual brasileiro a novas ideias. Em 2006 procurei um grupo LGBT e não fui compreendido. Talvez seja difícil para essas pessoas reconhecer que haja opiniões diferentes.

UOO: Os Planos Nacionais de Direitos Humanos de FHC e de Lula contemplaram algumas reivindicações de direitos homossexuais, mas o de Lula veio com um recheio onde se observam propostas de abolição do direito de propriedade, monitoramento e controle da imprensa, controle de livros didáticos, ampliação do desarmamento da população (e de seguranças!!?) enquanto o governo financia, com $ público, o cada vez mais armado MST), e outras estrovengas autoritárias. Muitos ativistas, que inclusive reconhecem o caráter aberrante desse plano, estão fazendo vista grossa ao cerne da coisa para ver se passam os direitos homossexuais. Como vocês veem essa estratégia?

Gustavo: Recentemente, um militante comunista disse que a população tem dado mais ênfase às questões do aborto, da propriedade privada e à polêmica dos militares do que a questão homossexual. De fato, de todas elas, parece que a questão homossexual é a que menos preocupa. O PT não está interessado em entregar coisa alguma aos homossexuais, embora pudesse fazê-lo, já que possui maioria aliada no Congresso.

Acho engraçado que tão logo a questão do PLC 122/2006 (projeto contra homofobia) arrefeceu, veio em seguida este PNDH-III. Para mim, esse programa, mais do que um esboço de dominação política, é também estratégia para agitar a sociedade e depois o governo dizer que os “cristãos fundamentalistas” têm pressionado o PT nessas questões.

Eu conviveria perfeitamente bem com a esquerda, sem o menor problema. E deve haver uma esquerda. No entanto, os partidos de esquerda que estão aí, com um passado de assassinatos, assaltos, terrorismo e mortes, obviamente não possuem a menor aspiração democrática.

Washington: O PNDH 3 foi alvo de tantas críticas que fica difícil fazer um elogio. Reprovo qualquer tentativa de controle por parte do governo à minha vida, à minha propriedade e à minha liberdade. Eles falam que o Plano saiu de discussões de diversos setores da sociedade. Mas quais setores? Na realidade são os tais movimentos “sociais” ligados aos partidos de esquerda que, segundo os próprios, totalizaram 14 mil pessoas nesses dois anos. Desde quando 14 mil representam 190 milhões de pessoas? Sabemos que os reais objetivos do PNDH 3 são partidários, de ampliar o poder da esquerda e do PT em particular. Tal partido não está nem um pouco interessado em Direitos Humanos. Se estivesse, por que seus dirigentes e militantes não se posicionam contra países que desrespeitam os direitos humanos, como Cuba, China e Venezuela? A recepção de Mahmoud Ahmadinejad pelo presidente Lula, no ano passado, foi uma ofensa àqueles que lutam pelos direitos humanos. 

UOO: Da perspectiva LGBT de direita e libertária, quais as principais bandeiras a serem levadas por um movimento LGBT e como elas deveriam ser encaminhadas?  Há diferenças com as que já são encaminhadas pela militância tradicional ou não?

Gustavo: Penso que a única coisa correta originada do PT foi o projeto de união civil (e os direitos daí derivados, como a transferência da herança ao parceiro e a possibilidade de financiar em conjunto a compra de seu lar), mas esta se tornou uma bandeira abandonada pelos próprios militantes homossexuais. A maioria deles não se vê minimamente interessada em defendê-la, já que alegam que o projeto estaria “defasado” e que outro mais novo e abrangente seria mais oportuno. Uma distorção que tem sido freqüente é chamar este projeto de “casamento gay”, pois passa a ideia de que a lei permitiria nos casarmos dentro das igrejas, o que é um absurdo, pois as religiões têm o seu próprio percurso evolutivo que deve ser respeitado. Apesar do PLC 122/2006 não determinar isto explicitamente, na prática, era um projeto que estava levando a isto.

A questão da AIDS ainda é um campo a ser explorado. Alguns militantes homossexuais têm reclamado da impossibilidade do gay doar sangue, mas este é um problema real, já que há muitos gays que fazem sexo sem camisinha com até 26 homens num único final de semana. Muito se fala que as políticas brasileiras de combate à AIDS são referências internacionais, mas também é dito que gays e jovens constituem população de risco. Se as políticas brasileiras são tão boas, por que os índices de contaminação entre os gays têm aumentado? Esse é o tipo de reflexão que o movimento LGBT deveria fazer; e, ao invés de estimular a promiscuidade sexual, incentivar a fidelidade e a monogamia. 

Deveria também ser criado um sistema de informação e vigilância com relação aos crimes motivados por preconceito que permitisse o acompanhamento dos casos judiciais diretamente pelo público interessado. Atualmente, quando ocorre um crime hediondo, os dirigentes das ONGs fazem suas declarações, mas parece que pára por aí. Nos EUA, fatos assim são acompanhados de perto pelo público gay, que atende prontamente os chamados da militância para protestar.

Washington: Acredito que a militância LGBT deveria focalizar os direitos civis e exigir do Estado o fim de qualquer lei que discrimine pessoas ou organizações com base na orientação sexual. Mas sou contra leis “especiais”. Aqui no Brasil temos a mentalidade de que o governo tem de salvar as pessoas de si mesmas e que seremos uma sociedade democrática através da ação estatal. Por vezes, a militância LGBT age de forma autoritária e incoerente. Vou te dar um exemplo: basta que um líder religioso cristão faça algum comentário se posicionado contra a homossexualidade que temos motins em portas de igrejas, pessoas queimando fotografias do Papa... Por que não se tomou essa mesma postura quando o ultra-homofóbico presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad visitou o Brasil? 

UOO: Sei que no exterior há grupos organizados de LGBT conservadores e libertários, mas, aqui no Brasil, acho que a iniciativa de vocês é pioneira. Vocês pretendem partir para uma organização nos moldes internacionais futuramente?

Gustavo: Claro que sim, porém, para garantir a legitimidade do movimento, não devemos nos associar a nenhum partido político. Mas ainda há muito pela frente. No momento, acompanhamos fatos políticos e violações homofóbicas ocorridos em outros países, entre outras questões. Temos também nos esforçado para denunciar que as técnicas de subversão marxista-leninista, empregadas durante o regime militar pelas esquerdas, estão sendo utilizadas ainda hoje.

Washington: Gostaria muito. Tenho mantido contatos informais com uma organização italiana e outra norte-americana. Mas esbarramos aqui numa série de problemas, como a precariedade de um país como o Brasil e o estereótipo que muitas pessoas desenham dos liberais. Comecei de forma tímida, com o blog e uma lista de discussão. Mas entre os planos futuros desejo ter um site e um espaço para reuniões e encontros. 

UOO: Como vocês veem as próximas eleições para a população homossexual  e o país? Que cenário visualizam?

Gustavo: O presidente da ABGLT deu uma entrevista recentemente recomendando a candidata do PT, Dilma Rouseff. É evidente que a aliança político-partidária da ABGLT está acima do compromisso de representar a população homossexual. Se um pseudo-operário nada trouxe de concreto para a população gay, menos ainda fará uma ex-guerrilheira terrorista e assaltante de bancos, da VAR-Palmares, treinada em Cuba.

De qualquer forma, não creio que a Dilma sairá vencedora. Por outro lado, devemos ficar atentos, pois a troca de um presidente não necessariamente traz impactos positivos sobre o movimento gay. Nesse sentido, um candidato eleito por outro partido pode significar um continuísmo da presente situação, caso ele faça vista grossa aos militantes esquerdistas que fazem carreira como “militantes gays”, cujo único objetivo é obter recursos públicos.

Washington: Não há neste país nenhum partido que se aproxime daquilo que acredite. Há boas tentativas como o Partido Libertário e o Partido Federalista, mas são projetos e dependem da burocracia estatal para a regularização dos mesmos. Não vejo um futuro promissor para um país que apresenta candidatos presidenciais como Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva.

UOO: Por fim, agradecendo pela entrevista, pediria que deixassem uma mensagem para as leitoras e os leitores do site.

Gustavo: Nossa mensagem para os leitores é “invadam” as sedes do movimento gay, procurando participar das reuniões e dos meios de conversação existentes na internet, a fim de ajudar a mudar a situação ou pelo menos para testemunhar a veracidade do que falamos. Algumas dessas organizações se envolvem até em práticas criminosas (tal como o aliciamento de menores, num determinado caso). O problema de pessoas que fazem carreiras em movimentos sociais é que estas não se destinam a resolver os problemas da população, uma vez que os problemas são o motivo de elas estarem ali recebendo verba pública. Recentemente, um homossexual comunista em Cuba foi expulso do partido pelo fato de ser gay. Se fosse verdade que “o capitalismo gera a homofobia”, fatos como esse jamais teriam ocorrido. Por isto é importante analisar a coerência dos discursos dessas pessoas.

Washington: Agradeço, primeiramente, a Miriam Martinho pela confiança e pela oportunidade. Quando paro para ver tudo que os teóricos da esquerda escreveram: ditadura do proletariado, guerras civis, revoluções armadas e sanguinárias, paredón, fica tudo com um ar de morte e monstruosidade. Toda leitura que já fiz sobre liberalismo nunca encontrei um autor que violasse os direitos essenciais dos seres humanos: direito à vida, à liberdade, à propriedade, e por aí vai. Portanto, convido a comunidade LGBT à defesa da igualdade de direitos.

Publicado originalmente no início de 2010

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